terça-feira, 21 de julho de 2020

II - Ofensa de Desembargador a guarda civil


                           
           Desde que me entendo como gente há pessoas que ofendem a outrem, simplesmente por cumprirem o seu dever.
               Pois Cícero Hilário Roza Neto nunca careceu de dizer que é pós-graduado para impor respeito.  Para ele, o diploma só o ajudou a exercer melhor o seu trabalho.
                 Com efeito, o guarda-civil e graduado em segurança pública, e também com graduação na área de direito educacional. Pois segundo Cícero, foi graças à educação que recebeu dentro e fora de casa que ele se manteve firme diante do pior insultou que lhe foi dirigido.  "Fui chamado de analfabeto. E ouvi isso de alguém muito instruido.", disse à Folha.
                   Na tarde do último sábado, dia dezoito, ele e o colega Roberto Guilhermino, autuaram o desembargador Eduardo Almeida Rocha Prado de Siqueira, com 63 anos, que caminhava sem máscara na orla de Santos, no litoral sul paulista.
                       O ítem de proteção é obrigatório na cidade, por força de decreto municipal. uma medida para conter  o avanço do novo coronavírus . Quem não usa máscara e é flagrado pela Guarda Civil  Municipal recebe multa de cem reais.
                         "Eu já havia abordado e multado outras cinco pessoas antes dele.  Elas ficaram chateadas, mas em nenhum momento me desrespeitaram.", afirma o guarda-civil.
                             Siqueira, porém, não só se recusou a usar o equipamento, como se apresentou como desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, função que exerce desde 2008, e numa tentativa de intimidação ligou para o Sérgio Del Bel Junior, secretário de Segurança Pública de Santos. 
                               "Del Bel, eu estou aqui com um analfabeto, um PM seu aqui, um rapaz. Eu estou andando sem máscara. Só estou eu aqui na faixa de praia. Ele está aqui fazendo uma multa (contra mim)", disse o desembargador ao telefone.   Na conversa, o desembargador insistiu que o decreto municipal não tem força de lei para obrigar os moradores a usarem máscaras. "Eu expliquei de novo, mas eles (guarda civis) não conseguem entender",diz. Ao terminar a ligação Siqueira pegou a multa, rasgou o papel,  jogou-o no chão e saíu caminhando. A abordagem, que foi filmada por Guilhermino, viralizou nas redes sociais. Ele conta que decidiu registrar a abordagem porque já conhecia a fama de Siqueira na cidade.
                       "Eu presenciei ele sendo abordado antes de o decreto  passar a valer. Naquela ocasião era mais uma forma de conscientização, mas ele também não quis usar a máscara", conta o policial.
                         Em outro vídeo que circula pela internet, Siqueira aparece sem máscara, desrespeitando outro grupo de guardas-civis.  As imagens mostram  um dos agentes tentando convencê-lo a usar o ítem de proteção, dizendo que o magistrado é uma pessoa esclarecida. Siqueira concorda e começa a falar em francês  em tom jocoso.
                             Naquele sábado, Cícero viu Siqueira de longe e pediu para o  desembargador colocar a máscara, mas ele fez um sinal com as mãos de que não usaria. Foi aí que os guardas-civis decidiram segui-lo. "Eu nunca pensei que aquela abordagem fosse terminar daquele jeito", ele conta.
                                Quando chegou em casa depois do plantão, o guarda-civil se deparou com a familia preocupada.  Àquela altura, todos já haviam assistido ao vídeo da abordagem que se espalhou pelas redes sociais.
                                  "A preocupação era com os meus filhos, mas fiquei tranquilo quando a minha filha, que tem 15 anos, entendeu que eu fui tratado de forma injusta e não retruquei com a mesma moeda."
                                     Mesmo assim, Cícero só consegue dormir con a ajuda de calmantes, desde então. "Não sai da minha mente aquilo. Ele me chamou de analfabeto, perguntou se eu sabia ler. Quis me intimidar de todas as formas." 
                                        O guarda-civil não vê  a atitude de Siqueira com um ato racista. "Eu sou negro, mas a discriminação dele foi mais por causa do meu cargo. Eu poderia ser um guarda branco, japonês, que ele ainda assim faria aquilo,"  diz.   Nesta segunda, dia 20, a dupla foi homenageada pela prefeitura. "Essa nossa atitude deveria ser a regra e não a exceção.Eu espero que esse fato faça a população ver os guardas civis com outros olhos", disse Cícero,entre lágrimas.
                                             O guarda-civil defende que o desembargador seja punido no rigor da lei - o Tribunal de Justiça e a Corregedoria da CNJ já investigam o caso. Cícero e Guilhermino vão registrar na Polícia Civil um boletim de ocorrência por desacato de autoridade.  "Será mais uma forma de ver cumprir a lei", afirma Guilhermino.




(II)  Outra Visão do Desembargador Eduardo Siqueira.

                                                A desembargadora Maria Lúcia Pizzotti, do Tribunal de Justiça de SP, diz que o desembargador Eduardo Siqueira é uma "figura desprezível."
                                                  A magistrada já processou o colega por injúria e difamação. Quando estava no início da carreira, Siqueira depôs contra ela, tentando impedir que se tornasse juíza com direito à vitaliciedade.  "Ele tinha uma postura bastante desagradável no trato pessoal, e eu fui obrigada a ser firme desde o começo, Eu tive que processá-lo por difama-ção e  injúria", afirma.
                                                     Na época, o seu advogado foi o crimina-lista Alberto Toron.  O magistrado que analisou o caso considerou que testemunha  não pratica ato de injúria ou difamação ao depor. Ela recorreu ao STJ, mas houve decadência da ação. A magistrada diz que muitas coisas já foram toleradas sobre Siqueira. Por isso, ela "aplaude" a instauração de um procedimento contra o desembargador.
                                                        "Ele, em tese, cometeu o crime de desacato, ao destratar o policial e não respeitar a autoridade dele, que cumpria uma regra municipal, de determinar o uso de máscara. Ali ele era um cidadão comum. A autoridade, era o policial", afirma ela.
                                                           "Eu entendo também que, em tese, ele cometeu os crimes de abuso de autoridade, tráfico de influência, ao ligar para o Secretário de Segurança de Santos, e também injúria, porque xingou o policial de analfabeto. E também descumpriu regras ao se negar a usar máscaras e rasgar um papel e jogá-lo no chão, sujando a praia."
                                                            Ela acredita que seria o caso, se ele for  processado e condenado criminalmente, de perder o cargo. "Depois de tantos ilícitos, é o mínimo que se espera. Afinal, a sociedade quer que uma pessoa que comete tantas ilegalidades siga julgando os cidadãos?"
                                                            A coluna enviou uma mensagem à assessoria do Tribunal de Justiça de São Paulo pedindo para ouvir  Eduardo Siqueira sobre as acusações feitas pela Desembargadora, mas não obteve resposta.                                                                                                                           
  ( Fonte: Folha de S. Paulo, pág. B8 "Ofensa de  Desembargador não sai da mente, diz Guarda de Santos)                                                              

Nenhum comentário: