quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Duas Crises

                                           

 Operação  Humanitária?

 
          A cidade de Donetsk, que seria a capital  da República separatista pró-Rússia, cercada pelas tropas ucranianas, estaria na iminência do ataque final. Oferta rebelde de cessar-fogo foi rejeitada por Kiev, que só aceita trégua se os separatistas depuserem as armas.

         A população de Donetsk – cerca de um milhão antes da guerra – estaria em setecentos mil e muitos procuram escapar dos combates.

          A pretexto de dar ajuda humanitária à população civil,  Moscou montou grande operação com comboio de caminhões. Recobertos por toldos, o que inviabiliza a identificação da eventual carga, Kiev hesita quanto ao respectivo procedimento.

          Na invasão da Crimeia, Moscou se serviu do biombo da ‘operação humanitária’ para transportar efetivos militares.

          Apesar de suas declarações, dadas as amplas razões para a desconfiança, o governo ucraniano, não obstante os riscos, semelha inclinado a autorizar a sua realização.  É um cortejo de 280 caminhões, com supostas duas mil toneladas de suprimentos.

          As apreensões cresceram quando da divulgação de vídeo em que caminhões em tudo semelhantes aos apresentados se acham estacionados diante de base militar, com fileira de soldados a embarcar.

           No entanto, com a declaração do Ministro do Exterior da Rússia, Serguei Lavrov,  de que, ao atravessarem a fronteira, o comboio vai ficar sob o controle da Cruz Vermelha, as expectativas se tornarem um tanto mais otimistas.

           As possibilidades de instrumentalização pelo Kremlin da atual situação são demasiado evidentes, a fortiori pela circunstância de que não é a primeira vez em que a Rússia se serve do biombo humanitário para encobrir  objetivos militares. Por outro lado, qualquer assistência que enseje a permanência de uma situação rebelde, contrária ao governo central de Kiev terá escopos que vão muito além de atender a emergências de ordem civil.

             De qualquer forma, pelo acompanhamento de satélites será bastante difícil para Moscou ocultar o envio, através desse comboio, de soldados e armamentos, que visem a reforçar a capacidade de resistência da chamada República de Donetsk.

             Se se torna, por conseguinte – à conta de razões humanitárias – difícil para o governo Poroshenko barrar a entrada do cortejo, de uma certa forma a própria situação já sublinha a fraqueza estratégica do governo ucraniano, eis que, malgrado as fortes razões para a suspicácia, se vê constrangido a aceitar esse presente grego.

 

Esperanças no Iraque

 
                Dada a sua felina capacidade de resistência, enquanto Nuri al-Maliki agarrar-se, posto que precariamente ao governo iraquiano,  as análises fundadas sob a hipótese de sua partida serão necessariamente precárias.

                De qualquer forma, os harúspices de plantão se deparam com dificuldades crescentes para visualizarem o futuro de Maliki no poder, eis que os seus apoios parecem evaporar-se.

                Assim, o seu canhestro intento de valer-se do exército para lograr vencer  a generalizada contestação da sociedade iraquiana à sua permanência no mando, se viu exposto por uma declaração “Nós somos o Exército do Iraque, não de Maliki”, muito apropriadamente no espaço digital da conta no Twitter.

                Maliki cavou sua própria sepultura política, ao tentar fundar a sua permanência no poder através dos xiitas, não só marginalizando, mas perseguindo os sunitas iraquianos.

                Assim, o seu intento de, na contramão das expectativas iraquianas, continuar no mando, a despeito da designação de um novo premier xiita – Haider Abadi – só poderia malograr, pelo seu crescente isolamento tanto nacional, quanto internacional.

                Dessarte, até mesmo Teerã – que sempre Maliki cultivara como o centro da influência xiita – se manifestou favoravelmente a Abadi.  Os apoios ao premier designado também se estendem não só à fé sunita (Arábia Saudita), que é majoritária no mundo árabe, mas minoritária no Iraque, senão à Liga Árabe.

                Designado pelo Chefe de Estado, Fuad Masum, que é curdo, completa-se o círculo virtuoso dos apoios, com o enfático aporte trazido pelos Estados Unidos.

                De novo reaparecem os assessores militares de Washington (já foram enviados setecentos, e está anunciada a vinda de mais 130). Forçada por uma conjunção adversa, a Administração Obama se vê constrangida a mandar assessores militares  - malgrado o precedente a não ser esquecido do Vietnam – assim como reiniciar um envolvimento guerreiro que decerto não estava  dentre os projetos do 44° Presidente estadunidense.

                 Mas no vácuo de poder criado pelo anti-governo de Maliki, com o descosimento do exército, não restou, com pesada ironia, a Barack Obama outro recurso que o de enviar caças (além dos drones) para combater mais uma criatura engendrada pelo inferno na Síria, que é o Isis, com a sua sectária intolerância, a buscar criar um Califado na região.

                  As armadilhas de envolvimento na região se abrem em profusão, com a perseguição das minorias e a séria ameaça de um poder que, no versante sunita, reedite o flagelo do talibã, nessa vanguarda de um atraso medievalista, que em pleno século XXI condena à morte os caminhantes do Senhor que não trilham a senda da fé sunita radical.

                  Depois da insana aventura de George W. Bush, compreende-se a precaução de Obama. Voltar atrás nessa marcha demencial, não é mais ironia, pois tem as cores do sarcasmo.

                  Nunca uma expressão como a pavimentação do caminho do Inferno se afigura tão disponível, só que, infelizmente, não se poderia recorrer às supostas boas intenções, eis que quem hoje, com o benefício das desastrosas consequências da aventura dos neoconservadores, se animará a invocá-las de boa fé ?

 

(Fontes:  O  Globo, Folha de S. Paulo)   

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