quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

E a guerra na Síria?

                                

        Nos conflitos nem sempre vence a parte favorecida pela opinião pública mundial, ou se quiserem, ocidental.   
        Precedida por grandes manifestações tanto em Damasco, quanto outras cidades como Deraa, no Sul, a primeva orientação pacífica das multidões foi violentamente contrariada pelo regime Assad. As primeiras violências surgiram em Deraa, em 2010. No ano seguinte, o conflito começaria a espraiar-se pelos subúrbios de Damasco e, em seguida, na cidade de Aleppo, ao norte.
        Depois de uns ires e vires, em que parecia ainda possível o cenário da negociação, a repressão pelo regime, a crescente insatisfação do povo, ou diante de promessas vazias, ou de atos do regime que, na prática, contrariavam o suposto ramo de oliveira, tudo isso se foi agregando para tornar inelutável o que alguns protagonistas ainda se empenharam em tentar afastar.
        A velha terra da passagem e a sua população sunita reclamavam por maior participação no governo. No entanto, Bashar al-Assad jamais realmente estenderia a mão para a eventual oposição, posto que ainda desarmada.
         Nessa primeira fase, repontaram os primeiros pontos de fricção - como no extremo sul, em Deraa - mas o líder Bashar terá imaginado que com palavras e ocas promessas, ele, herdeiro de Hafez al-Assad encontraria igual maneira de aquietar os protestos e as manifestações, como as notórias destruições de cidades supostamente contaminadas pelo islamismo radical.
          A falta de resultados e as intervenções debaixo do pano - que na prática desmentiam o ramo de oliveira e a relativa abertura do regime alauíta - a par da recomposição dos blocos, tudo isso foi moldando o ambiente e preparando a radicalização do conflito.
           De um lado, temos a população civil, sediada nas principais cidades sírias - Damasco, a capital, Aleppo, ao norte, Dera, ao sul, uma área de população rarefeita no centro-oeste da Síria, ainda núcleos curdos, e distribuída pelo país a maioria sunita Além disso, a minoria alauíta, próxima aos xiitas, que constituem  parte importante na Síria, com o papel mais avantajado por força de os chefes de estado sírios, tanto Hafez al-Assad, quanto Bashar professarem o credo alauíta. que posto seja sincrético, é próximo do xiismo.
               Para que se entenda a difusão e a formação de alianças e sub-alianças, ter-se-á presente que o Hezbollah, milícia xiita, com grande influência no Líbano, é subvencionada em parte - no jogo de influências no mundo islâmico - pelo Irã. O seu líder é Hassan Nasrallah. Com a evolução da guerra civil, o Hezbollah adentrou mais o conflito - é aliado de Bashar - e colaborou bastante na luta ao sul de Damasco.
                 A primeira parte do conflito - em que a participação do Ocidente é episódica - assiste o crescimento da União defendida pelos países sunitas do Golfo, pela Liga Árabe e pelos guerrilheiros sírios, apoiados também pelo Ocidente.
                  No entanto, depois de fase em que as defecções crescem em torno do esquema de poder de al-Assad, e a União dos guerrilheiros sírios alarga o seu domínio territorial no sul e no oeste da Síria, enquanto cresce o domínio na cidade nortista de Aleppo. Tudo semelha acenar para a queda do tirano Bashar.
                  Ao aproximar-se o fim do primeiro mandato de Barak Obama se verifica uma cesura na guerra civil. Cada vez mais se discute sobre a possibilidade de Bashar ser forçado à fuga de Damasco e da própria Síria. Os rebeldes dominam uma boa faixa do interior oriental da Síria, a presença na cidade nortista de Aleppo se consolida, e a cotação de Bashar, com várias defecções na sua família e na própria nomenclatura, toca um dos pontos mais baixos desde o início da revolta na Síria, em outra manifestação de sua irrupção na Tunísia.
                  A morte, por imolação em 4 de janeiro de 2011, de Mohamed Bouazizi, na Tunísia, lança a Primavera Árabe.  Os próximos a seguirem são o presidentes da Tunisia Zine El Abidini, do Egito, Hosni Mubarak e o líder líbico, Muamar Kaddafi. Aquele cai, em função das grandes concentrações na praça Tahrir. Esse outro leverá mais tempo, mas com o seu fim, Bashar é cada vez mais associado às vítimas da Primavera, e o seu exílio ou ida para o Tribunal da Haia, julgada inelutável.
                   Em breve, Hillary Clinton, que permaneceu no primeiro mandato de Obama como Secretária de Estado, propõe ao Presidente uma nova posição quanto à Síria, no que é apoiada pelos principais integrantes do estamento externo americano (Pentágono, CIA, Departamento de Estado).
                    No entanto, as idéias de Obama diferiam das do quarteto. O apoio que a Secretária de Estado propunha podia envolver o armamento dos rebeldes sírios, mas o presidente americano não quis saber de compromissos militares, mesmo contidos, e o seu recuo teria consequências muito negativas para os aliados de Washington nessa área específica.
                     De certa forma,  Obama privilegiava a diplomacia. No entanto, esqueceu dos respectivos adversários com Vladimir Putin à frente. Ao negar apoio aos rebeldes sírios, o 44º presidente estadunidense condenou a uma morte lenta as forças da coalizão que apoiavam a União dos Rebeldes. Pensava, outrossim, que a diplomacia seria um coadjuvante importante na decisão do guerra na Síria. Nesse aspecto, cometeu erro palmar, que condenou a frente anti-Bashar. A diplomacia não é a força mágica, no conflito sírio. Ela pode entrar no terreno, se pode dispor de uma contraparte com força para aí estabelecer-se. Não foi o que aconteceu.
                       Al-Assad foi até Moscou, prestar allegiance a gospodin Vladimir Putin. Dentro de política mais agressiva - em que ressalta a tomada sem qualquer resistência da Criméia à Ucrânia - Putin terá vendido caro a própria ajuda ao aliado dependente. Acrescentou mais uma base aérea - já dispunha de um porto de águas quentes na Síria - e terá  entrado em acordos secretos com o filho de Hafez al-Assad. Como no tempo do Império Romano, ele adquiria mais um vassalo, enquanto cuidou de transferir esquadrilhas de aviões (nem todos do último tipo...), mas o bastante para reforçar a sua presença na Síria.
                       Entrementes, a ingênua ilusão de Obama de que poderia resolver pela diplomacia as ameaças contra a posição dos guerrilheiros pró-Ocidente na Síria, logo se desfaria. Após desfazer-se de esquema militar para garantir presença e a par disso não ter condições sequer de respaldar a segunda cidade da Síria, agora já praticamente em mãos de Assad (depois de quebrar-lhe a resistência, com bombardeios contra hospitais e a população civil, no que se poderia denominar de núcleos de genocídio municipal), está prestes a desmoronar resistência remanescente na pobre Aleppo. Ao impedir qualquer apoio aero-militar em defesa dos criminosos ataques pela aviação de Bashar contra sítios como hospitais, asilos e tudo o mais que apressar possa a débacle da cidade, Barak Obama aprendeu mais uma lição: a diplomacia só serve em tais situações se o lado que a utiliza se valhe também do necessário armamento para dissuadir de suas criminosas ações os aviões de Bashar e quem sabe que outros mais.
                          O áudio não está muito alto, mas tal tem escassa importância para Putin e seu caudatário, que deve ao Senhor do Kremlin a própria salvação.
                           Nesse quadro, resta computar a posição do Exército Islâmico. A maior parte das forças americanas se condensam no Iraque e o seu avanço contra o E.I. tem prosseguido de forma em geral sustentada.
                            Os curdos são uma espécie de arma secreta da Aliança Ocidental. Naquela área, não há guerreiros que se lhes possa comparar. É demasiado conhecido le rendezvous manqué[1] dos curdos com o legado do Império otomano. Os Estados Unidos, por outro lado, estão mais presentes no processo de destruição dos núcleos remanescentes do chamado Exército Islâmico. O cerco de Mosul prossegue lentamente, pontuado pelas descobertas da barbárie do declinante exército do 'califa' al-Baghdaadi.
                            Também os curdos ajudam os iraquianos não só a investirem contra esse último fortim do E.I. (que o Iraque, em momento precário cedera aos invasores do ISLI.)
                             Faltaria apenas no oeste da Síria, a "capital" Raqqa, que já recebe a sua quota de bombardeios da USA. A área de Palmyra - com uma parte destruída por esses vândalos da modernidade - está já por ser reanexada à Síria. Quanto a Raqqa, o último reduto do califado deverá cair após os ataques curdos, secundados pela aviação americana.
 ( a concluir)           



[1] encontro malogrado dos curdos  com uma extensão territorial que seja consentânea com a sua importância e força demográfica. Na Turquia, com o arrocho de novo de Erdogan, os curdos têm acrescida a respectiva repressão, mas se seu contingente demográfico - e a sua capacidade de resistência - mas é de esperar-se que num futuro não tão longínquo essa brava nacionalidade encontre ou invente o espaço que faz muito por merecer.

Nenhum comentário: