Há datas que se
festejam e outras que se assinalam. Em 1915, o Império Otomano iniciou, segundo
muitos, sistemático trucidamento da população armênia. Pensando no exemplo
moderno de genocídio – a matança da
etnia tutsi pela liderança hutu em Ruanda – o trauma dessa loucura
pode ser vivido nos seus múltiplos exemplos de mortífera insânia, por mais
difícil que se imaginar possa este domínio de èÜíáôïò
sobre æùÞ[1] -
em que tal fenômeno explode de forma desorganizada, porém geral, o ódio da
etnia hutu voltando-se contra os tutsi, supostamente favorecidos. Esse
massacre contemporâneo, manchado por cumplicidades e uma série de omissões de
autoridades internacionais e países, tem sido objeto de estudos e esforços no
sentido de colocar defesas na consciência governamental das eventuais fraquezas
que conduziram à desgraça coletiva.
Por sua vez, o
genocídio armênio continua sendo contestado pelo negativismo do atual Estado
turco, que se recusa a admitir-lhe a ocorrência. O então Império Otomano estava
na fase derradeira de seu processo tricentenário de dissolução. Depois de
derrubar o Império Bizantino, na data que marca o fim da Idade Média, e o
início da época moderna, com a queda de Constantinopla em 1453, sob o último
dos Paleologos, os turcos se tornaram
a ameaça para o Ocidente, ameaça esta que a batalha naval de Lepanto, de
que até Miguel de Cervantes[2]
participara, marcaria o começo do fim de sua expansão.
Além da própria
existência, os armênios também sofreram o confisco de suas terras. As
tentativas modernas de reavê-las se chocam contra o muro dos cartórios turcos.
Até mesmo a
argumentação turca contra o genocídio do milhão e meio de armênios claudica no
número atribuído pelo governo de Ancara. Ao invés desse milhão e meio, o número
de armênios mortos seria apenas de
trezentos mil. Ora, reconhecer um quinto do total de vítimas nessa ordem de
grandeza parece, para bom entendedor, a admissão de grande mortandade que não
chegaria, entretanto, a atingir o coeficiente de genocídio...
Ainda no
século XX, no começo dos anos oitenta, uma facção armênia apelou para o
terrorismo seletivo, atingindo a representantes do Estado turco, em especial
diplomatas. Alguns deles foram assassinados, outros feridos gravemente, gerando
tensão nas representações turcas.
Na época, as
recepções que promoviam – as embaixadas costumam realizar coquetéis nas suas
datas nacionais – tinham uma característica adicional. Poderia haver atentados,
e por isso o comparecimento pecava por muitas – e compreensivas – ausências. Houve
até chefe de missão que foi contrariado com altaneria por secretário a quem
buscara impingir como seu representante em evento programado para a missão
turca...
Anedotas à
parte, existia, no entanto, real ameaça aos embaixadores e secretários da
Turquia no estrangeiro. Era o longo braço dos sacrificados pelo genocídio.Entrementes, cresce, com o decurso dos anos, a conscientização mundial no que tange à aceitação oficial pelos países deste magnicídio. Muitos pormenores sombrios do sacrifício imposto pela histeria do povo turco que se sentia embarcado na nave errada na Grande Guerra estão vindo à tona, inclusive as centenas de milhares de armênios que morreram de fome e sede, forçados a marcharem no deserto.
Se a
população turca atual ainda não
acredita na veracidade do genocídio dos armênios (91% negam), o processo
internacional se tem acelerado nos últimos anos, e a política intimidatória dos
regimes turcos, e em especial de Recip Erdogan já não mais está impedindo países
de peso no cenário internacional de aceitarem a realidade do genocídio. Com
Obama na presidência, Washington continuará a seguir a linha turca, mas há
numerosos outros países de relevo, como a França e a Alemanha a reconhecerem
agora o genocídio.
Nesse
contexto, o Papa Francisco, que não se tem negado tantas vezes a cortar o nó
Górdio da contemporização, recentemente reconheceu também o fato histórico como “o primeiro genocídio do século vinte”,
o que levou o irado Recip Erdogan a chamar o respectivo embaixador junto à
Santa Sé.
Mas os
países que, como carneiros, continuam a seguir a linha de Âncara vão diminuindo,
porque uma grande mentira como essa, mesmo se concerne a pequeno país, não pode
sustentar-se a longo prazo, por mais ameaças que faça a Turquia.
Não é
difícil de prever que o Itamaraty, com a baixíssima prioridade que a regente
Dilma Rousseff ora lhe concede, continuará na sua lamentável posição na rabeira
dos Estados que continuem obedecendo os ditames de Erdogan. Como em muitos
outros aspectos de resto, com a dílmica mediocridade caíndo de rijo sobre a
antiga e respeitada diplomacia brasileira.
( Fonte: CNN )
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