sábado, 12 de abril de 2014

De cidadão para a Presidente

                                    

          Para o observador da cena política brasileira, Dilma há de constituir um enigma. Nesses tempos que atravessamos, no entanto, em que a insatisfação é grande, os escândalos são muitos, e a desconfiança nos governantes grassa com mais desenvoltura do que as queimadas no restolho da colheita, a perplexidade será nossa companheira, quer se queira ou não.
          Assim, o cidadão não se contenta com meros substantivos jogados ao vento. Enigma, mas de que tipo? Um claro enigma, como nos fala o poeta? Um perigoso enigma, como o da esfinge? Ou apenas um enigma, que nos deixa irritados e confusos?

          Estamos em ano de eleição. Avançamos no mês de abril, mês dedicado às contas com a tributação. A cada ano, nos invade a sensação de que pagamos mais, para receber um retorno sempre menor, em termos de segurança, saúde, saneamento básico, e um vastíssimo etcetera. Washington Luiz, longínquo antecessor da Presidenta, proclamara que governar é construir estradas. Naqueles tempos do atraso, no ciclo da monocultura cafeeira, parecia muito e caía melhor para quem não as tinha, e carecia dos navios do Lloyd e da Costeira para o transporte de pessoas e mercadorias.
         Brasileiro e brasileira, gente comum ou não, o senhor e a senhora estão contentes com o presente governo?

         A mim me inquieta a imagem de Dilma Rousseff que vejo na tevê e leio nos jornais. Pois nesses dias tumultuados, a imagem pode tanto vir em foto de jornal, ou  tomada de noticiário televisivo, ou até numa declaração feita a esmo pela governante.

          Devo reconhecer que, em termos visuais, já a vi com aspecto mais saudável, loução, alegre mesmo. Perseguida e, por vezes, encurralada por problemas mil, a fisionomia de Dilma passa sensação de infindo cansaço, com tudo isso que a espera implacável em cada encruzilhada desses imensos brasis.
          Mais do que cansada, extenuada, acossada por queixas, queixumes, disfunções e escândalos. Ao sentar-se, o suor na face, a fadiga no olhar, ela parece a viajante esperada com um misto de impaciência, ainda que moderada pelo respeito devido, que será cobrada por questões de todo gênero, algumas de sua responsabilidade, outras, não.

          Vejo estressada a minha presidente, e embora não a tenha sufragado em 2010, já evidenciei em alguns blogs a disposição de apoiá-la, se me desse razão para tanto.   
           Infelizmente, devo confessar que tais oportunidades foram raras. Herdeira de  tempos de relativa fartura, a ela coube muita vez arrostar os rigores do inverno. Desses, nem todos lhe são estranhos, mas, por certo, não os criou todos.

          Em termos de passos falsos – e a inexperiência é um cartão de utilidade reduzida, porque a paciência do cidadão tem pavio curto – talvez o mais gravoso haja sido brincar com a inflação. Neopetista, a senhora poderia ter aceito de peito aberto o Plano Real, que transcendeu a cartilha política. Tal o mostrou Lula da Silva, ao respeitá-lo, na letra e no espírito, pelo menos no primeiro mandato. A senhora pensou que podia lidar com o dragão com as armas da retórica, e se viu no que deu. Depois de retirá-la do frasco, fica difícil convencê-la – com toda essa sopa de índices – a nele retornar. Tampouco é sério combater a carestia, em se convidando para almoço Delfim Netto e Gonzaga Belluzzo. Enquanto se pensar que o Plano Real é coisa de FHC e do PSDB, estamos mal. Porque debelar a inflação foi conquista do Povo brasileiro, e para quem a viveu – por falar nisso a senhora viveu esses anos difíceis na terra de Santa Cruz, não ? – é experiência desagradável e mortificante agir de forma a trazê-la de volta.  Nesse sentido, basta de manobrinhas por baixo do pano para debilitar a Lei da Responsabilidade Fiscal. Custou deveras aprová-la – o seu partido chegou a questioná-la no Supremo – para que agora a abandonemos às feras do período pré-eleitoral, aquele de muitas falsas benesses, que o pós-eleição cuidará de desmentir.
           Peço-lhe também que mande Guido Mantega e seus assessores desfazer-se de toda a contabilidade dita criativa que a ninguém engana, e só contribui para jogar a peçonha da desconfiança em nossas contas, com os resultados que a senhora bem conhece.

           Esta deveria ser curta, mas não grossa. Prometo-lhe, por conseguinte, que levantarei apenas mais um tópico, que creio valha a pena referir.
           As obras de infraestrutura para a Copa do Mundo – sobretudo os terminais dos aeroportos – registram atrasos que, em muitos casos, além de preocupantes,  são vergonhosos. Estão muito atrasados os trabalhos para os terminais em Fortaleza, Porto Alegre, Brasília e Rio de Janeiro. O Ministro Moreira Franco já aventou a possibilidade de ‘provisórios’ – ‘puxadinhos’ para vários aeroportos – o que é lamentável. Quem vê e utiliza os novos terminais do aeroporto Charles de Gaulle em Paris, e os compara com os ‘armazéns’ de Galeão e quejandos, sente imenso desconforto e há de perguntar se o nível de nossos terminais, cotejado com os aeroportos de Europa e Estados Unidos, é digno do Brasil e de seu Povo.

          Nesse ponto, a senhora na entrevista em Porto Alegre disse que “rigorosamente falando as obras atendem a Copa, mas elas não são para a Copa. Elas são para o povo deste país.” Em nações que acolheram Copa e Olimpíadas, nunca escapou dos Estados respectivos o destino final das melhorias, mas se eles serviram-se do compromisso assumido como oportunidade de o país ter renovados os terminais, que, uma vez terminado o certâmen, lá ficariam para servir com dignidade a população nacional. Dizendo que as obras são para o povo deste país, a senhora dá a impressão de aceitar obras concluídas de afogadilho, dentro do padrão Infraero. Isso é deplorável porque dessa forma a senhora dá a impressão de que todos esses puxadinhos e terminais de lona podem servir. 
         Por mais modesta que seja uma pessoa, quando recebe  visita, faz questão de dar-lhe o melhor tratamento. O que queremos mostrar, Presidente Dilma, com terminais antiquados, sujos, e sobretudo inadequados para os modernos viajantes ? Que nos orgulha a precariedade do Terceiro Mundo?

 

(Fontes: O Globo, Rede Globo)

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