terça-feira, 15 de abril de 2014

Quantas divisões tem a Ucrânia ?


            Quantas divisões tem a Ucrânia? [1]

 
          Coisas muito estranhas estão acontecendo na Ucrânia oriental. Os bandos pró-Rússia aparecem em todo lugar daquela vasta parte do país em que o russo é, na prática, a língua franca.
           Mas não é só isso. São aguerridos e, se porventura expulsos das sedes regionais, voltam revigorados, envergando macacões e uniformes que, malgrado descaracterizados, apresentam  interessantes semelhanças com aqueles empregados na invasão da península da Crimeia.           

           A sua coordenação é igualmente louvável. Esses súbitos patriotas russos vem concentrando as respectivas operações na área de Donetsk, que é um polo industrial no leste ucraniano. Assim, os comandos da autodenominada ‘República Popular de Donetsk’ mostram o seu sentido geoestratégico e geopolítico, o que, se nos ativermos à hipótese de movimento espontâneo, semelha realmente digno de profusos elogios.
           Agora eles dominam, além do edifício da sede regional de Donetsk – de que os assim chamados ativistas pró-Rússia se apoderaram no domingo – meticulosos como se têm mostrado, igualmente invadiram e se apossaram da sede regional do Ministério do Interior.

            Os secessionistas igualmente investiram e dominaram – a falta de resistência, com uma ou outra exceção, constitui a regra de parte dos funcionários ucranianos – três delegacias em cidades dessa região oriental : Krasni Liman, Druzhkovka e Slaviansk.
            É de notar-se, outrossim, que são singularizados os órgãos estatais de segurança. As armas dessas repartições são distribuídas entre os supostos voluntários, ou mantidas em depósitos, sob o controle dos grupos pró-russos.

              generosa cobertura da mídia russa, em que se relata a ação dos ‘voluntários’, e se busca passar a imagem de desagregação do poder central de Kiev sobre esses distritos.
            Quanto à reação  do governo ucraniano, ela se afigura por ora desencontrada e pouco eficaz. Ainda que observadores - que devem saber o que dizem - discordem de que exista na população da Ucrânia oriental um alegado frenesi patriótico e pró-Rússia que explicaria o surgimento dos grupos de voluntários, o problema é que tais associações de delinquentes patriotas (de um país que não existe e que nunca deverá existir) não param de formar-se e de tomar de assalto os símbolos da administração central ucraniana.

            Como na velha anedota do português, se tais bandos – com uniformes descaracterizados e surpreendente orientação tático-operacional – não param de constituir-se, surge a necessidade imperiosa de saber quem os arma (e os veste), além de orientá-los aonde devam extravasar o respectivo ardor pró-Russia.
            Diante desse claro enigma, a atitude de Kiev surpreende pela ineficácia e descoordenação. Além de limitar-se a reações administrativas que pouco ou nada significam face aos brutais métodos operacionais que fazem parte da estratégia imperialista do Kremlin, por outro lado o governo central toma outras medidas que são acabrunhantes e até patéticas pela sua indigência tática.

         Falando dessas últimas, de início, a Ucrânia pleiteia das Nações Unidas o envio de contingentes de forças operacionais de manutenção da paz. Seria a primeira vez que as operações de paz da ONU teriam mandato que é de difícil, senão impossível, implementação. Com a desagregação do poder estatal de Kiev na região oriental, a quem o comandante eventual das forças supranacionais deveria reprimir ? O caráter inapropriado dessa solicitação revela a atarantada perplexidade do governo central. Por outro lado, sucedem-se decisões que refletem a desorganização desse poder. Assim, as agências anunciam que o presidente interino da Ucrânia, Oleksander Turchinov destituíu o chefe do Serviço de Segurança da Ucrânia para a região de Donetsk, Valeri Ivanov.
         Em parágrafos acima, já se descreveu a metódica tomada pelos voluntários pro-Rússia – ou poderíamos chamá-los Voluntários de Putin – de vários centros localizados em Donetsk.

         Por isso, a impressão que se tem é que o governo de Kiev se descobre impotente para lidar com essa revolta propositalmente fragmentária. Dá a impressão de um estado-maior sem tropas, que multiplica instâncias em que se evidencia a respectiva incapacidade diante da crise, que é sem dúvida artificial, mas se apresenta com superior organização, nessa portentosa campanha, planejada e manipulada pelos serviços de Vladimir Putin, com objetivos por ora pontuais, mas que delineiam a estratégia de poder imperial: pilhar as sedes regionais, desmoralizar os seus defensores e apossar-se com a possível rapidez de vastas áreas da antiga Ucrânia oriental.
           Que se assista hoje este tipo de operação, com que estariam confortáveis os poderes imperialistas do passado, não promete boas notas para o século XXI. Entrementes, a potência regional[2]  da Federação Russa age como se nada fosse, sob a batuta de um novo Duce, gospodin Vladimir Putin. E se lograr tudo o que cobiça, estará desmoralizando a muita gente, além de anunciar enorme e inquietante retrocesso nas relações internacionais.

 

( Fontes:  Folha de S. Paulo;   The New York Times )




[1] Paráfrase da famosa frase de Stalin – quantas divisões tem o Papa?.
[2] Segundo a denominou o Presidente Obama.

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