François Villon, o poeta francês, perguntava-se
Où sont les neiges d'antan? (onde estão as neves de outrora?) Seria
o velho refrão do saudosismo dos tempos antigos, aqueles que não voltam mais.
Será que o governo de Donald Trump,
cuja surpreendente vitória principiamos a entender melhor, com a senhora ajuda
do chefe do FBI, James Comey a respeito de quem tive a oportunidade de traduzir
o magistral artigo de David Cole, que disseca tal ajuda. Corresponderá a quê,
no futuro, dadas as sombrias perspectivas que suscitam o temperamento do
presidente-eleito, seu comportamento no passado, e a impressão que suas confusas
idéias passam ao Povo americano e ao mundo?
Primo,
há uma característica americana que provoca compreensível espanto. O sistema
eleitoral estadunidense data de Constituição, do século XVIII, e é por
conseguinte indireto. Em época na qual
eram precários os transportes e as comunicações, os constituintes da Filadelfia
estabeleceram um processo indireto, em que o colégio eleitoral se formava por
uma série de estados, cada um com um peso determinado pelo respectivo número de
eleitores. Vencia o candidato que reunisse maior número de delegados, delegados
esses que lhe são adjudicados pela soma dos respectivos colégios
eleitorais. Sendo um processo indireto,
é possível que o presidente eleito tenha menor número de votos do que o
candidato vencido. É um fenômeno raro, mas que pode ocorrer, como se verificou
com George W. Bush, em 2000, e com Trump agora (na soma do voto popular,
Hillary o supera em cerca de três milhões de sufrágios). Em 2000, como se sabe,
quem venceu no voto popular foi Albert Gore, que, de resto, enfrentou outro
dissabor, eis que George Bush foi o único presidente americano
"eleito" pela Suprema Corte, dada a sentença que interrompeu a
recontagem dos votos na Flórida. Como tudo levava a crer que Gore venceria no
voto da Flórida (caso levado o cômputo até o final), a 'vitória' de Bush é mais
do que questionável, eis que foi eleito por sentença do Supremo...
Secondo,
há na presente eleição três colégios eleitorais (Wisconsin, Michigan e
Pennsilvania) de que foi pedida a recontagem dos votos pela candidata do
Partido Verde, Jill Stein. Depois de uma sucessão de medidas do Partido
Republicano, que procuravam encerrar as ditas recontagens, sobre vários
pretextos, sobreveio silêncio na imprensa. O que houve com essas tentativas de
determinar o número exato de votos tanto para Trump, quanto para Hillary? Será
mesmo que tais intentos não tiveram êxito? De qualquer forma, o silêncio quanto
a esses três colégios eleitorais semeia dúvidas.
Terzo, a avaliação dos pré-indicados pelo
Presidente-eleito provoca em muitos
casos grandes dúvidas quanto ao nivel de seus
preferidos. A capacidade desses
senhores não se afirma, à primeira vista, pela sua excepcionalidade. Em alguns
casos, chegam a espantar negativamente. Como o indicado para o órgão
encarregado do Meio ambiente, cuja direção é confiada a alguém que nega a
existência de problemas no meio-ambiente. Como Trump passa por integrar o grupo
dos negacionistas - inclusive contesta o recente acordo de Paris - as
inquietudes são mais do que válidas.
Inclusive, na mídia, já corre
uma interpretação que aproxima a equipe de Trump, da chamada Gilded Age, Idade
Dourada, assim chamada por Mark Twain, porque luzia por fora, e era podre por
dentro.
O que levou a tal comparação -
já surgida na imprensa americana - terá sido o número de milionários convidados
por Trump para compor o respectivo governo.
Tal período da história
americana corresponde ao terço final do século dezenove, com as práticas
desenvoltas dos grandes capitalistas - não é à toa que surge o termo de robber barons que foi aplicado a muitos
deles. Nesse período, em que as regras legais ainda eram bastante fluidas, se
formaram grandes fortunas, como as de John D. Rockefeller (petróleo) e Andrew
Carnegie (aço).
Entretanto a chamada Gilded Age é um período que vem depois
da Guerra Civil e da consequente Reconstrução, com grande crescimento
econômico,e pela extrema fluidez das regras que a caracterizavam.. Através desse explosivo crescimento, que se
espande através de grande implantação ferroviária, a conquista do Oeste, e o
confinamento dos 250 mil indígenas nas reservas, os Estados Unidos se afirma
como grande potência. Como todo novo rico, o seu comportamento nem sempre será
castiço.
Também ajudam nessa
magna empresa a imigração maciça de que a Ilha Ellis (Ellis Island) constitui o
exemplo precípuo, com a passagem de milhões de imigrantes, vindos sobretudo da
Europa e das muitas comunidades que se sentiam impelidas a tentar a fortuna no novo gigante americano,
livrando-se dos ambientes cerrados dos Impérios Centrais (Rússia, Austria-Hungria), em busca de
riquezas, algumas para muitos inatingíveis. Essa movimentação de grandes massas
de trabalhadores, ou de aspirantes ao trabalho, se via facilitada porque naquela época e até à Primeira Guerra
Mundial, as pessoas não careciam de passaporte para viajar.
Assim, a Gilded Age é
um período da imaturidade do Capitalismo americano, com grandes fortunas,
capitães de empresa e capitalistas de
nomeada.
Como
comparação com a acessão de Mr Donald Trump ao poder político, ela pode dar
indicações significativas, mas que semelham mais alusivas a determinados
aspectos desse período de explosivo crescimento, do que à totalidade dessa época.
Não se pode
esquecer que os Estados Unidos vive sob uma época denominada declínio, que se seguiu à estúpida
aventura de George W. Bush contra o Iraque de Saddam Hussein, na sua procura
das armas de destruição em massa (weapons
of mass destruction - WMD), a que o ambicioso Tony Blair se associou. Foi
enorme o custo para a economia americana da tola empresa de George Bush, com
prejuízos que excederam os três trilhões e setecentes bilhões de US dollars.
Diante desses números fica mais fácil entender os efeitos das loucuras
orçamentárias da era Bush, e o que se vê no interior americano como
manifestação deste decline
(declínio), em fábricas, empresas e armazéns fechados. Nesse sentido, George Packer
tem escrito para o New Yorker sobre
os efeitos de tal fenômeno.
(Fontes: The New York Times, The New Yorker, George Packer, verbete sobre Gilded Age na Wikipedia)
(a continuar)
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