É difícil definir de outro modo a decapitação
do jornalista americano James Foley, mostrada em vídeo da milícia do Estado
Islâmico (ISIS).
O Presidente Barack Obama, ao confirmar
a morte de James Foley por essa milícia radical disse que os governos do
Oriente Médio devem fazer esforço comum para “extrair o câncer” representado
pela facção, “antes que ele se espalhe”.
Ainda
segundo Obama, todo o mundo ficou ‘aterrorizado’ com a brutalidade do
assassinato de Foley, que foi decapitado diante de uma câmera.
“Uma coisa
em que todos concordamos é que não há espaço para um grupo como o ISIS no século XXI”.
Não me
passa pela cabeça justificar essa ignomínia. Desde muito – quase dois anos –
era acompanhada a situação do jornalista americano. Foley havia sido
sequestrado desde novembro de 2012, com a radicalização da guerra civil na
Síria, que surgiu por uma conjunção de fatores: o continuado apoio da Rússia ao
ditador Bashar al-Assad (por motivos estratégicos, i.e., a base naval em porto
de águas quentes no Mediterrâneo oriental), de países de fé xiita (Irã e o
Iraque de al-Maliki), e da milícia Hezbollah, de Nasrallah, com base no Líbano.
Do lado contrário, o governo
revolucionário reconhecido pela Liga Árabe não dispôs de apoio equivalente.
Assim, a frente ‘moderada’, se teve o suporte dos governos sunitas da Arábia
Saudita, do Qatar e da própria Turquia, esse auxílio às forças insurgentes
contra al-Assad não teve o peso equivalente àquele fornecido pelos aliados do governo sírio.
Além
disso, surgiu um complicador na guerra civil síria. Repontou como elemento
desagregador a facção da chamada al Nusra, que é a versão transplantada da
conhecida al-Qaida, com a sua versão extremista da ala majoritária do Islã,
i.e. a via sunita.
Infelizmente, nessa encruzilhada de uma longa guerra, malgrado as
indicações de que a ditadura alauíta (seita minoritária e sincrética do xiismo)
já dava amplos sinais de adentrar o bulevar do crepúsculo, o Presidente Barack
Obama resolveu recusar o conselho de seus então quatro principais assessores em
segurança e relações exteriores[1] de
armar a Liga Rebelde, de forma que tivesse condições de enfrentar Bashar
al-Assad.
Não há
negar que, sob um determinado ponto de vista, a decisão presidencial objetivava
evitar o eventual repontar de uma ulterior radicalização na guerra civil síria.
O 44° Presidente tinha muito presente o perigo de perenização do conflito, como
ocorreu no Afeganistão. Todavia, como no caso de outras boas intenções, não se
poderia dizer que o decorrente enfraquecimento da Liga Rebelde tenha sido um resultado benfazejo não só para a Síria,
senão para a comunidade internacional.
Houve, em consequência, um reforço dos extremos e a resultante
debilitação da Liga, que constituía a principal adversária da ditadura de
al-Assad. Esta, por seu lado, não recuou diante de qualquer meio no sentido de
debilitar a frente revolucionária. Chegou mesmo a valer-se de recursos mais do
que questionáveis, como a negação à população em territórios sob controle da
Liga de vacinas e medicamentos contra a poliomielite. Existem nesse sentido –
consoante documentado por artigo em The New
York Review of Books - acusações
ainda mais graves no que tange a órgão internacional
que deveria cuidar do mandato de evitar a todo preço eventual ressurgência de
tal flagelo.
Não foi por isso por acaso que o ditador
Bashar al-Assad pôde encenar a sua reeleição, dada a mudança no terreno que, no
mínimo, conduziu à reversão na sorte da guerra.
Se antes se discutia acerca das sombrias alternativas abertas para o
presidente sírio – ou o Tribunal Penal Internacional ou algum refúgio sob bandeira que não reconheça o poder
supranacional do foro da Haia – o consequente enfraquecimento da Liga Rebelde
diante da retomada – que tem ares de estratégica – da capacidade bélica do regime
de Damasco, reabriu na prática o inferno
de uma guerra que dá a impressão de encaminhar-se para um final que não aparenta
ser em nada conforme às expectativas dos primeiros e pacíficos manifestantes na Síria.
E é aí
que se insere a sorte madrasta do pobre repórter sacrificado pela milícia
radical do Estado Islâmico. Profissionais corajosos, que não medem riscos,
sempre os haverá. O século XX, com o seu baú de dissídios, conflitos, guerras
civis e planetárias matanças, nos traz o exemplo de Robert Capa, o do instantâneo
famoso do miliciano espanhol que tomba para a morte.
O
infeliz James Foley, cujo arriscado mister alimentava a agência France Presse e o site americano
‘Global Post’, era um veterano
profissional que condicionara a própria sorte ao fio da navalha de regimes tão
brutais, quanto imprevisíveis. Colecionava cativeiros, eis que trabalhou na
Líbia de Muammar Kaddafi, bem como no Iraque e Afeganistão.
Foley aliava a bravura à simpatia, e terá acreditado que, com o seu
destemor e a disposição de retratar esse peculiar mundo da rebeldia, teria o
invisível salvo-conduto para que atravessasse o mundo do radicalismo islâmico.
Como se
recorda, não será o primeiro a ser decapitado. Daniel Pearl teve a cabeça
decepada pelos paquistaneses da Al-Qaida, em 2002.
Segundo
a descrição da jornalista Clare Gillis, Foley era pessoa fácil de lidar. É aí
que mora o perigo. A boa vontade, a simplicidade e a coragem não são documentos
suficientes para proteger esses profissionais. Para os militantes do ISIS –
como para outros radicais – os repórteres seriam espiões de um poder maior.
O que
esses profissionais, na sua intrepidez, esquecem é que ao ingressar nas terras
sob o domínio dessas facções radicais, eles na verdade adentram um mundo
afastado no tempo do Ocidente e do público a que a própria coragem visa trazer
matéria de leitura.
Melhor
colocar-se sob o império das hordas muçulmanas que irromperam da Arabia Felix.
A menos de uma conversão súbita, sob a sombra da cimitarra, a visão dos
exércitos do profeta não conhecia qualquer tolerância. E ai daqueles que
pensavam valer-se dos argumentos da palavra.
Para entendê-los
melhor - e, por conseguinte, evitar
contatos, que, como se vê, são tão perigosos quanto fatais - valeria uma leitura até mesmo da versão
abreviada de Um Estudo da História, de Arnold Toynbee. Pena que esteja fora de
moda.
(Fontes:
Folha de S. Paulo, The New York Review of Books, A Study of History,de A.Toynbee)
[1] Hillary Clinton
(Departamento de Estado), Leon Panetta (Departamento da Defesa), general David
Petreus( CIA), e general Martin Dempsey (Estado Maior das Forças Armadas)_
Nenhum comentário:
Postar um comentário