sábado, 25 de julho de 2020

O 'Ministério da Saúde' não está nem aí ?


          

     O ministério da Saúde - atualmente entregue a militares - tem recebido alertas desde maio do corrente ano sobre a falta de medicamentos essenciais para tratamento da Covid-19 na UTI, como sedativos e analgésicos usa- dos na intubação de pacientes graves.
      Estranhamente, a referida pasta só aceitou participar da compra desses fármacos, com Estados e municípios, mas de um mês depois dos alertas, mas o cenário atual ainda é de desabastecimento.
       Em paralelo, o Governo Federal priorizou a distribuição da cloroquina, droga sem qualquer eficácia comprovada contra a dita Covid-19, a ponto de não saber o que fazer com milhões de comprimidos estocados de hidroxicloroquina e da citada cloroquina.
        Os registros de avisos ao Ministério da Saúde sobre desabastecimento de medicamentos para pacientes graves e sobras de cloroquina foram  feitos à Saúde por membros do Centro de Operações de Emergência (COE), de maio a julho, conforme atas de reuniões obtidas pelo Estado de s. Paulo.
          Mais de quatro milhões de comprimidos de cloroquina e hidroxicloroquina estavam estocados no Ministério, e outros 4,37 milhões haviam si-do distribuídos até três de julho, segundo documento do comitê. A ata ainda informa que todos os municípios tinham cloroquina e a pasta estava "aguardando maiores definições" para recolher ou não cerca de 1,45 milhão de doses que os governadores queriam devolver. Procurado, o Ministério da Saúde (sob chefia nominal de oficiais do Exército) não informou à re-portagem de o Estado de S.Paulo que estados eventualmente recusaram a cloroquina enviada. O órgão também não confirmou o estoque atual.
             O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais  de Saúde (Conasens) disseram não reunir dados sobre devolução da cloroquina.A resposta caberia à cada Estado ou município. Sobre a distribuição do medicamento pelo Ministério da Saúde,  o Conass afirma que "não há racionalidade em defender o uso de tal produto dentro de uma política pública de medicamento,muita menos de forma precoce."
            Enquanto a cloroquina era priorizada pelo Governo, a situação em 3 de julho era outra para fármacos usados nas UTIs.  Na reunião a portas fechadas,  o comitê alertou que houve um "estouro de preços devido à alta procura" e o Ministério da Saúde ainda corria atrás de compras no Brasil e no exterior, e de requisição de estoques da indústria farmacêutica. Na reunião, representantes de Estados e municípios afirmaram  ter remédios para mais dois a seis dias.
               Segundo gestores do SUS que participam de discussões do Ministério da Saúde, os primeiros alertas sobre o desabastecimento de medicamentos contra a Covid-19 foram feitos em maio.  A versão é confirmada pela ata do COE do dia catorze daquele mês, que registra apenas "desabastecimento de medicamentos utilizados na UTI", como um ponto discutido. O acordo para o Governo federal participar de compras de sedativos só  foi feito mais de um mês depois, em dezessete de junho, em processo que teve o aval  do gabinete da Procuradoria Geral da República.
                 Na reunião de 29 de maio, membros do COE mostraram-se preocupados sobre o desabastecimento de insumos e medicamentos. A ata da reunião daquele dia registra orientação para a Anvisa realizar levantamento dos "possíveis problemas"  e alerta:  "Importante : não fazer divulgação dos dados".  O documento ainda aponta risco de falta de 267 "insumos", sem detalhar de que tipo, sendo que 88 "tem sua base principal com origem na Índia".
                   Professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e primeiro presidente da Anvisa, o médico Gonzalo Vecina afirma que é "inexplicável" ter cloroquina e desabastecimento de medicamentos essenciais para as UTIs. "A política de compra, de garantia do estoque regulador, ou mesmo de tentar importar produto, é do Governo Federal", afirma ele.  "E não divulgar dados que são do interesse da sociedade? Isso não é republicano. O mundo jurídico tem de se manifestar", completa o profissional médico..
                     Temas de diversos registros de reuniões do COE e bandeira do governo Bolsonaro a produção de cloroquina suscitou inquietudes em expertos da Saúde.  Em 25 de maio, a ata da reunião do comitê registrou intenção de trazer três toneladas de insumos para fabricação do medicamento. "Devido à atual situação, não é aconselhável trazer uma quantidade muito grande, pois, caso o protocolo venha a mudar, podemos ficar com um número em estoque parado para prestar contas", ponderaram os técnicos. Naquela data, o governo tinha 1,46 milhão de comprimidos de cloroquina estocados e expectativa de receber mais 1,3 milhão de unidades do Labora-tório do Exército, segundo documentos do comitê.
                            Apesar das ponderações do COE, o Laboratório do Exér-cito produziu  neste ano, por ordem de Bolsonaro, 3 milhões de comprimi-dos - cerca de 1,2 milhão segue estocado. O Ministério da Saúde não explicou à reportagem se o número apresentado em 3 de julho já soma a doação de 3 milhões de unidades de hidroxicloroquina dos Estados Unidos e de laboratórios farmacêuticos ao Brasil. Em dez de junho,o COE mostrou dúvidas entre o que fazer com a carga recebida de Donald Trump, a pedido de Bolsonaro.  Na reunião deste dia, membros do comitê afirmaram que o Laboratório do Exército não tinha condições de preparar (fracionar) a droga para entrega.
                                  Procurado para comentar pontos levantados pelo COE sobre falta de medicamentos e sobras de cloroquina, o Ministério da Saúde afirmou que relatório da Anvisa não mostrou falta de insumo para medicamentos; E a divulgação desses dados cabe à Agência. Também disse que a prescrição de medicamentos fica a cargo do médico.

(Fonte: O Estado de S. Paulo)

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