sábado, 25 de abril de 2015

O Genocídio dos Armênios

                                     

       Há datas que se festejam e outras que se assinalam. Em 1915, o Império Otomano iniciou, segundo muitos, sistemático trucidamento da população armênia. Pensando no exemplo moderno de genocídio – a matança da etnia tutsi pela liderança hutu em Ruanda – o trauma dessa loucura pode ser vivido nos seus múltiplos exemplos de mortífera insânia, por mais difícil que se imaginar possa este domínio de èÜíáôïò  sobre æùÞ[1] - em que tal fenômeno explode de forma desorganizada, porém geral, o ódio da etnia hutu voltando-se contra os tutsi, supostamente favorecidos. Esse massacre contemporâneo, manchado por cumplicidades e uma série de omissões de autoridades internacionais e países, tem sido objeto de estudos e esforços no sentido de colocar defesas na consciência governamental das eventuais fraquezas que conduziram à desgraça coletiva.

      Por sua vez, o genocídio armênio continua sendo contestado pelo negativismo do atual Estado turco, que se recusa a admitir-lhe a ocorrência. O então Império Otomano estava na fase derradeira de seu processo tricentenário de dissolução. Depois de derrubar o Império Bizantino, na data que marca o fim da Idade Média, e o início da época moderna, com a queda de Constantinopla em 1453, sob o último dos Paleologos, os turcos  se tornaram  a ameaça para o Ocidente, ameaça esta que a batalha naval de Lepanto, de que até Miguel de Cervantes[2] participara, marcaria o começo do fim de sua expansão.

       Além da própria existência, os armênios também sofreram o confisco de suas terras. As tentativas modernas de reavê-las se chocam contra o muro dos cartórios turcos.

       Até mesmo a argumentação turca contra o genocídio do milhão e meio de armênios claudica no número atribuído pelo governo de Ancara. Ao invés desse milhão e meio, o número de armênios mortos seria apenas de trezentos mil. Ora, reconhecer um quinto do total de vítimas nessa ordem de grandeza parece, para bom entendedor, a admissão de grande mortandade que não chegaria, entretanto, a atingir o coeficiente de genocídio...

         Ainda no século XX, no começo dos anos oitenta, uma facção armênia apelou para o terrorismo seletivo, atingindo a representantes do Estado turco, em especial diplomatas. Alguns deles foram assassinados, outros feridos gravemente, gerando tensão nas representações turcas.

          Na época, as recepções que promoviam – as embaixadas costumam realizar coquetéis nas suas datas nacionais – tinham uma característica adicional. Poderia haver atentados, e por isso o comparecimento pecava por muitas – e compreensivas – ausências. Houve até chefe de missão que foi contrariado com altaneria por secretário a quem buscara impingir como seu representante em evento programado para a missão turca...
          Anedotas à parte, existia, no entanto, real ameaça aos embaixadores e secretários da Turquia no estrangeiro. Era o longo braço dos sacrificados pelo genocídio.
         
          Entrementes, cresce, com o decurso dos anos, a conscientização mundial no que tange à aceitação oficial pelos países deste magnicídio.  Muitos pormenores sombrios do sacrifício imposto pela histeria do povo turco que se sentia embarcado na nave errada na Grande Guerra estão vindo à tona, inclusive as centenas de milhares de armênios que morreram de fome e sede, forçados a marcharem no deserto.

           Se a população turca atual   ainda não acredita na veracidade do genocídio dos armênios (91% negam), o processo internacional se tem acelerado nos últimos anos, e a política intimidatória dos regimes turcos, e em especial de Recip Erdogan já não mais está impedindo países de peso no cenário internacional de aceitarem a realidade do genocídio. Com Obama na presidência, Washington continuará a seguir a linha turca, mas há numerosos outros países de relevo, como a França e a Alemanha a reconhecerem agora o genocídio.

           Nesse contexto, o Papa Francisco, que não se tem negado tantas vezes a cortar o nó Górdio da contemporização, recentemente reconheceu também o fato histórico  como “o primeiro genocídio do século vinte”, o que levou o irado Recip Erdogan a chamar o respectivo embaixador junto à Santa Sé.

           Mas os países que, como carneiros, continuam a seguir a linha de Âncara vão diminuindo, porque uma grande mentira como essa, mesmo se concerne a pequeno país, não pode sustentar-se a longo prazo, por mais ameaças que faça a Turquia.

           Não é difícil de prever que o Itamaraty, com a baixíssima prioridade que a regente Dilma Rousseff ora lhe concede, continuará na sua lamentável posição na rabeira dos Estados que continuem obedecendo os ditames de Erdogan. Como em muitos outros aspectos de resto, com a dílmica mediocridade caíndo de rijo sobre a antiga e respeitada diplomacia brasileira.

 

( Fonte: CNN )




[1] Morte sobre a Vida
[2] O autor da obra prima da literatura espanhola, D. Quijote de la Mancha, aí não teria sorte. Foi preso por um aliado dos turcos, e acabou como refém em Argel, la blanche, de onde muito custou a sair para  glória sua e da Humanidade.

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