Era decerto com razão que as fileiras do
preconceito e do atraso tanto te temiam.
Por anos, infatigavelmente elas te perseguiram. O teu trabalho no Departamento
de Estado, elas o acompanharam com as vistas brilhosas, pequenas, sempre à cata
de falsos pretextos e supostos erros para destruir-te. Por que, será sempre
difícil determinar. O mal que só pode avançar nos chavascais e lodaçais da
incúria, só tem atenção para o que, de algum modo, sempre oblíquo e travesso,
dê margem a visões negativas, posto que na verdade represente o contrário.
A eles, a vanguarda do atraso e da
superstição, só interessa o quê, mesmo que bem intecionado e bem sucedido,
possa de algum modo suscitar as suspicácias da inveja e da má-fé. Esses
inimigos, que não escolheste, pois eles são gente pequena, fruto da injustiça e
do engano, gastaram todos os anos e as verbas do Povo que a eles não pertencem,
para mover-te campanha insana e incessante, tentando chafurdar no que pensam
seja sua jurisdição, para encontrar algum erro teu, seja em Benghazi, seja no
trabalho sem quartel, que levaste até ao teu próprio domicílio, para ali catar
algo que te pudesse atravessar o caminho - que tanto medo lhes fazia - para,
então, por meio de interesses inconfessáveis deparar-se afinal com o que
salivavam os teus secretos desejos.
Sentados que estão em câmara que foi do
Povo, e que, anos passados dos alegres seminários na Casa Branca, que a incúria
de Obama achou oportuno realizar, gente menos preparada, mas muito, muito mais
esperta tratou de conjuminar o famigerado shellacking,
a tunda na linguagem simplória de um novato ainda na Política, para fazer que
nunca mais o Partido Democrata - aquele que defende os negros, os latinos, os
velhos e democratas gravou, como aproveitadores de Washington - pudesse dominar
as duas Câmaras. O Partido Republicano -
que se especializa em dificultar o voto das minorias, porque as teme -
conseguiu a proeza de através do velho gerrymander
transformar a Câmara Baixa em feudo próprio. Isso vem sendo apostrofado por
grandes jornalistas e escritores, como a politóloga Elizabeth Drew. É uma vergonha que tal situação tanto ilegal,
quanto inconstitucional perdure, para regozijo do velho GOP, e para tanto não pouco contribui a hipócrita cegueira da
grande imprensa, que finge desconhecê-la, quando ela permite que não só os irmãos Koch vençam nas suas causas
antipopulares, como o governo em Washington sofra de artificial bloqueio
legislativo, eis que a Câmara do não-voto prevalece sobre o Senado, que
continua a ser escolhido pelo Povo, com um mínimo de intermediários.
Pois foi essa gente que logrou vencer
no Colégio Eleitoral, posto que Hillary tenha tido a maioria no voto popular,
com vantagem de pelo menos três milhões de sufrágios.
Depois de sua suposta 'derrota' - em
que país desse vasto mundo alguém é havido como perdedor se supera o próprio
adversário em três milhões de votos? Por quanto tempo se permitirá que esse
anacronismo - que data do século XVIII, do tempo das diligências e das péssimas
comunicações, que uma abstração, como o colégio eleitoral, retalhando o país em
distritos para tornar possível a democratização da eleição, continue a
perdurar, de modo a viciar o mandato popular, que está a requerer que tanto a
Câmara de Representantes seja integrada por gente eleita não através de fraude
oitocentesca, mas por distritos marcados pela mão firme de justiça isenta,
assim como o Povo Americano possa eleger o (a) respectivo (a ) Presidente pelo sufrágio
universal de sua lídima maioria, sem mais atalhos setecentistas, nem mais
trapaças pós-modernas.
Perto que estou, pelas artes da
mídia, mas longe do contato direto com o banho de realidade que só a
permanência física assegura, há algum
tempo não contemplava o rosto de Hillary, depois desse percalço com que deu, de
repente, na sua caminhada, festejada por tantos, ao que parecia a oportunidade
de levar a primeira Mulher além dos umbrais da Casa Branca, não mais como
silente acompanhante, mas a pleno direito.
Devo reconhecer que me contristou
a obra desses dias que tantos dissabores lhe trouxeram. Parece tomar conta do
lado oficial de Washington, uma estranha troupe,
que muita vez carece de seu criador para explicar-lhe a insólita presença nas
aras do pré-poder.
Mas voltemos ao que interessa. Em
página interna de jornal, contemplei, ainda a cores, a foto de Hillary. Não careceria haver despertado de longo sono,
para compenetrar-me que algo vai mal - muito mal, mesmo - nas margens do
Potomac. Em evento de congressistas democratas no Senado estadunidense, Hillary reapareceu - pelo menos, para
mim - com fisionomia em que leio os muitos dissabores deste punhado
maldito de dias. As pupilas, antes alegres, semicerradas sob as pálpebras, os
lábios vincados, cerrando o branco dos dentes, o penteado sóbrio, um colar dourado apenas entrevisto sob abrigo
do cor roxa escura. Não se encontram as vistas confiantes, abertas para o
futuro.
No conto infantil, a esperança
pode ser comida por um bicho mau, mas nesse caso, não distingo nenhum animal
desse gênero. Quando alguém é injustamente defraudado de o que lhe cabe por
direito, se a causa de tal molesto acidente não é popular, e sim pode ser
atribuída a erro pregresso, o desconsolo e a justa raiva de quem descobre a sua vitória surripiada e não pelo Povo,
mas por nomeação de Barack Obama, como há de interpretar essa peça de um
destino cruel?
Pois não é que Barack Obama resolveu,
no começo de seu governo, agradar ao GOP,
e escolher para diretor do F.B.I., o bureau federal de investigações (a criação
de John Edgar Hoover) Mr James Comey, republicano, que como disseca o artigo magistral do professor David Cole (New York Review, nº 19) às
vésperas da eleição, não fez pouco para
ajudar ao candidato do GOP, lançando suspeitas sem qualquer fundamento, ainda
sobre o velho caso do servidor privado do computador de Hillary. Essa
interferência - que não tinha qualquer base - cortou o avanço inicial de
Hillary nos votos antecipados, e deu o empurrão necessário para que a vantagem
da democrata desaparecesse sob ação tão descabida e sectária, quanto antiética,
mas que transformou Comey no grande cabo eleitoral de um presidente que ameaça
ser - já pelas suas indicações - como um dos piores da história americana.
O mais amargo de
tudo é que o padrinho deste mr. Comey foi Barack Obama, que pensara agradar ao GOP ao fazer tal indicação... Lembra-me
a respeito a frase de Beaumarchais[1]:
caluniai, caluniai, sempre, alguma coisa há de ficar!
(Fontes: Folha de S.
Paulo, The New York Review; e Confidence
Men, de Ron Suskind,ed. Harper Collins, 2011
)
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