Nos conflitos nem sempre vence a parte
favorecida pela opinião pública mundial, ou se quiserem, ocidental.
Precedida por grandes
manifestações tanto em Damasco, quanto outras cidades como Deraa, no Sul, a primeva
orientação pacífica das multidões foi violentamente contrariada pelo regime
Assad. As primeiras violências surgiram em Deraa, em 2010. No ano seguinte, o
conflito começaria a espraiar-se pelos subúrbios de Damasco e, em seguida, na
cidade de Aleppo, ao norte.
Depois de uns ires e vires, em que
parecia ainda possível o cenário da negociação, a repressão pelo regime, a
crescente insatisfação do povo, ou diante de promessas vazias, ou de atos do
regime que, na prática, contrariavam o suposto ramo de oliveira, tudo isso se
foi agregando para tornar inelutável o que alguns protagonistas ainda se
empenharam em tentar afastar.
A velha terra da passagem e a sua
população sunita reclamavam por maior participação no governo. No entanto, Bashar al-Assad jamais realmente
estenderia a mão para a eventual oposição, posto que ainda desarmada.
Nessa primeira fase, repontaram os
primeiros pontos de fricção - como no extremo sul, em Deraa - mas o líder
Bashar terá imaginado que com palavras e ocas promessas, ele, herdeiro de Hafez
al-Assad encontraria igual maneira de aquietar os protestos e as manifestações,
como as notórias destruições de cidades supostamente contaminadas pelo
islamismo radical.
A falta de resultados e as intervenções
debaixo do pano - que na prática desmentiam o ramo de oliveira e a relativa
abertura do regime alauíta - a par da recomposição dos blocos, tudo isso foi
moldando o ambiente e preparando a radicalização do conflito.
De um lado, temos a população civil,
sediada nas principais cidades sírias - Damasco, a capital, Aleppo, ao norte,
Dera, ao sul, uma área de população rarefeita no centro-oeste da Síria, ainda
núcleos curdos, e distribuída pelo país a maioria sunita Além disso, a minoria
alauíta, próxima aos xiitas, que constituem parte importante na Síria, com o papel mais
avantajado por força de os chefes de estado sírios, tanto Hafez al-Assad,
quanto Bashar professarem o credo alauíta. que posto seja sincrético, é próximo
do xiismo.
Para que se entenda a difusão e a
formação de alianças e sub-alianças, ter-se-á presente que o Hezbollah, milícia xiita, com grande
influência no Líbano, é subvencionada em parte - no jogo de influências no
mundo islâmico - pelo Irã. O seu líder é Hassan
Nasrallah. Com a evolução da guerra civil, o Hezbollah adentrou mais o
conflito - é aliado de Bashar - e colaborou bastante na luta ao sul de Damasco.
A primeira parte do conflito -
em que a participação do Ocidente é episódica - assiste o crescimento da União
defendida pelos países sunitas do Golfo, pela Liga Árabe e pelos guerrilheiros
sírios, apoiados também pelo Ocidente.
No entanto, depois de fase em
que as defecções crescem em torno do esquema de poder de al-Assad, e a União
dos guerrilheiros sírios alarga o seu domínio territorial no sul e no oeste da
Síria, enquanto cresce o domínio na cidade nortista de Aleppo. Tudo semelha
acenar para a queda do tirano Bashar.
Ao aproximar-se o fim do primeiro
mandato de Barak Obama se verifica uma cesura na guerra civil. Cada vez mais se
discute sobre a possibilidade de Bashar ser forçado à fuga de Damasco e da
própria Síria. Os rebeldes dominam uma boa faixa do interior oriental da Síria,
a presença na cidade nortista de Aleppo se consolida, e a cotação de Bashar,
com várias defecções na sua família e na própria nomenclatura, toca um dos pontos mais baixos desde o início da
revolta na Síria, em outra manifestação de sua irrupção na Tunísia.
A morte, por imolação em 4 de janeiro de
2011, de Mohamed Bouazizi, na Tunísia, lança a Primavera Árabe. Os próximos
a seguirem são o presidentes da Tunisia Zine El Abidini, do Egito, Hosni
Mubarak e o líder líbico, Muamar Kaddafi. Aquele cai, em função das grandes
concentrações na praça Tahrir. Esse outro leverá mais tempo, mas com o seu fim,
Bashar é cada vez mais associado às vítimas da Primavera, e o seu exílio ou ida
para o Tribunal da Haia, julgada inelutável.
Em breve, Hillary Clinton,
que permaneceu no primeiro mandato de Obama como Secretária de Estado, propõe
ao Presidente uma nova posição quanto à Síria, no que é apoiada pelos
principais integrantes do estamento externo americano (Pentágono, CIA,
Departamento de Estado).
No entanto, as idéias de
Obama diferiam das do quarteto. O apoio que a Secretária de Estado propunha
podia envolver o armamento dos rebeldes sírios, mas o presidente americano não
quis saber de compromissos militares, mesmo contidos, e o seu recuo teria
consequências muito negativas para os aliados de Washington nessa área
específica.
De certa forma, Obama privilegiava a diplomacia. No entanto,
esqueceu dos respectivos adversários com Vladimir Putin à frente. Ao negar
apoio aos rebeldes sírios, o 44º presidente estadunidense condenou a uma morte
lenta as forças da coalizão que apoiavam a União dos Rebeldes. Pensava,
outrossim, que a diplomacia seria um coadjuvante importante na decisão do
guerra na Síria. Nesse aspecto, cometeu erro palmar, que condenou a frente
anti-Bashar. A diplomacia não é a força mágica, no conflito sírio. Ela pode
entrar no terreno, se pode dispor de uma contraparte com força para aí estabelecer-se.
Não foi o que aconteceu.
Al-Assad foi até Moscou,
prestar allegiance a gospodin Vladimir Putin. Dentro de
política mais agressiva - em que ressalta a tomada sem qualquer resistência da
Criméia à Ucrânia - Putin terá vendido caro a própria ajuda ao aliado
dependente. Acrescentou mais uma base aérea - já dispunha de um porto de águas
quentes na Síria - e terá entrado em
acordos secretos com o filho de Hafez al-Assad. Como no tempo do Império
Romano, ele adquiria mais um vassalo, enquanto cuidou de transferir esquadrilhas
de aviões (nem todos do último tipo...), mas o bastante para reforçar a sua
presença na Síria.
Entrementes, a ingênua
ilusão de Obama de que poderia resolver pela diplomacia as ameaças contra a
posição dos guerrilheiros pró-Ocidente na Síria, logo se desfaria. Após desfazer-se
de esquema militar para garantir presença e a par disso não ter condições
sequer de respaldar a segunda cidade da Síria, agora já praticamente em mãos de
Assad (depois de quebrar-lhe a resistência, com bombardeios contra hospitais e
a população civil, no que se poderia denominar de núcleos de genocídio
municipal), está prestes a desmoronar resistência remanescente na pobre Aleppo.
Ao impedir qualquer apoio aero-militar em defesa dos criminosos ataques pela
aviação de Bashar contra sítios como hospitais, asilos e tudo o mais que
apressar possa a débacle da cidade,
Barak Obama aprendeu mais uma lição: a diplomacia só serve em tais situações se
o lado que a utiliza se valhe também do necessário armamento para dissuadir de
suas criminosas ações os aviões de Bashar e quem sabe que outros mais.
O áudio não está
muito alto, mas tal tem escassa importância para Putin e seu caudatário, que
deve ao Senhor do Kremlin a própria salvação.
Nesse quadro, resta
computar a posição do Exército Islâmico. A maior parte das forças americanas se
condensam no Iraque e o seu avanço contra o E.I. tem prosseguido de forma em
geral sustentada.
Os curdos são uma
espécie de arma secreta da Aliança Ocidental. Naquela área, não há guerreiros
que se lhes possa comparar. É demasiado conhecido le rendezvous manqué[1] dos curdos com o legado do Império otomano. Os Estados Unidos, por
outro lado, estão mais presentes no processo de destruição dos núcleos
remanescentes do chamado Exército Islâmico. O cerco de Mosul prossegue
lentamente, pontuado pelas descobertas da barbárie do declinante exército do
'califa' al-Baghdaadi.
Também os curdos
ajudam os iraquianos não só a investirem contra esse último fortim do E.I. (que
o Iraque, em momento precário cedera aos invasores do ISLI.)
Faltaria apenas no
oeste da Síria, a "capital" Raqqa, que já recebe a sua quota de
bombardeios da USA. A área de Palmyra - com uma parte destruída por esses
vândalos da modernidade - está já por ser reanexada à Síria. Quanto a Raqqa, o
último reduto do califado deverá cair após os ataques curdos, secundados pela
aviação americana.
( a concluir)
[1]
encontro malogrado dos curdos com uma
extensão territorial que seja consentânea com a sua importância e força
demográfica. Na Turquia, com o arrocho de novo de Erdogan, os curdos têm
acrescida a respectiva repressão, mas se seu contingente demográfico - e a sua
capacidade de resistência - mas é de esperar-se que num futuro não tão
longínquo essa brava nacionalidade encontre ou invente o espaço que faz muito
por merecer.
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