quarta-feira, 29 de julho de 2020

A Gestão Bolsonaro "passa a boiada"


                
       Como se tem presente, o titular do Meio Ambiente, Ricardo Salles,    defendera na reunião ministerial de 22 de abril, de que o Ministro Celso de Mello determinara a divulgação pública, a aprovação da seguinte diretiva, dentro da abstrusa orientação que a Administração Bolsonaro adota no que concerne ao Meio Ambiente: "Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos neste momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa porque só se fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas."
           Duas "boiadas" que vieram a público e contaram com reações expressivas acabaram suspensas. O governo recuou sobre a decisão que anistiava desmatadores da mata atlântica após manifestação do Ministério Público Federal. A medida alterava um entendimento dado por lei federal sobre o bioma.
            Outra medida suspensa, dessa vez pela Justiça, foi a transferência do poder de concessão de florestas para a Agricultura. A mudança de competência das pastas também está implicada na legislação.
             "O Meio Ambiente e o mais difícil de passar qualquer mudança infralegal em termos de instrução normativa e portaria, porque tudo que a gente faz é pau no Judiciário no dia seguinte", disse Salles naquela reunião ministerial.
                "As boiadas" do governo Bolsonaro estão concentradas em decretos e instruções normativas, segundo análise do Talanoa. Ao mesmo tempo, o governo tem dificuldade de fazer andar no Congresso projetos que podem fragilizar a área ambiental. Considerando apenas esses dispositivos. em 2019 houve duas alterações de normas publicadas entre março e maio, contra 22 neste ano.
                     Os dados se referem a normas publicadas sobre meio ambiente  em todo o Executivo. Entre março e maio deste ano, dos 195 atos sobre meio ambiente, somente 16 vieram do Ministério do Meio Ambiente - que havia publicado apenas dois atos no mesmo período do ano passado.
                       Os líderes na publicação de atos são os ministérios da Economia e da Agricultura: 50 e 46, respectivamente. Em seguida, quase empatado com a pasta de Salles, vêm os atos do Executivo, como os decretos de diversas pastas assinados pela Presidência.
                         No entanto, o alto número de atos não é necessariamente sinônimo de boiada. "Ato infralegal é como o sangue nas veias da administração pública: quer dizer que ele está ativo e tem transparência", explica Natalie Unterstell, coordenadora do projeto Política por Inteiro, do Instituto Talanoa, e mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).
                           Segundo Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama, o fato de atos relacionados a meio ambiente (segundo a metodologia do levantamento) não estarem concentrados na pasta de Salles pode ser uma forma de ver o processo de esvaziamento pelo qual  passa o ministério desde o início do Governo Bolsonaro.
                               Além disso, o menor número geral de atos em 2019 pode estar relacionado à transição de governo, segundo Araújo. Nos primeiros meses sob Bolsonaro, as esferas dos ministérios foram bastante alteradas, o que, naquele momento, poderia ter limitado o volume de publicações.
                                  Raoni Rajão, pesquisador da UFMG, diz que, fora do número global de atos, 2019 também teve ações de desregulação, como o número de conciliação de multas, que, na prática, acabou por tornar mais lento o processo de cobrança das multas.
                                   "Também significa que o governo está ganhando poder sobre a máquina. No ano passado, as decisões foram concentradas em menos atos. Agora, é outro padrão, com muitos atos. Eles facilitam para que a boiada passe despercebida", avalia Unterstell. No entanto, a análise do Instituto Talanoa mostra concentração de atos considerados "boiadas", ou seja, de maior impacto, na pasta ambiental apesar do baixo número total.
                                        "Enquanto Minas e Energia tem criado e rearranja-do estruturas e a Agricultura tem publicado reconhecimentos, alvarás e atos ordinários, os atos do Meio Ambiente mudam entendimento de legislações, trazendo instabilidade e insegurança jurídica" analisa Unterstell. O levantamento da Folha e do Talanoa foi feito por meio de extrações de dispositivos publicados no D.O. que continham palavras-chave selecionadas. Para o tema meio ambiente, foram consideradas palavras como 'extrativismo', 'biodegradável' e 'carga poluidora'.
                                       A metodologia  permite analisar temas mais restritos, como os relacionados apenas às florestas (normas que continham termos como 'desmatamento', "arco de fogo" e "área de preservação perma- nente"). Nesse assunto, o número de atos foi de 93 para 213, entre março de maio de 2019 e de  2020.
                                        Folha e Talanoa passam a fazer acompanhamento sistemático das publicações do Diário Oficial em relação ao meio ambiente - um monitor interativo será publicado nas próximas semanas, que ficará disponível para os leitores fazerem suas próprias pesquisas.
                              Encontradas as normas por meio de palavras-chave, uma lista de termos faz com que algumas das normas sejam retiradas da análise, por serem relacionadas a outros temas (se a norma contém, v.g., a expressão 'sustentabilidade financeira", ela é retirada da análise, por não estar ligada a meio ambiente).
                                 O Ministério do Meio Ambiente respondeu que não vai comentar, pois o entendimento da pasta desde a divulgação da reunião ministerial "continua o mesmo". À Folha Salles havia dito que, por "boiada" referia-se à atualização de normas de todos os ministérios.
                                  Em nota, o Ministério da Agricultura e Pecuária respondeu que a Pasta não identifica aumento de publicação de normas em relação ao ano passado e que elas não configuram flexibilização ou algo do tipo. "Com a reestruturação, o ministério passa a ter um papel importante no processo de desenvolvimento de uma agricultura sustentável, eficiente, e inclusiva".

(Assinam a análise acima Ana Carolina Amaral, Phillipe Watanabe, Diana Yukari e Morais Meneghini ).  
                             

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