É difícil não ver com desalento a paz
na Síria, administrada por gospodin
Vladimir V. Putin e Recip T. Erdogan, respectivamente grão- senhores da Rússia
e da Turquia.
Iniciada em março de 2011, por
corajosos partidários da democracia na terra do tirano Bashar al-Assad, e
pensando seguir no rumo da Primavera
Árabe, lançada pela auto-imolação de modesto verdureiro tunisiano, Mohamed Bouzizi, como condiz aos grandes
movimentos da Humanidade, essa Primavera, a um tempo tão caluniada e
vilipendiada, torpemente combatida e temida, ela se afirma como um fanal do
Terceiro-Mundo Árabe, com alguns inegáveis êxitos, magníficas tentativas
malogradas, e um escárnio em progresso, que é a possibilidade, crua e nua, de o
déspota que lhe dera origem - que sucedera ao pai, Hafez al-Assad - venha
eventualmente a subpresidir à refundação
do tirânico protetorado.
Como em toda a revolução - e a da
Terra da Passagem disso não difere - no respectivo início, em damasquinas
passeatas que justiça pediam (pensando nos reclamos de Deraa ao Sul) - um pouco de bom-senso, misturado com doses
moderadas de inteligência - teria sido marco de concórdia, com a silenciosa
salvação de milhões de infelizes e mártires.
Para perdurar no poder, como ora parece ser o
caso, será forçoso reconhecer que além de umas poucas e franzinas qualidades,
Bashar logrou também subornar a sorte para o seu lado, embora tal lhe haja
custado caro, e mais ruinoso ainda promete ser o porvir, com essa condição de
semiprotetorado em que o regime alauíta ameaça transformar-se.
Leão no nome, Bashar, por ora,
carece de ser cordeiro, e abaixar a cabeça ao corredor polonês de humilhações
por que terá de passar.
O seu porvir, por enquanto se
anuncia transido de dúvidas e talvez cruéis trampas. Pelo que fez, e pelo que
deixou fazer, não é hora de queixar-se. Ele próprio, como modestamente descrevi
em relato pregresso, foi como antigo potentado africano em visita de súplica ao
Senhor do Kremlin. Deixando a
majestade para os próprios infelizes súditos, para ele a audiência seria a da
cessão da liberdade em troca da salvação in
extremis. Dada a ambição de grão-duque Vladimir Putin em restabelecer a
antiga soviética pujança, Bashar trazia, com a compunção do cliente carente, a
secreta certeza de que prevaleceria a seu modo, cedendo a própria soberania, em
troca de favores que lhe acenavam com o permanência no poder, posto que com a
cessão da antiga autonomia.
Para Bashar, a travessia está
longe de ser terminada. Muitos perigos ainda o contemplam. Por ora, a ameaça
maior vem da aliança russo-turca, uma estranha criação que só a necessidade
política pode engendrar.
Mas para o Presidente sírio a
situação poderia ser ainda pior, caso
Barack Obama tivesse concordado com o plano de ajuda aos rebeldes que lhe fora
apresentado pela Secretária de Estado Hillary Clinton, com o apoio das demais
autoridades americanas nesta área.
O que ajuda Obama é que o seu não
foi há bastante tempo. Os que não esqueceram, hoje são vozes no deserto. Podem
gritar e até como no filme Lawrence of
Arabia (1962), ouvir o clamor respectivo repetir-se várias vezes na
monotonia do eco. Mas, como naquele episódio da obra prima de David Lean, serão
igualmente brados que podem repetir-se ad
infinitum, mas permanecerão tão belos
quanto inócuos.
O que decerto não ajuda a
Barack Obama é que será pequeno o espaço - se houver - para a cadeira
estadunidense nas negociações de paz. O 45º presidente pode ter apodado Putin
de presidente de poder continental, mas o Senhor do Kremlin garantiu senhora presença na mesa de negociações desta paz
de campos santos[1],
que em nada pode ser comparada com a do americano, pelo volume dos respectivos
aportes, e, sobretudo, pela velha regra da influência determinante na paz para
quem a criou com a faina da guerra.
Há inegável ironia no que tange a
Barack Obama em termos a conflitos armados. Pelo seu marcante discurso de 2003
ele começou a empunhar a presidência americana, diante do rotundo e ruinoso
fracasso do antecessor George W. Bush na guerra do Iraque. Nas porfias, o que
conta será como terminam. E se aquela lhe trouxe a Casa Branca - e a negou, por
primeira vez, a Hillary, por apoiar a aventura iraquiana - vemos agora que a
opção da paz pode ser uma aparente má-partida, se nos permitirmos ficar sem o
peso necessário para construir a pacificação duradoura.
(
a continuar )
(Fontes: The New York
Times, Lawrence of Arabia de David Lean, Folha de S.
Paulo)
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