O governo Assad e o seu protetor, a Rússia
de Vladimir
Putin, anunciaram na 5ª, 29 de dezembro, que haviam celebrado acordo de
cessar-fogo com os rebeldes sírios, e seu principal aliado, a Turquia, de Recep T. Erdogan.
Essa declaração pode ser nova e
determinante evolução nessa longa guerra civil, que terá causado cerca de quinhentas
mil mortes, entre combatentes e civis envolvidos no conflito, que já dura há
quase seis anos.
Encetadas pelos distúrbios em Deraa e, posteriormente, na capital
Damasco, as hostilidades se internacionalizaram, com a participação da milícia
xiita do Hezbollah, que na prática é
um braço armado dos ayatollahs em
Teerã.
Não é por acaso decerto que este novo
acordo de cessar-fogo tenha sido negociado e anunciado em Moscou. Se ele for
respeitado no terreno - o que os anteriores não foram - a prevalência da tríade
Síria, Rússia e Turquia se afirmará na sua eventual implementação. De um lado,
o regime iraniano terá de retirar a própria milícia Hezbollah - o que não será de fácil deglutição dada a sua longa participação
na sustentação do regime Assad, em
especial nas horas mais difíceis, quando a Liga rebelde parecia prestes a
levá-lo de vencida.
Por outro lado, a ausência dos
Estados Unidos das negociações de paz marca a redução da influência
estadunidense na determinação do
pós-guerra, o que reflete tanto as realidades no terreno, quanto as incertezas
de Barack Obama.
Se este cessar-fogo firmar-se - ao
contrário dos anteriores - há ainda muitos obstáculos no caminho da paz. De um
lado, as forças excluídas do cessar-fogo terão tratamento diferenciado. O
Exército Islâmico, nas suas bases em Raqqa e alhures promete pertinaz resistência,
que a batalha pela retomada de Mosul no Iraque já o indica.
Se com a queda de Aleppo, a força
rebelde ficou bastante enfraquecida, ainda faltam áreas - como as cercanias de
Damasco - que exigirão cuidados especiais do regime Assad.
De todas as forças no terreno, os
curdos estão melhor implantados, sobretudo ao norte, e a sua coexistência com o
regime sírio deverá demandar concessões de Damasco.
O cessar-fogo não será, por certo,
de fácil implantação. Não só o desmantelamento do E.I., por exigir muito
empenho da coalizão que apóia o presidente Bashar
al-Assad, deve demandar tempo, a
fortiori diante da situação da grei do califa al-Bagdahdi - cujo
isolamento, se facilita a campanha pela restauração, também proporciona às suas
hostes a energia do desespero, pela sua falta de aliados e opções.
Por outro lado, a exigência da
Turquia que o presidente da Síria seja afastado é um complicador notadamente
para Vladimir Putin que investiu demasiado em al-Assad para eventualmente
concordar com tal veto.
A Turquia e a Rússia são no
presente aliadas, mas gospodin Putin
não ignora o longo histórico de oposição entre a guardiã dos Estreitos e o
poder russo. O atual estado de coisas, que enfraquece o Ocidente, pode não
perdurar por muito, eis que os fatores da divisão não surgiram por acaso.
Tal não impede, contudo, que no
curto prazo a posição do Ocidente - e notadamente de Washington - se descubra
em desvantagem nesse grande jogo que se mede não em anos mas em décadas.
Se desabar, como tudo parece
indicar, o fortim do Daesh (como é designado em árabe o ISIS)
- a conformação do Oriente Médio não será necessariamente a mesma do formato ante-bellum, pois a etnia curda,
malgrado a oposição turca, pode lograr estabelecer a primeira base territorial
de o que lhe vem sendo negado desde a dissolução do império otomano, determinada pelos tratados de paz
relativos à derrota de Constantinopla na Grande
Guerra.
Como se sabe, a tentativa helênica de
manter a milenar implantação na Anatólia de milhões de gregos asiáticos foi
derrotada por Mustafá Kemal (daí o
cognome de Ataturk), ao cabo de
decisiva batalha, que forçaria a chamada catástrofe, que foi a transferência de
mais de dois milhões de gregos para o solo da Grécia européia.
Se o projeto atual de restauração da Síria sob
Bashar al-Assad lograr afirmar-se, a sede da liberdade que repontara nas
passeatas de Damasco, e que ora se vê provavelmente contrariada, sob a atenta
guarda do Senhor do Kremlin, poderá manter-se ou não, atendidas as forças no
terreno.
É decerto difícil que a
ditadura dos Assad tenha ganho a new lease of life[1], sobretudo se tivermos
presente todo o sofrimento que o ainda jovem ditador Bashar cobrou do povo
sírio, que antes vivia em condições mais favoráveis do que as populações à sua
volta.
À vista dos exemplos na História,
é uma aposta que poucos bookmakers
concordariam em bancar. Se a liberdade, uma vez provada, se afigura como bem a
ser tratado com todo o desvelo, cabe perguntar se o árduo caminho da
reconstrução poderá ser encetado, como se todas as pregressas maldades - e
padecimentos consequentes - devessem ser suportadas em silêncio ou na estranha
paz dos campos santos.
( Fontes: The New York
Times, Folha de S. Paulo, Der Neue Brockhaus)
Nenhum comentário:
Postar um comentário