sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

A Chapecoense vive!

                                                  

          Como não associar-se ao sofrimento da torcida da Chapecoense? Produto da vontade e do entusiasmo de uma cidade em Santa Catarina, chama a atenção não só o entrosamento do povo de Chapecó com o voo no futebol de um time galvanizado por essa identificação da sua gente com o vetor de seus sonhos de afirmação, mas também da extensão e amplitude desta paixão clubistica.
           A jovem equipe era uma projeção da cidade e nela crianças, meninos, juventude e adultos a transformavam em ponte de afirmação e de conquista, arrancadas por uma disposição e largueza que poucos limites conhecia.
           Ao contrário de tantas outras, a Chapecoense cuidava de renovar-se e, sobretudo,  reforçar-se, enquanto lhe imantavam a força e a energia de uma torcida que pela sua amplitude citadina e penetração em todas as idades, tinha a surpreendente, anacrônica ingenuidade de ignorar as ingentes barreiras das equipes com mais técnica e experiência, para envolver-se da crença a um tempo pueril, mas também com a firmeza de pura devoção, que se alimenta dos sorrisos das crianças, tão puros quanto intemeratos, assim como dos olhares enevoados dos mais velhos, que diante da ingenuidade que o cinismo das grandes cidades ignora, se deixam gostosamente levar e carregar pelas aragens e os sopros de um prometido futuro, ignaro de temores mofinos, e crente nas dádivas do porvir, na verdade, a recompensa do trabalho aturado, imbuído da realização que vá dos pequenos passos - sob o sorriso de sociedade de crianças e jovens, que ignoram a mediocridade do passado, enquanto se banham nas feéricas luzes da esperança.
             Nesse mundo de gente de pouca fé, como aproveita a todos o mergulho nos ares radiosos de margem gloriosa, construída nas sapatas das crianças, nos campos de pouca grama e muita determinação, nesses ares límpidos que desconhecem as dúvidas, o medo e as enganosas diversões que pensam contornar  trabalho e  esforço aturado.
             Uma equipe a atravessar os campos de outras terras, cuidando de preservar a fé da criança, que não conhece outras balizas que a própria determinação.
             No uniforme a Chapecoense traz o verde que não é só esperança, mas a concretude da realização, ali, ao alcance da mão, como o mostra a travessia de um time havido por modesto, e, no entanto, disposto a ir tão longe quanto lhe acena a vontade, a determinação, e a fé de todas as crianças, que no límpido olhar e na firmeza ingênua de que o querer a levará sempre mais à frente, sem dúvidas nem temores, o móbil farol de um desejo grande que ignora no sorriso sem fronteiras da criança limites, barreiras, dificuldades.
                A Chapecoense não tem medo das pedras no caminho. Em uma terra cética e desunida, ela pede licença para fazer-se acompanhar da esperança.
                Como um raio de luz, em céu azul, sem nuvens, sob o verde tapete dos campos e das matas ciliares, a sua hora e vez há de persistir, arrimada no sorriso aberto e acolhedor dos jovens e dos pequenotes. Porque o futuro é deles, e ninguém, mas ninguém mesmo, sequer pensará em desfazer desse imenso campo, cercado por gente alegre, a festejar pelos novos tempos de uma Chapecoense que será eterna enquanto viverem as crianças e nelas acreditar o mundo da gente grande.



( Fonte: Carlos Drummond de Andrade ) 

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