Menino ainda acompanhou
acontecimentos que, mal sabia, marcariam o fim de longa existência política. Ao
acordar na manhã de 24 de agosto ignorava a mudança radical que o ato extremo
provocaria.
Em agosto,
após o atentado que vitimou o Major Rubem Florentino Vaz, a impopularidade do Presidente
Getúlio Vargas que o cercava por toda a parte, das ruas até o Jockey
Club, onde a previsível vaia seria sufocada por uma banda colocada ao pé da
tribuna, não o surpreendeu, pois já se acostumara às vozes da oposição, cada
vez mais alçadas e agudas a perseguirem, implacáveis, o Chefe da Nação.
A imprensa,
em todos os seus diapasões, fustigava Getúlio. Havia para todos os gostos: da
estridência da Tribuna da Imprensa aos artigos de primeira página do vespertino
O Globo, em que o companheiro de lutas João Neves da Fontoura, modulava noutro
tom, em que com as atenções de estilo avançava um discurso que não era
favorável ao velho conterrâneo.
Com exceção
da Última Hora, que defendia o
Presidente, não se divisavam muitos partidários de Getúlio. Na própria
televisão, dominava Lacerda e sua grei, com as exigências e incriminações a
crescerem no compasso dos dias.
Na noite de 23 para 24 de agosto, ele soube da
reunião ministerial no Palácio do Catete.
Concluída de
madrugada, o rumor correu de que o Presidente aceitara tirar uma licença.
A arrogância
da Aeronáutica e o surdo apoio do Exército fazia correr na boca do povo, que
não era para valer. Ele se licencia sim, mas
não volta.
De repente,
no entanto, muda a chacota das ruas.
É que no
quarto do Presidente, de repente, um tiro de revólver ecoou.
Como? Então o
Presidente se matou?
E não tardou
muito para que a poeira baixasse. Emudece a estridência dos inimigos, militares
e paisanos.
Faz-se o
vácuo da surpresa, a que sucede a dor do arrependimento.
Acossado
pelas campanhas e calúnias, ele se matou ?!
E o mar dos
impropérios recua.
A notícia se
espalha. E a conscientização, também.
Outra gente
aparece, e em muito maior número. O seu luto, será misturado a princípio, com
um sentimento de culpa – por que deixamos que as coisas ficassem assim, e não
aparecemos para dar-lhe o nosso apoio ?
Mas a raiva
se alimenta da realização embora tardia de quem estava certo, e merecia apoio,
e não o recebeu.
As
aglomerações se transformam em multidões e em certos casos em turbas com sede
de retribuição. São os empastelamentos de jornais, e as tentativas que falham,
mas deixam a marca.
Nas ruas,
praças e logradouros a turba enraivecida e enojada se transforma em Povo. Dir-se-ia um rio, imensa caudal a
portar nos seus ombros, o gigante morto, em impressionante cortejo sem ouropéis
nem luxo, mas com majestosa dignidade, de que o menino só veria algo similar
decênios mais tarde, em outro enterro nos ombros do Povão, o de JK,
em Brasília, nas barbas da ditadura militar, no chamado Eixo
Monumental.
São
impressões de um filme de que o menino ignorava ser personagem.
Na tarde
de 24 de agosto, entra na fila de banca de jornal para comprar a edição extra
de O Globo. Na sua frente, dois homens jovens, com vestes
melhores, conversam. Para o menino, são universitários.
“Parece
que deixou carta-testamento.”
“É. Dizem
que é apócrifa...”
O menino
ignora o termo. Chegando em casa, irá procurá-lo no dicionário.
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