Como não associar-se ao
sofrimento da torcida da Chapecoense? Produto da vontade e do entusiasmo de uma
cidade em Santa Catarina, chama a atenção não só o entrosamento do povo de
Chapecó com o voo no futebol de um time galvanizado por essa identificação da sua
gente com o vetor de seus sonhos de afirmação, mas também da extensão e
amplitude desta paixão clubistica.
A jovem
equipe era uma projeção da cidade e nela crianças, meninos, juventude e adultos
a transformavam em ponte de afirmação e de conquista, arrancadas por uma
disposição e largueza que poucos limites conhecia.
Ao
contrário de tantas outras, a Chapecoense cuidava de renovar-se e, sobretudo, reforçar-se, enquanto lhe imantavam a força e
a energia de uma torcida que pela sua amplitude citadina e penetração em todas
as idades, tinha a surpreendente, anacrônica ingenuidade de ignorar as ingentes
barreiras das equipes com mais técnica e experiência, para envolver-se da
crença a um tempo pueril, mas também com a firmeza de pura devoção, que se
alimenta dos sorrisos das crianças, tão puros quanto intemeratos, assim como
dos olhares enevoados dos mais velhos, que diante da ingenuidade que o cinismo
das grandes cidades ignora, se deixam gostosamente levar e carregar pelas
aragens e os sopros de um prometido futuro, ignaro de temores mofinos, e crente
nas dádivas do porvir, na verdade, a recompensa do trabalho aturado, imbuído da
realização que vá dos pequenos passos - sob o sorriso de sociedade de crianças
e jovens, que ignoram a mediocridade do passado, enquanto se banham nas feéricas
luzes da esperança.
Nesse
mundo de gente de pouca fé, como aproveita a todos o mergulho nos ares radiosos
de margem gloriosa, construída nas sapatas das crianças, nos campos de pouca
grama e muita determinação, nesses ares límpidos que desconhecem as dúvidas, o
medo e as enganosas diversões que pensam contornar trabalho e esforço aturado.
Uma
equipe a atravessar os campos de outras terras, cuidando de preservar a fé da
criança, que não conhece outras balizas que a própria determinação.
No uniforme a Chapecoense traz o verde que
não é só esperança, mas a concretude da realização, ali, ao alcance da mão,
como o mostra a travessia de um time havido por modesto, e, no entanto,
disposto a ir tão longe quanto lhe acena a vontade, a determinação, e a fé de
todas as crianças, que no límpido olhar e na firmeza ingênua de que o querer a
levará sempre mais à frente, sem dúvidas nem temores, o móbil farol de um desejo
grande que ignora no sorriso sem fronteiras da criança limites, barreiras, dificuldades.
A
Chapecoense não tem medo das pedras no caminho. Em uma terra cética e desunida,
ela pede licença para fazer-se acompanhar da esperança.
Como
um raio de luz, em céu azul, sem nuvens, sob o verde tapete dos campos e das
matas ciliares, a sua hora e vez há de persistir, arrimada no sorriso aberto e
acolhedor dos jovens e dos pequenotes. Porque o futuro é deles, e ninguém, mas
ninguém mesmo, sequer pensará em desfazer desse imenso campo, cercado por gente
alegre, a festejar pelos novos tempos de uma Chapecoense que será eterna
enquanto viverem as crianças e nelas acreditar o mundo da gente grande.
( Fonte: Carlos
Drummond de Andrade )
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