Reconheço a pretensão, e por isso
me apresso em dizer que todo retrato de Luiz Inácio Lula da Silva será
necessariamente incompleto. Como todos os personagens maiores da história do
Brasil, a sua imagem será em vida imperfeita, pelos detalhes de que a História
é avara.
De qualquer
forma, os contemporâneos têm sobre os pósteros a vantagem da possibilidade de
algum contato pessoal, o que sempre ajuda nesse trabalho que sói ser feito a
milhares de mãos.
Do rápido
contato que me tocou ter com o Presidente Lula, é meu dever dizer que na sua
brevidade mostrou pessoa afável e mesmo disposta a um gesto de cortesia para
com o anfitrião, o que decerto o distingue de pronto de sua sucessora.
Posto que essas imagens instantâneas tragam
luzes que são vedadas a muitos, mas sobre tudo aos pósteros, elas ajudam a
conformar primeiro esboço de personalidade.
Como todos os
personagens da História, eles refletem uma época. O problema maior do
contemporâneo, é que tal obra ainda não está completa, e o ser político – e não
por própria vontade – sobretudo quando está entre os grandes, leva a ser mais
arredio a intentos que busquem retratá-lo.
Pela natureza
de sua trajetória, tais imagens tendem a sofrer ou a receber infindáveis
retoques, que às vezem podem até confundir, pois nessa infinidade de traço há
os que engrandecem, ou contrariam, ou enganam, ou diminuem e até desfiguram.
Não só pelo simples fato de viver, mas também pela circunstância de manter-se
relevante, essas impressões podem ser de extrema mutabilidade.
Não estarei
adiantando muito se aditar que o ex-Presidente Lula, pela sua importância
política, é um desses personagens cujo arco existencial inclui o aprendizado na
pobreza, rápida passagem pela escola primária, a labuta como torneiro mecânico
(marcada, como a tantos outros, por acidente), a ascensão na liderança
sindical, as próprias qualidades e a peculiaridade do momento a empurrá-lo para
outra liderança, que incluiria o itinerário pela prisão política, e a longa
caminhada, à testa de um partido, a princípio radical e jacobino, até a chegada
à presidência.
A permanência
por longo tempo seja no poder, seja nas cercanias do poder – como é o caso
atualmente – pode afetar a leitura que os contemporâneos façam de sua
travessia. Lula não é figura solitária na América Latina, como nos repete
Ferreira Gullar. O seu tempo também é o de Hugo
Chávez, na Venezuela, de Evo Morales,
na Bolívia, Rafael Correa no Equador,
e dos Kirchner na Argentina.
O velho
populismo neles está presente, e com as distinções nacionais, surge também no
Brasil. O petismo de Lula tem várias caras, algumas ostensivas, como a do
mergulho imediato nos gastos correntes e no aparelhamento do Estado. As
ocultas, cuida o tempo de entremostra-las.
Lula professa
ter azia à leitura. Não deveria tê-lo, porque o convívio com o poder é um
exercício desgraçado, em que o veludo das benesses pode trazer outras
experiências, não tão macias e agradáveis.
Por mais que
os fâmulos e os cortesãos busquem alisar e polir as engrenagens da máquina do
poder, a longa permanência e ainda maiores ambições costumam soprar e até mesmo
ciciar róseos projetos que buscam contrariar a ordem das coisas, e até subverte-la
na perene ilusão de um poder que eterno seja.
De certa
forma, lá dentro na câmara recôndita, o retrato impiedoso que pinta a realidade
– que, na verdade, é a segunda natureza do eterno aprendiz – e que, com o
passar do tempo, não será de contemplação agradável - lá permanece, solerte e
importuno, e sempre à disposição do personagem.
Assim, as
velhas, cediças ilusões – desta vez será diferente! – são alucinações, que se
acreditam passageiras. E, em verdade, elas o são, mas com uma diferença. Tudo
no homem é transitório, até mesmo a húbris,
esse fenômeno que a todos visita, e que pode até impressionar, mas há de se
esgarçar e até evaporar, como as antigas civilizações, de que o vulgo pensa ter
na bênção da ignorância a falaz oportunidade de ignorá-la.
Pouco importa
se ignora dos efeitos da máxima de Lord
Acton. Mas não é mister muitas leituras, para que se apreenda que o poder é
figura ambígua, que a alguns engrandece, e a outras apequena.
Ao contrário das
nuvens, cuja volubilidade é extrema, e a cada passo mostram cenário diverso – e
há quem por isso as compare à política – o fantástico retrato de que falei
acima, na verdade, não é que a realidade. Por mais que se busque escondê-la,
ela há de repontar sempre, com as previsíveis consequências que a cada caso
incumbem.
( Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo, Estado de S.
Paulo; VEJA )
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