Morreu nesta quarta-feira, catorze de dezembro, o
Cardeal-emérito de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns. Era frade franciscano
antes de ser criado cardeal pelo Papa PauloVI.
Homem simples, mas corajoso e letrado.O então
cardeal de S.Paulo,D Agnelo Rossi,o indicaria como um de seus bispos-auxiliares.
Sendo D.Agnelo da ala conservadora, sua escolha causaria espanto pelas diferentes orientações
pastorais do Cardeal e deste seu novo
bispo-auxiliar.
A diferença das visões respectivas logo
se tornaria marcada. Iniciando visitas à prisão do Carandiru, por determinação
do Cardeal foi visitar frades dominicanos detidos por motivos políticos, entre
eles frei Betto.
Após verificar que haviam sido
torturados, ao regressar,disso deu
ciência ao Cardeal. Para sua surpresa, conforme dito na autobiografia, ouviu:
"Outros me garantem que não há torturas nas nossas prisões." D. Paulo
nunca criticaria publicamente dom Agnelo por essa declaração.
Logo assumiria em S.Paulo a
vanguarda da defesa dos presos políticos. Em 1970, foi designado por escolha
pessoal do Papa Paulo VI, Arcebispo de S.Paulo, assumindo o lugar de D. Agnelo,
que foi servir em Roma, à frente do dicastério de Propaganda Fidei.
Assumiu, então, de forma concreta,
a opção pelos pobres - que era também a de sua ordem, a de S. Francisco. De início, vendeu o Palácio Episcopal e com o
numerário,comprou terrenos em bairros pobres para missões religiosas modestas
(D. Helder procederia da mesma forma).
Transcorreram nessa época grandes
embates seus com os generais. Nesse sentido, enfrentou comandantes militares na
Paulicéia e até presidentes da República.
Assim, em encontro com o general Emílio Garrastazu Medici, a conversa
terminou aos berros. Foi Médici quem decretou pouco depois a cassação de uma
rádio da igreja católica paulistana.
Do mesmo modo, enfrentou
autoridades civis, de governadores a delegados, tentando assegurar direitos
civis aos presos políticos.
Com base no exemplo de Paulo
VI, reproduziu na sua Arquidiocese a Comissão de Justiça e Paz, indicando o
advogado Dalmo de Abreu Dallari em 1972 para ser seu primeiro presidente. Em
1973 foi criado Cardeal por Paulo VI.
Como sempre, se valeria das
novas insígnias para elevar o seu combate à repressão. Nesse sentido, apoiou o
Procurador de Justiça Hélio Bicudo, em sua luta contra a quadrilha do Esquadrão
da Morte, e tornou possível a publicação de livro sobre a matéria, livro esse
que havia sido recusado por timoratas
editoras comerciais.
No período, por sua coragem
sofreu ameaças e calúnias. Até um acidente com automóvel - sofrido no Rio - se
descobriu que havia sido um atentado. Em outros casos, personalidades de
nomeada sofreriam acidentes suspeitos.
Uma de suas mais notáveis
iniciativas foi a publicação patrocinada de "Brasil:Nunca mais".
Com o advento do Papa polonês,
de linha conservadora, João Paulo II, este chegou a fracionar a Arquidiocese de
S. Paulo. D. Paulo Evaristo deixaria
claro em suas memórias que nada disso ocorre sem a conivência do Pontífice.
Também a estranha campanha
contra a teologia da libertação, arquitetada pelo Cardeal Josef Ratzinger
(depois BentoXVI) foi feita de modo similar, sendo afastados inúmeros teólogos
de nomeada pelo mundo afora, entre os quais Hans Kung e o brasileiro Leonardo
Boff.
Pouco antes de deixar a
Arquidiocese, enfrentou o Papa polonês em difícil entrevista, quando este
último admitiu que era com efeito o responsável final pelas decisões polêmicas
de favorecer a campanha contra a teologia da Libertação, e o fracionamento da
Arquidiocese.
Outra postura de igual teor
foi a não elevação de D. Helder Câmara ao Cardinalato. A bondade e a humildade
de D. Helder, que suportou cristãmente o tratamento recebido pelo sucessor em
Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, elevaria o grande bispo-auxiliar do
Rio de Janeiro e notável Arcebispo de Olinda e Recife a santo de Sagrada Igreja
romana, destino que o necessário transcurso tradicional do tempo caberá decerto
igualmente a Dom Paulo Evaristo Arns.
( Fontes: Necrológio da
Folha, Anuario Pontifício 1985 )
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