terça-feira, 26 de agosto de 2014

Dois Desafios

                                                 

Ucrânia

               O Presidente Petro Poroshenko encontrou-se em Belarus com o Presidente Vladimir Putin. Ao partir de Kiev, o novel mandatário ucraniano não podia estar muito otimista quanto às possibilidades de uma verdadeira paz com Moscou. Pois, na verdade, disso se tratava.

               A onda separatista na região oriental, de fala russa, na Ucrânia surgira após a queda de Viktor Yanukovych, derrubado pelas manifestações da praça Maidan. O protesto e o descontentamento generalizado com o corrupto Yanukovych não se deveu à manifesta desonestidade do então presidente, mas à sua abrupta mudança de orientação, com o fechamento da opção ocidental com a União Européia, e a anticlimática  ‘escolha’ da União Aduaneira com a Rússia.

              O povo ucraniano acreditara em um acordo com Bruxelas, que lhe abrisse as portas do Ocidente. Dos resultados dessa opção, bastava à Ucrânia pautar-se pelo ingresso da vizinha Polônia na U.E., e os seus resultados, para que o recuo de Viktor Yanukovych fosse visto pelo que, na verdade, representara, mais uma rendição aos ditames de Moscou. 

               As duas agressões da Rússia contra a Ucrânia – a anexação da Crimeia e o movimento separatista pró-Moscou – foram produzidas pelo mesmo evento: a queda de Yanukovych e o consequente fechamento da falsa opção russa.

               O homem forte Vladimir Putin – como os seus modelos, dos quais Benito Mussolini é o mais copiado – não gosta de ser contrariado. A sua irritação tenderá a ser maior se algum país do entorno da Federação Russa ousar afrontá-lo em alguma opção que venha no futuro a fortalecer o candidato a trânsfuga. Nada pior para Putin e seus largos domínios do que uma nação na sua cercania com perspectivas pró-ativas de progresso e desenvolvimento.

                Para lidar com esse desafio de Kiev, não terá surgido opção melhor de o que o seu enfraquecimento, seja através da reconquista da Crimeia, seja pelo fomento do dissídio do leste de fala russa com o oeste pró-ocidental da Ucrânia.

                Por esses motivos, semelha óbvio que conversar ou parlamentar com o presidente Vladimir V. Putin é, nesse contexto,  perda de tempo. O que Pòroshenko ouvirá do senhor de todas as Rússias, e os seus eventuais votos de respeitar a soberania ucraniana, terão um valor tendente a zero. Basta repassar as promessas pretéritas, por ele formuladas, ou por seus auxiliares, como o seu ministro Sergei Lavrov.

                 A Ucrânia terá que investir em seu povo, lutar para erradicar a praga da corrupção, e armar-se adequadamente. Não há melhor maneira de preparar a paz, de o que criar condições para que seus inimigos se dêem conta de que nada lograrão fomentando a discórdia e os passados rancores. A Putin, só se deve pedir ajuda e quartel quando a nação será forte bastante para deles não mais carecer.

 

A Síria de Assad:  a mãe de todas as rebeliões


                Quando se projetou nas telas de todas as mídias a bárbara decapitação do jornalista americano James Foley, talvez tenha escapado a maior ironia daquela trágica encenação.

                No fértil território da rebelião, a princípio liberal e democrática, do povo sírio contra a ditadura dos Assad, ora tem crescido plantas e inços que só poderiam ter ali surgido pelo virtual abandono do movimento da Liga Rebelde.

                Por uma decisão da Casa Branca – que contrariou recomendação das então quatro principais autoridades da primeira Administração Barack Obama no que concerne à segurança – esse Liga Rebelde foi deixada à míngua de recursos.

                Por tal grande recusa, a causa da opressão teve as velas pandas. O ditador, que parecera encaminhar-se na ladeira do Sunset Boulevard,  recebeu a notícia para ele alvissareira, de que os seus fornecedores – a Rússia de Putin, o Irã do Ayatollah Khamenei, e seus prepostos – disporiam da segurança de que a Liga teria apenas a assistência inconstante das monarquias do Golfo.

                Para reforçar a resistência ao alauíta (e portanto próximo da variante xiita) Bashar al-Assad,  terá pensado em uma reedição da luta afegã, com o surgimento de novas versões da dissensão sunita.

                 Foi o que se viu naquela velha terra da passagem. A al-Qaida se fez representar pela al-Nusra, que é uma sub-espécie do movimento de Osama ben Laden.

                 Nesse embate de contrastes, a ajuda que veio do Reino Unido não foi exatamente aquela computada pelos chefes das agências de segurança nacional da superpotência.  A caricatura do ISIS – que se prefigura como um dos espantalhos da pós-modernidade – tem recebido o aporte de emigrantes da velha Inglaterra, que, no entanto, diferem da imagem pacífica dos súditos de Sua Majestade.  Para a decapitação do pobre Foley – que caíra nas malhas do radicalismo islâmico talvez por acreditar que a coragem é o melhor passaporte para informar dessa nova e deprimente frente do atraso -  a ironia de sua morte nas mãos de um suposto súdito britânico se transforma em agressivo escárnio do mínimo respeito ao ser humano.

                 Estaremos de volta aos tempos da investida árabe sobre o Ocidente, quando aos cristãos, para escapar da cimitarra, somente existia a estreita porta da conversão in extremis?

                 As autoridades britânicas acenam com a possibilidade de desvendar quem é o autor encapuçado de mais este acinte ao que resta de princípios humanitários e de comezinho respeito ao ser humano. Na verdade, pelas suas inflexões já se lhe conhece a origem. Acrescentar nome e prenome não me parece de grande importância. Por que a acusação principal – a de ser o criadouro dessa bestialidade – já está firmada.

                 Assim como no tardo Império Romano – quando os seus limes não mais impediam o estabelecimento de populações contrárias ao ethos da Roma imperial – os perigos mais temíveis poderiam vir de suas províncias, seria de grande interesse determinar-se as causas de que movimentos de tamanha intolerância possam surgir no país da Magna Carta.

 
(Fontes:  O Globo, Folha de S. Paulo, CNN)

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