Com exceção de
seus aliados – inclusive os que se bandearam nos últimos tempos, com comovente
disposição, ainda que camuflada pelo diáfano véu de pretensa objetividade –
Dilma Rousseff, após a difícil e sofrida vitória (ainda que suavizada pela
direção do TSE que preferiu o alívio dos finalmente
às peripécias de suspense através dos
precipícios regionais) hoje desfila na Esplanada, é empossada pelo Congresso,
aonde discursa, seguindo para o Palácio do Planalto e a fala no parlatório,
ladeada pelo vice Michel Temer.
Os trinta e nove
ministros, alguns dos quais só verá, mas com quem dificilmente despachará, já
constituem prato indigesto, que se reunirá para o ritual banquete da foto
protocolar. Dada a pulverização do
poder – não dá mais nem para falar de fragmentação
– muitos desses senhores e senhoras se valerão dessa oportunidade para aparecer
por primeira e única vez ao lado da soberana.
Nos dias e meses
subsequentes, há de restar-lhes a iconografia do momento e a menção familiar –
meninos, eu vi.
O PT nos acostumara
– já é a quarta posse! – à imagem de governo ágil, com ministros
conhecidos e bagagem de ofício, e não aos quarenta menos um, de agrupamento mais congolês do que de opereta, e
que se detém por motivos para uns inaferráveis no limiar das míticas quatro
dezenas.
Para os cortesãos
– inclusive os dependurados nos galhos da mídia – tudo isso não passa de
habilidosa química para o fabrico das maiorias congressuais, seja para evitar
os arreganhos da oposição, seja para montar os necessários apoios para a
aturada costura de o que deve – e de o que não deve – ser aprovado.
Esses
paquidérmicos gabinetes não são peças do príncipe Poniatowski ao exibir para a
Tzarina Catarina dita de todas as Rússias a suposta bem-aventurança dos
camponeses de seu imenso império. Se a despesa do ilustre cortesão era una tantum, o malabarismo petista dos trinta
e nove ministérios custa para a União a mesma verba se tais secretarias
fossem realmente para valer.
É o velho truque
petista dos gastos correntes. Quadruplicam-se as funções, e se remunera tais
senhores e senhoras (com os respectivos gabinetes e toda a coorte da burocracia),
como se o acúmulo dos dispêndios se refletisse em igual eficácia na seara das
medidas. Na verdade, sobrecarrega-se o Estado com inúteis dispêndios, sem que a
sociedade tenha ganho equivalente.
* *
Outra
característica da interiorização do governo federal – medida que não é
suscetível de discussão – está nas largas alamedas e espaços da capital, que
parecem dificultar a presença do povo soberano em afluxos relevantes nesses
grandes momentos da democracia.
Raras vezes se
observa presença significativa do Povo Soberano em tais ocasiões. Terá havido
posse com maior participação. A reeleição – essa introdução oportunista em
nossa Constituição – tem muitos defeitos, e um deles está na banalização da
posse, eis que a cerimônia pode ser vista como o mais do mesmo. Nesse contexto,
a paixão política – e mormente aquela que envolve a confirmação no mando de
quem já o exerce – aí não encontra terreno propício para crescer e alastrar-se.
Dentro desse
contexto, pelo que se pode inferir da transmissão televisiva do cerimonial da
posse de Dilma Rousseff é que à ocasião
faltou concurso indispensável. Parcimonioso na utilização do velho Rolls-Royce –
que pelo seu reduzido trajeto em meio à vastidão dos gramados centrais da
Capital federal lembra o retrato na parede, em que o pitoresco do automóvel se
vê cercado por um quase deserto de gente. Se o grande público faz falta – por ser
a chancela da importância cívica da solenidade – querer trazer para o velho
calhambeque inglês como eventual substituto será sublinhar ainda mais a falta
de conexão com a cidadania.
Se não há
entusiasmo, se não vemos a mandatária envolta na aclamação do povo, a falta de
carisma estará presente, mas também se distingue a necessidade urgente de mudar
o formato dessa cerimônia, que só fornece a moldura indispensável para a
ocasião, se a sua suposta autenticidade repousar apenas na velha carroceria de
uma relíquia histórica.
* *
Não sou admirador do Senador Renan Calheiros,
atual Presidente do Congresso. No entanto, em sua breve alocução, ele sublinhou
com eloquência parlamentar, a urgente necessidade da reforma política no
Brasil. E para tanto, bastou-lhe uma
frase: no presente, há 32 partidos em nosso país, sendo que 29 são legendas
representadas no Congresso Nacional.
A falta de
bom-senso do Supremo, ao derrubar lei constitucional que introduzia a cláusula
da barreira política para a representação congressual é diuturnamente
corroborada pelo crescimento vegetativo das legendas partidárias. É importante
que as posições ideológicas estejam representadas no parlamento, mas quando a
disparidade ideológica chega a tal falta de limite, algo de muito errado foi
determinado pela nossa Suprema Corte, por mais bem intencionados que estivessem
os seus ministros.
Daí a
necessidade da reforma política, e a consequente tese levantada por um político
de linha conservadora, logo após a fala da Presidente. Nesse contexto, não terá
sido por acaso que Dilma não se referiu ao tema: decerto não terá desejo
ardente por reforma política quem monta um ministério com 39 ministros.
O discurso
da segunda posse de Dilma Rousseff foi muito mais alentado do que o da sua
primeira, em 2010. Deu-me a impressão, pela sua elocução burocrática e pelo tom
monocórdio da exposição, de que assistia à ritual cerimônia de leitura de novo
programa de governo de parte da Secretária-geral de um ressurreto PCUS,
passando em revista a sua atuação e projetos programáticos, diante da silente e
respeitosa audiência dos secretários-adjuntos e da militância selecionada. Eram
esses longos relatórios que faziam as delícias dos kremlinologistas, na sua busca de distinções e de possíveis tendências
divergentes no partido-dirigente, e na interpretação de cuidadosos sinais de
inflexões vindouras, a serem objeto de extensos artigos nos jornais ocidentais.
Dilma não
é oradora. Falta-lhe a cadência e mesmo a vontade. No entanto, até o público mais
bem comportado e oficialista terá cabeceado às vezes pela insistente ausência
de pathos e de alguma emoção no discurso da Presidenta.
Se ela contornou a crise do Petrolão, sua argumentação me pareceu formal e pouco
convincente. Seu criador, Lula da Silva,
cujos dotes oratórios são inegáveis, não sei se seria mais persuasivo, porém decerto
trataria de mais impactar a audiência, e de sacudir um tanto a modorra da
elocução burocrática.
Dentre as omissões do longo
discurso-relatório, foi gritante a omissão de qualquer aceno à oposição. Nisso
reponta o velho traço dirigista e um tanto absolutista do Partido dos
Trabalhadores.
Não será
entoando loas à vocação do PT e de seu governo à representação das aspirações
populares que se logrará ignorar ou dissimular a desagradável verdade de que a
quase metade dos brasileiros votou por um candidato de outro partido.
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