quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Dilma 2.0: Momentos da Posse

                                        

       Com exceção de seus aliados – inclusive os que se bandearam nos últimos tempos, com comovente disposição, ainda que camuflada pelo diáfano véu de pretensa objetividade – Dilma Rousseff, após a difícil e sofrida vitória (ainda que suavizada pela direção do TSE que preferiu o alívio dos finalmente às peripécias de suspense através dos precipícios regionais) hoje desfila na Esplanada, é empossada pelo Congresso, aonde discursa, seguindo para o Palácio do Planalto e a fala no parlatório, ladeada pelo vice Michel Temer.

      Os trinta e nove ministros, alguns dos quais só verá, mas com quem dificilmente despachará, já constituem prato indigesto, que se reunirá para o ritual banquete da foto protocolar. Dada a pulverização do poder – não dá mais nem para falar de fragmentação – muitos desses senhores e senhoras se valerão dessa oportunidade para aparecer por primeira e única vez ao lado da soberana.

     Nos dias e meses subsequentes, há de restar-lhes a iconografia do momento e a menção familiar – meninos, eu vi.

    O PT nos acostumara –  já é a quarta posse! –  à imagem de governo ágil, com ministros conhecidos e bagagem de ofício, e não aos quarenta menos um, de  agrupamento mais congolês do que de opereta, e que se detém por motivos para uns inaferráveis no limiar das míticas quatro dezenas.

     Para os cortesãos – inclusive os dependurados nos galhos da mídia – tudo isso não passa de habilidosa química para o fabrico das maiorias congressuais, seja para evitar os arreganhos da oposição, seja para montar os necessários apoios para a aturada costura de o que deve – e de o que não deve – ser aprovado.

     Esses paquidérmicos gabinetes não são peças do príncipe Poniatowski ao exibir para a Tzarina Catarina dita de todas as Rússias a suposta bem-aventurança dos camponeses de seu imenso império. Se a despesa do ilustre cortesão era una tantum, o malabarismo petista dos trinta e nove ministérios custa para a União a mesma verba se tais secretarias fossem realmente para valer.

     É o velho truque petista dos gastos correntes. Quadruplicam-se as funções, e se remunera tais senhores e senhoras (com os respectivos gabinetes e toda a coorte da burocracia), como se o acúmulo dos dispêndios se refletisse em igual eficácia na seara das medidas. Na verdade, sobrecarrega-se o Estado com inúteis dispêndios, sem que a sociedade tenha ganho equivalente.

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      Outra característica da interiorização do governo federal – medida que não é suscetível de discussão – está nas largas alamedas e espaços da capital, que parecem dificultar a presença do povo soberano em afluxos relevantes nesses grandes momentos da democracia.

      Raras vezes se observa presença significativa do Povo Soberano em tais ocasiões. Terá havido posse com maior participação. A reeleição – essa introdução oportunista em nossa Constituição – tem muitos defeitos, e um deles está na banalização da posse, eis que a cerimônia pode ser vista como o mais do mesmo. Nesse contexto, a paixão política – e mormente aquela que envolve a confirmação no mando de quem já o exerce – aí não encontra terreno propício para crescer e alastrar-se.

      Dentro desse contexto, pelo que se pode inferir da transmissão televisiva do cerimonial da posse  de Dilma Rousseff é que à ocasião faltou concurso indispensável. Parcimonioso na utilização do velho Rolls-Royce – que pelo seu reduzido trajeto em meio à vastidão dos gramados centrais da Capital federal lembra o retrato na parede, em que o pitoresco do automóvel se vê cercado por um quase deserto de gente. Se o grande público faz falta – por ser a chancela da importância cívica da solenidade – querer trazer para o velho calhambeque inglês como eventual substituto será sublinhar ainda mais a falta de conexão com a cidadania.

      Se não há entusiasmo, se não vemos a mandatária envolta na aclamação do povo, a falta de carisma estará presente, mas também se distingue a necessidade urgente de mudar o formato dessa cerimônia, que só fornece a moldura indispensável para a ocasião, se a sua suposta autenticidade repousar apenas na velha carroceria de uma relíquia histórica.

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        Não sou admirador do Senador Renan Calheiros, atual Presidente do Congresso. No entanto, em sua breve alocução, ele sublinhou com eloquência parlamentar, a urgente necessidade da reforma política no Brasil. E  para tanto, bastou-lhe uma frase: no presente, há 32 partidos em nosso país, sendo que 29 são legendas representadas no Congresso Nacional.

        A falta de bom-senso do Supremo, ao derrubar lei constitucional que introduzia a cláusula da barreira política para a representação congressual é diuturnamente corroborada pelo crescimento vegetativo das legendas partidárias. É importante que as posições ideológicas estejam representadas no parlamento, mas quando a disparidade ideológica chega a tal falta de limite, algo de muito errado foi determinado pela nossa Suprema Corte, por mais bem intencionados que estivessem os seus ministros.

         Daí a necessidade da reforma política, e a consequente tese levantada por um político de linha conservadora, logo após a fala da Presidente. Nesse contexto, não terá sido por acaso que Dilma não se referiu ao tema: decerto não terá desejo ardente por reforma política quem monta um ministério com 39 ministros.

 
            O discurso da segunda posse de Dilma Rousseff foi muito mais alentado do que o da sua primeira, em 2010. Deu-me a impressão, pela sua elocução burocrática e pelo tom monocórdio da exposição, de que assistia à ritual cerimônia de leitura de novo programa de governo de parte da Secretária-geral de um ressurreto PCUS, passando em revista a sua atuação e projetos programáticos, diante da silente e respeitosa audiência dos secretários-adjuntos e da militância selecionada. Eram esses longos relatórios que faziam as delícias dos kremlinologistas, na sua busca de distinções e de possíveis tendências divergentes no partido-dirigente, e na interpretação de cuidadosos sinais de inflexões vindouras, a serem objeto de extensos artigos nos jornais ocidentais.

            Dilma não é oradora. Falta-lhe a cadência e mesmo a vontade. No entanto, até o público mais bem comportado e oficialista terá cabeceado às vezes pela insistente ausência de pathos e de alguma emoção no discurso da Presidenta.

           Se ela contornou a crise do Petrolão,  sua argumentação me pareceu formal e pouco convincente.  Seu criador, Lula da Silva, cujos dotes oratórios são inegáveis, não sei se seria mais persuasivo, porém decerto trataria de mais impactar a audiência, e de sacudir um tanto a modorra da elocução burocrática.

           Dentre as omissões do longo discurso-relatório, foi gritante a omissão de qualquer aceno à oposição. Nisso reponta o velho traço dirigista e um tanto absolutista do Partido dos Trabalhadores.

          Não será entoando loas à vocação do PT e de seu governo à representação das aspirações populares que se logrará ignorar ou dissimular a desagradável verdade de que a quase metade dos brasileiros votou por um candidato de outro partido.

 
Fonte:  Rede Globo )

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