segunda-feira, 27 de abril de 2015

Perfil de Lula

                                       

         Reconheço a pretensão, e por isso me apresso em dizer que todo retrato de Luiz Inácio Lula da Silva será necessariamente incompleto. Como todos os personagens maiores da história do Brasil, a sua imagem será em vida imperfeita, pelos detalhes de que a História é avara.

         De qualquer forma, os contemporâneos têm sobre os pósteros a vantagem da possibilidade de algum contato pessoal, o que sempre ajuda nesse trabalho que sói ser feito a milhares de mãos.

         Do rápido contato que me tocou ter com o Presidente Lula, é meu dever dizer que na sua brevidade mostrou pessoa afável e mesmo disposta a um gesto de cortesia para com o anfitrião, o que decerto o distingue de pronto de sua sucessora.

         Posto que essas imagens instantâneas tragam luzes que são vedadas a muitos, mas sobre tudo aos pósteros, elas ajudam a conformar  primeiro esboço de personalidade.

         Como todos os personagens da História, eles refletem uma época. O problema maior do contemporâneo, é que tal obra ainda não está completa, e o ser político – e não por própria vontade – sobretudo quando está entre os grandes, leva a ser mais arredio a intentos que busquem retratá-lo.

         Pela natureza de sua trajetória, tais imagens tendem a sofrer ou a receber infindáveis retoques, que às vezem podem até confundir, pois nessa infinidade de traço há os que engrandecem, ou contrariam, ou enganam, ou diminuem e até desfiguram. Não só pelo simples fato de viver, mas também pela circunstância de manter-se relevante, essas impressões podem ser de extrema mutabilidade.

        Não estarei adiantando muito se aditar que o ex-Presidente Lula, pela sua importância política, é um desses personagens cujo arco existencial inclui o aprendizado na pobreza, rápida passagem pela escola primária, a labuta como torneiro mecânico (marcada, como a tantos outros, por acidente), a ascensão na liderança sindical, as próprias qualidades e a peculiaridade do momento a empurrá-lo para outra liderança, que incluiria o itinerário pela prisão política, e a longa caminhada, à testa de um partido, a princípio radical e jacobino, até a chegada à presidência.

        A permanência por longo tempo seja no poder, seja nas cercanias do poder – como é o caso atualmente – pode afetar a leitura que os contemporâneos façam de sua travessia. Lula não é figura solitária na América Latina, como nos repete Ferreira Gullar. O seu tempo também é o de Hugo Chávez, na Venezuela, de Evo Morales, na Bolívia, Rafael Correa no Equador, e dos Kirchner na Argentina.

         O velho populismo neles está presente, e com as distinções nacionais, surge também no Brasil. O petismo de Lula tem várias caras, algumas ostensivas, como a do mergulho imediato nos gastos correntes e no aparelhamento do Estado. As ocultas, cuida o tempo de entremostra-las.

         Lula professa ter azia à leitura. Não deveria tê-lo, porque o convívio com o poder é um exercício desgraçado, em que o veludo das benesses pode trazer outras experiências, não tão macias e agradáveis.

          Por mais que os fâmulos e os cortesãos busquem alisar e polir as engrenagens da máquina do poder, a longa permanência e ainda maiores ambições costumam soprar e até mesmo ciciar róseos projetos que buscam contrariar a ordem das coisas, e até subverte-la na perene ilusão de um poder que eterno seja.

          De certa forma, lá dentro na câmara recôndita, o retrato impiedoso que pinta a realidade – que, na verdade, é a segunda natureza do eterno aprendiz – e que, com o passar do tempo, não será de contemplação agradável - lá permanece, solerte e importuno, e sempre à disposição do personagem.

        Assim, as velhas, cediças ilusões – desta vez será diferente! – são alucinações, que se acreditam passageiras. E, em verdade, elas o são, mas com uma diferença. Tudo no homem é transitório, até mesmo a húbris, esse fenômeno que a todos visita, e que pode até impressionar, mas há de se esgarçar e até evaporar, como as antigas civilizações, de que o vulgo pensa ter na bênção da ignorância a falaz oportunidade de ignorá-la.

        Pouco importa se ignora dos efeitos da máxima de Lord Acton. Mas não é mister muitas leituras, para que se apreenda que o poder é figura ambígua, que a alguns engrandece, e a outras apequena.

        Ao contrário das nuvens, cuja volubilidade é extrema, e a cada passo mostram cenário diverso – e há quem por isso as compare à política – o fantástico retrato de que falei acima, na verdade, não é que a realidade. Por mais que se busque escondê-la, ela há de repontar sempre, com as previsíveis consequências que a cada caso incumbem.

 

( Fontes:  O Globo, Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo; VEJA )  

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