domingo, 27 de abril de 2014

Colcha de Retalhos B 16

                       

Fraqueza ocidental estimula Rússia

 

          Foi necessário que separatistas do leste ucraniano sequestrassem treze observadores da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa - OSCE para que o G-7 afinal reagisse. Segundo a Ministra da Defesa da Alemanha, Ursula von der Leyen, os treze monitores incluem três militares alemães, e um tradutor do alemão.
          Até o momento, fiados nas tíbias reações de Bruxelas e dos países europeus, os rebeldes do Leste – que são criaturas com existência fundada no apoio logístico e nas diretivas do projeto russo de apoderar-se de províncias orientais na Ucrânia – ousaram capturar os monitores, a despeito do propósito pacífico de sua missão.

           O sequestro desses observadores – que muito provavelmente teve o ‘placet’ da Rússia – mostra até que ponto os capangas separatistas (e até a reação de Bruxelas)  e seus mandantes russos se julgam em condições de realizar.
           Sob a ameaça de imposição de novas sanções – para variar, com efeitos mais danosos sobre a economia russa – Moscou prometeu que ‘envidará esforços’ no sentido de liberar os observadores.

            A resposta do Ocidente – a começar pela de Obama – à anexação ilegal da Ucrânia se pautou pela moderação e, mesmo, pela tibieza. Não causa assombro, por conseguinte, que Vladimir Putin haja passado à fase dois de seu projeto imperial.  Com efeito,  a concentração de quarenta mil homens na fronteira da região oriental é na visão do imperialista Putin a sequência natural do corrente processo de acosso a um país soberano.

            Uma vez mutilado da península da Criméia, como um rebanho de gado de corte entra em outro corredor polonês, sob as ameaças e as invasões de sedes de administração regional, tudo debaixo da coordenação de agentes russos infiltrados, além das tropas de assalto (sturm truppen)[1] com os já conhecidos uniformes descaracterizados que se apoderaram das débeis bases armadas da república ucraniana naquela península. Como se voltássemos ao tempo da barbárie, o saqueio também foi a regra nesta fase ‘B’ da conquista da Ucrânia.

            Como é notório, Putin considera o Presidente estadunidense, Barack Obama, um fraco. Esse juízo se formou notadamente pelas hesitações de Obama no que tange à Bashar al-Assad. Uma das regras cardeais nos processos de confrontação é que ameaças não devem ser feitas em vão. Nada desmoraliza mais uma autoridade do que fazer ameaça  que não tenha a intenção de levar a cabo, se porventura desrespeitada. Ao vacilar no capítulo – a famosa linha vermelha que não deveria ser cruzada no emprego de armas químicas – o presidente americano teve de valer-se dos bons ofícios de Putin. Dever favores a um tal personagem não é postura recomendável.    

             Entende-se, por conseguinte, porque  o fanfarrão (bully) do Kremlin não tenha muito respeito pelo seu homólogo americano. É matéria discutível que gospodin Vladimir Putin possa ser induzido a mudar de curso por força de ameaça do presidente americano.  No episódio da Ossétia do Sul,  Putin escarneceu do antecessor  George W. Bush, que teve ao final de engolir o seu tratamento da Georgia.

              A Ucrânia está em outra ordem de grandeza. Um seu eventual despedaçamento seria acontecimento gravíssimo, e ficaria ainda mais grave (e com mais sombrias consequências ulteriores) se o autocrata Putin aumentasse na marra o território da Federação Russa com mais uma anexação ilegal (como o seria a invasão – que está nos seus pródromos – da larga faixa oriental ucraniana, de fala russa na sua maioria, mas não totalidade).

             Tanto Moscou, quanto Washington dispõem de arsenal com armas que são, em princípio, inutilizáveis, pelas consequências que acarretariam. Daí o processo de desarmamento mútuo a que, no passado, se empenharam. Pelas implicações do uso dessas armas, a redução dos arsenais e a implementação de um desarmamento tão abrangente quanto possível não se realiza pelos belos olhos do adversário, mas em estrita obediência ao próprio interesse racional.

             Isto posto, as eventuais represálias por ações julgadas inaceitáveis entram na esfera de operações militares convencionais e, com maior probabilidade, no campo da aplicação de sanções financeiras e econômicas.

             A superpotência dispõe de poder econômico-financeiro muito superior ao de Moscou. Em termos esportivos, não estariam na mesma divisão.

             Se Putin continuar a querer aplicar a sua ideologia eurasiana à vizinha Ucrânia – o que envolveria gravosas perdas demográficas e de recursos para Kiev – soará a hora de fazê-lo recuar do projeto de conquista. Seria o momento apropriado para aplicar as sanções sobre a economia russa – em especial, a matriz energética – para que, se não deseja sofrer as consequências econômico-financeiras da projetada volta ao tempo dos mongóis, Vladimir Putin tivesse um estalo de Vieira e acedesse às propostas de restabelecer o statu quo anterior.

              Não é admissível – nem lógico – que o mundo assista a um poder regional  se arrogar a invasão e a conquista de país vizinho, somente pela mera razão de que se dá na telha de Vladimir Putin. 

 
Inflação Venezuelana

 
            A Venezuela de Nicolás Maduro mantém o discutível troféu de ter o mais alto índice de inflação na América Latina:  59,3% nos últimos doze meses. Segundo o relatório do Banco Central da Venezuela (BCV) – que se encarrega da aferição do índice – a alta no índice (4,1% em março)  se deveria aos protestos e piquetes contra o governo (que perduram há mais de dois meses). Por alegadamente afetaram a produtividade e a distribuição dos produtos no território nacional, as multidões da oposição seriam fatores inflacionários...

              O desabastecimento na Venezuela prevalece desde os tempos de Hugo Chávez Frias, mas tanto a carestia, quanto a falta de gêneros e artigos de primeira necessidade só  tem aumentado. Para combater esse inimigo invisível, o caminhoneiro Maduro  apelou inclusive para os fusis, mas se ignora se os dedicados agentes e milicianos chavistas tiveram algum êxito nesta campanha.

             Para que se tenha pálida idéia do desabastecimento, nas prateleiras vazias dos supermercados falta, por exemplo, leite, café e açúcar, e de outra parte, sabonetes, papel higiênico e desodorantes.

             À cata de bichos papões e de secretas campanhas contra a economia nacional, os órgãos chavistas – e a homogeneização nesse campo reflete inegável êxito, pois o chavismo inclui a Justiça e a Procuradoria Estatal – afirmam (por meio do BCV) que as ditas manifestações (da oposição) constituem “uma nova onda concreta de guerra econômica” contra o governo do presidente Nicolás Maduro.

             Forçoso seria reconhecer o caráter inovador dessas novas influências sobre a Ciência Econômica (a ciência sombria – dismal Science) de Schumpeter e tantos economistas de nomeada, que agora – como a Europa tantas vezes fez em relação ao Brasil – deverão curvar-se (possivelmente nas suas tumbas e através de seus discípulos) e tomaram conhecimento desse novo e importante fator no campo da teoria econômica...

 
Dilma e as Vaias

 
            Em pleno inferno astral – decorrência da extensa incompreensão popular das boas intenções da governante Dilma Rousseff – a nossa Presidenta foi de novo vaiada em Belém do Pará, ao ensejo de um evento de entrega de máquinas a prefeitos.

            Já no início do discurso, a presidenta foi interrompida por manifestantes aos gritos de “não vai ter Copa”, e queremos mais dinheiro para saúde e educação.”

            Os estádios padrão-FIFA – que a respeito deles faz todo tipo de exigência (inclusive com ameaças de ponta-pés no traseiro, oportunamente apresentadas pelo cartola Jérome Valcke), mas, a par de colher polpudos dólares (também aceitam reais) os subordinados do presidente Joseph Blatter, sucessor de Havelange, só contribuem para aumentar o preço a ser pago pelo Brasil, por causa das inúmeras benfeitorias exigidas por esses zelosas cartolas.

           Outro dia, em um evento nacional, o senhor Gilberto Carvalho discursou emoldurado por uma faixa contrária à Copa do Mundo no Brasil.

            É realmente um momento difícil para a Presidenta – e seus diligentes assessores – pela incompreensão do povo brasileiro com as pirâmides, desculpe os estádios da Copa, espalhados por todo o Brasil por determinação de Lula da Silva.

           Ela desafortunadamente não tem como Catarina a Grande a acompanhá-la na sua tournée por esses Brasis com estádios magníficos o Príncipe Potemkin. Ao contrário das chamadas vilas Potemkin – encenações para a soberana de uma ficção – os estádios existem de verdade, consumiram muitas verbas públicas, embora seja discutível a sua serventia se comparados com outras obras públicas...

 
Papa Francisco canoniza João XXIII e João Paulo II

 
              A cerimônia de canonização de dois Papas foi uma das maiores em público dos tempos modernos. Trezentas mil pessoas na Praça São Pedro e até na via della Conciliazione, a grande avenida que conecta com o Lungotevere o Estado Vaticano. Estima-se que quinhentas mil pessoas acompanharam nas ruas de Roma, a Cidade Eterna, o grande evento.

             Dada a sua relevância e a diversa mensagem transmitida pelos dois Pontífices, seria de estranhar que não houvesse comentários sobre o significado da elevação dos dois novos santos da Igreja.

              Não é segredo que pela sua postura e respectiva posição, Papa Francisco está muito mais próximo de Papa Roncalli, o Papa Bom, que surpreendeu ao mundo com a sua eleição – a primeira interpretação é que seria um Pontifice de transição, dada a idade avançada. Nascido na vila de Sotto il Monte, em casebre de camponeses, na tarda manhã de 25 de novembro de 1881, e elevado à Sé de Pedro a 28 de outubro de 1958, logo faria setenta e sete anos. Para muitos vaticanistas, o conclave elegera um velhinho que prepararia a Igreja para a vinda de outro Papa, mais jovem. Após o longo pontificado de Pio XII, e as celeumas provocadas, a Igreja necessitaria de um intervalo, que a preparasse para novo e enérgico Sucessor de Pedro.

               Todos sabemos que não foi assim. É interessante como se escreve a História. O desígnio de certas ações pode escapar por inteiro aos que as urdiram, como os quase cinco anos do pontificado joanino o demonstraram. Escolheram um ancião, um Papa de transição – que em português se traduziria melhor por interino – e não é que este senhor, logo depois de canonicamente aceitar o encargo, perguntado que nome escolheria, responderia  João.  

              Nesse instante, soou a primeira campaínha: João, o apóstolo das gentes ? Desde a Idade Média, 7 de agosto de 1316, princípios do século XIV portanto, que esse nome não fora assumido por nenhum pontífice. Esse primeiro toque terá inquietado algum prelado conservador, mas em meio ao entusiasmo geral com o bom e simpático velhinho, tal indício de comprometimento maior do que o de um mero Papa de transizione passaria desapercebido.

               Em breve, no entanto, João XXIII mostraria ao que veio. Depois dos fatos, é fácil um desígnio. Como o atual, pela sua humildade e imensa simpatia, o novo Pontífice, ao invés de uma hierática sombra, começou a surpreender o mundo. Primeiro, a  Cidade Eterna, que é compreensivelmente cética diante dos Santos Pontífices. No entanto, a sua imprevista visita à Prisão de Rebibbia indicaria que o Bispo de Roma não se considerava prisioneiro dos muros vaticanos, e estendia a sua mão aos infelizes da Terra.

                Não pretendo aqui esboçar uma biografia do Papa Bom, mas apenas mostrar o porquê de se haver tornado o maior pontífice do Século XX, em menos de um lustro. Já em janeiro do ano seguinte (1959) reservava uma senhora surpresa para o colégio de cardeais e a Igreja. Na basílica de São Paulo fuori mura (fora dos muros romanos), perante escassos dezenove cardeais, anunciaria o Concílio !

               Deus não lhe deu a saúde necessária para levar a termo as sessões do Concílio. Mas na sua oração introdutória para os bispos reunidos na basílica vaticana, traçou os grandes objetivos do cometimento, com a abertura da Igreja aos tempos modernos e a indicação de uma nova época em que as condenações não mais constituíam a ênfase da Igreja Católica. O Papa formulou esta nova orientação de forma inequívoca no seu solene discurso de abertura do Concílio: “Sempre a Igreja se opôs aos erros; muita vez os condenou com a máxima severidade. Sem embargo, agora a Esposa de Cristo prefere usar o remédio da misericórdia, ao invés daquele da severidade. Ela considera de vir ao encontro das necessidades de hoje mostrando a validade de sua doutrina, ao invés de reiterar condenações.”

                  Não é aqui o espaço para uma ulterior relação das grandes realizações do Papa do Concílio.
                   Morreria em aura de santidade – uma morte pentecostal, como a definiria um prelado – a três de junho de 1963.

                   A sua grandeza espiritual e imensa bondade se refletiriam na participação mundial e ecumênica de sua agonia e morte. Não se fala de cerimônias protocolares, em que o fasto e a pompa por vezes substituem o conteúdo e a eventual relevância.

                   Os bispos conciliares haviam pensado proclamar, ao cabo do Concílio Vaticano II, a santidade de João XXIII. No entanto, não era esta a idéia de seu sucessor, o intelectual Paulo VI, que desde cedo parecera predestinado à Sé de Pedro (ao contrário de seu antecessor, a que muitos tinham desmerecido). Papa Montini seria  personalidade torturada pela dúvida, quase um personagem hamletiano. Diante da grandeza de seu antecessor – de que o secretário, dom Loris Capovilla, foi um ardente difusor e defensor, com uma série de obras a que movia o desígnio de alcançar a beatificação do Papa do Concilio - se quedava o silêncio da hierarquia e a falta de qualquer avanço na sua causa. 

                   Sucedeu-lhe o Papa do sorriso, João Paulo I. Não tenho dúvida de que Papa Luciani beatificaria a Papa Roncalli, mas a estranha brevidade de seu pontificado (pouco mais de trinta dias), não lhe ensejou o tempo necessário.

                   Veio em seguida o papa polonês, João Paulo II. Ao contrário das indecisões de Papa Montini, Papa Wojtyla era movido por certezas. Figura carismática, não pretendo aqui acrescentar aos numerosos elogios que recebe e receberá ao ensejo de sua rápida canonização. Não posso, no entanto, silenciar acerca de sua atitude sobranceira e generosa, ao reconhecer a beatificação de Papa Roncalli, como o fiz na data de dois de março de 2000, em artigo na imprensa “Um Santo para os nossos dias”.

                  Pensei então que a canonização viria naturalmente, mas o meu engano pode ser explicado facilmente  pela continuada presença conservadora à testa da Igreja. Aliás, e não é facécia, só o Espírito Santo talvez, possa explicar as eleições de João XXIII e de Papa Francisco. Dada a longa permanência conservadora, e a consequente pletora de criações de cardeais no mesmo sentido, só mesmo essa intervenção do Espírito Santo para ensejar as eleições de João XXIII e, em especial, de Papa Francisco.
                 Falecendo João Paulo II em 2005, sucedeu-lhe o cardeal alemão Joseph Ratzinger, que tomou o nome de Bento XVI, e que, como seria de prever, nada fez pela canonização do Papa do Concílio.
                 A sua presença, como Papa-emérito, na canonização dos dois Papas, tem muito a ver com o seu mentor João Paulo II, e pouco ou nada com João XXIII. Se tivesse continuado à frente da Igreja, nunca assistiríamos à cerimônia de canonização do Papa do Concílio, sob os auspícios do respectivo Papado.

                 No que tange a João Paulo II, a sua popularidade é grande, e muito meritório o seu empenho na Igreja, a que sacrificou a própria saúde, precipuamente por causa do atentado de Ali Agca, um episódio deplorável, e de que não estão ainda plenamente esclarecidos os motivos que conduziram ao infame intento de magnicídio. A saúde do Pontífice – que se acreditou restabelecida, tanto que participara de cerimônia vaticana – sofreria outra séria recaída, que muito contribuiu para debilitar-lhe a constituição e a resistência física. Mais tarde a doença de  Parkinson’s lhe atingiria, mas, sempre dando mostra de grande força de vontade, persistiu no respectivo esforço, com férreo intento que foi muito além da previsível luta contra essa enfermidade.

                   Sem embargo, o seu viés conservador o fez ter em conta personalidades como Escrivá de Balaguer – a quem fez santo – e movimentos como a Opus Dei, que não luzem bem nos espelhos da História. Por outro lado, o caráter de seu pontificado nos trouxe o que o teólogo do Concílio, o grande Karl Rahner, S.J. denominou como  o inverno na Igreja. O clima glacial para a teologia trazido pelo Papa polonês não ensejaria o florescimento e o consequente avanço da ciência teológica, ocasionado pela abertura conciliar, tão bem expresso nas lapidares palavras do ‘Gaudet Mater Ecclesia’, que encetam o discurso em latim que abre o Concílio Vaticano II, memoravelmente pronunciado por Papa João XXIII.

                   Não será pelo aspecto intelectual, embora haja tido louvável atividade nesse campo,  mas sim pelo incansável empenho, a grande coragem, e o  carisma pessoal, posto a inteiro serviço da Igreja, assim como, entre outras causas, sobretudo a da amada pátria Polônia, em que teve enorme influência para o enfraquecimento do regime comunista, de todo alheio ao ethos polonês, e posterior queda.

                  O seu longo pontificado – um dos mais alentados da Igreja – iniciado no ano dos três Pontífices  (Paulo VI, João Paulo I e, por fim, João Paulo II) se estenderia de 16 de outubro de 1978 a 2 de abril de  2005.       

                    

 (Fontes:Annuario Pontificio 1988, Enchiridion Vaticanum 1, Pope John XXIII, de Peter Hebblethwaite; Folha de S. Paulo,  O  Globo)



[1] Tropas de assalto, como as milícias nazistas.

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