Operação
Humanitária?
A população
de Donetsk – cerca de um milhão antes da guerra – estaria em setecentos mil e
muitos procuram escapar dos combates.
A pretexto
de dar ajuda humanitária à população civil,
Moscou montou grande operação com comboio de caminhões. Recobertos por
toldos, o que inviabiliza a identificação da eventual carga, Kiev hesita quanto
ao respectivo procedimento.
Na invasão
da Crimeia, Moscou se serviu do biombo da ‘operação humanitária’ para
transportar efetivos militares.
Apesar de
suas declarações, dadas as amplas razões para a desconfiança, o governo
ucraniano, não obstante os riscos, semelha inclinado a autorizar a sua
realização. É um cortejo de 280
caminhões, com supostas duas mil toneladas de suprimentos.
As
apreensões cresceram quando da divulgação de vídeo em que caminhões em tudo semelhantes
aos apresentados se acham estacionados diante de base militar, com fileira de
soldados a embarcar.
No entanto,
com a declaração do Ministro do Exterior da Rússia, Serguei Lavrov, de que, ao atravessarem a fronteira, o comboio
vai ficar sob o controle da Cruz Vermelha, as expectativas se tornarem um tanto
mais otimistas.
As
possibilidades de instrumentalização pelo Kremlin da atual situação são
demasiado evidentes, a fortiori pela
circunstância de que não é a primeira vez em que a Rússia se serve do biombo
humanitário para encobrir objetivos
militares. Por outro lado, qualquer assistência que enseje a permanência de uma
situação rebelde, contrária ao governo central de Kiev terá escopos que vão
muito além de atender a emergências de ordem civil.
De qualquer
forma, pelo acompanhamento de satélites será bastante difícil para Moscou
ocultar o envio, através desse comboio, de soldados e armamentos, que visem a
reforçar a capacidade de resistência da chamada República de Donetsk.
Se se torna,
por conseguinte – à conta de razões humanitárias – difícil para o governo
Poroshenko barrar a entrada do cortejo, de uma certa forma a própria situação
já sublinha a fraqueza estratégica do governo ucraniano, eis que, malgrado as
fortes razões para a suspicácia, se vê constrangido a aceitar esse presente
grego.
Esperanças no Iraque
Dada a
sua felina capacidade de resistência, enquanto Nuri al-Maliki agarrar-se, posto
que precariamente ao governo iraquiano, as análises fundadas sob a hipótese de sua
partida serão necessariamente precárias.
De qualquer
forma, os harúspices de plantão se deparam com dificuldades crescentes para
visualizarem o futuro de Maliki no poder, eis que os seus apoios parecem
evaporar-se.
Assim,
o seu canhestro intento de valer-se do exército para lograr vencer a generalizada contestação da sociedade iraquiana
à sua permanência no mando, se viu exposto por uma declaração “Nós somos o
Exército do Iraque, não de Maliki”, muito apropriadamente no espaço digital da
conta no Twitter.
Maliki
cavou sua própria sepultura política, ao tentar fundar a sua permanência no
poder através dos xiitas, não só marginalizando, mas perseguindo os sunitas
iraquianos.
Assim,
o seu intento de, na contramão das expectativas iraquianas, continuar no mando,
a despeito da designação de um novo premier xiita – Haider Abadi – só poderia
malograr, pelo seu crescente isolamento tanto nacional, quanto internacional.
Dessarte, até mesmo Teerã – que sempre Maliki cultivara como o centro da
influência xiita – se manifestou favoravelmente a Abadi. Os apoios ao premier designado também se
estendem não só à fé sunita (Arábia Saudita), que é majoritária no mundo árabe,
mas minoritária no Iraque, senão à Liga Árabe.
Designado pelo Chefe de Estado, Fuad Masum, que é curdo, completa-se o
círculo virtuoso dos apoios, com o enfático aporte trazido pelos Estados
Unidos.
De
novo reaparecem os assessores militares de Washington (já foram enviados
setecentos, e está anunciada a vinda de mais 130). Forçada por uma conjunção
adversa, a Administração Obama se vê constrangida a mandar assessores
militares - malgrado o precedente a não
ser esquecido do Vietnam – assim como reiniciar um envolvimento guerreiro que
decerto não estava dentre os projetos do
44° Presidente estadunidense.
Mas
no vácuo de poder criado pelo anti-governo de Maliki, com o descosimento do
exército, não restou, com pesada ironia, a Barack Obama outro recurso que o de
enviar caças (além dos drones) para combater mais uma criatura engendrada pelo
inferno na Síria, que é o Isis, com a sua sectária intolerância, a buscar criar
um Califado na região.
As
armadilhas de envolvimento na região se abrem em profusão, com a perseguição
das minorias e a séria ameaça de um poder que, no versante sunita, reedite o
flagelo do talibã, nessa vanguarda de um atraso medievalista, que em pleno
século XXI condena à morte os caminhantes do Senhor que não trilham a senda da
fé sunita radical.
Depois da insana aventura de George W. Bush, compreende-se a precaução
de Obama. Voltar atrás nessa marcha demencial, não é mais ironia, pois tem as
cores do sarcasmo.
Nunca uma expressão como a pavimentação do caminho do Inferno se afigura
tão disponível, só que, infelizmente, não se poderia recorrer às supostas boas
intenções, eis que quem hoje, com o benefício das desastrosas consequências da
aventura dos neoconservadores, se animará a invocá-las de boa fé ?
(Fontes: O
Globo, Folha de S. Paulo)
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