quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Palestina adere à CPI


                                  

         O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, diante de ulterior prova de que o governo dos Estados Unidos não está interessado em terminar com a ilegal ocupação dos territórios palestinos por Israel, resolveu cruzar o Rubicão e assumir postura de país com igualdade de direitos no campo internacional.

         Que prova foi esta? Com efeito, diante das resoluções aprovadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas– que, no papel, deveria garantir a soberania palestina nos territórios da margem ocidental do Jordão, territórios esses que ultimamente vem sendo objeto de descarada e ilegal ocupação pelos chamados colonos israelenses, com o resoluto apoio do gabinete de Benjamin Netanyahu – a posição palestina é inatacável.

        Mais uma resolução no Conselho de Segurança foi derrotada – na verdade, tal ‘derrota’ resulta apenas do voto contrário de Washington, eis que os Estados Unidos é uma das cinco grandes potências que detém o veto naquele organismo. Cansado das promessas da Casa Branca – que não são mantidas quando atingidos os interesses de Israel, ainda que manifestamente contrários ao direito internacional e seus precedentes – o presidente Mahmoud Abbas resolveu afinal agir.

        O que acionou a reação palestina foi a enésima derrota de resolução que determina o fim da ocupação israelense do território palestino em 2017. Diante de mais um malogro da orientação de confiar em Washington como gestor honesto (honest broker) das relações israelo-palestinas, o ultramoderado Mahmoud Abbas se cansou das negaças da Administração Obama, e resolveu valer-se de sua carta de última instância.

        Desiludido pelas contínuas protelações do State Department, e de mais uma enésima prova de que na hora da onça beber água, Tio Sam estará sempre ao lado de Israel, assim se manifestou – e agiu – o Presidente da Autoridade Palestina:

        “Há uma agressão praticada contra nossa terra e nosso país, e o Conselho de Segurança nos deixou de lado (let us down): para onde nos resta ir ?”

          Esta foi a declaração do ultramoderado presidente Abbas, no seu gabinete na Cidade de Ramallah, na Margem ocidental do rio Jordão, ao assinar, afinal, o Estatuto de Roma, a Carta da Corte Penal Internacional, assim como outros 21 tratados e convenções internacionais.

          Mahmoud Abbas, cuja popularidade despencara desde a última guerra entre o Hamas e Israel, estava com as costas na parede diante da pressão popular e de outros líderes palestinos para ingressar na Corte da Haia.

           Entre a cruz e a caldeirinha, espanta que Mahmoud Abbas haja esperado tanto antes de tomar a decisão. “O nosso propósito é queixar-nos para essa organização. Enquanto não há paz, e o mundo não dá prioridade à paz na região, a região há de viver em conflito constante. A causa da Palestina é uma questão básica que clama por ser resolvida.”

            Diante do manifesto desrespeito do gabinete Netanyahu e de Israel ao direito internacional, e às inúmeras resoluções do Conselho de Segurança que criam condições de paz no Oriente Médio e em particular na margem ocidental do Jordão, o recurso à Corte da Haia era porta aberta que agora Abbas, com a sua posição reforçada, resolve enfim adentrar.

               Nesse contexto, a Autoridade Palestina terá todas as condições para pôr em juízo a ilegal e invasiva política israelita. Ao tornar-se membro da Corte da Haia, o governo de Mahmoud Abbas disporá das necessárias condições para colocar no banco dos réus não só a política de colonização israelense (feita sempre às expensas do povo palestino), assim como as abusivas operações militares do Tsahal.

                A própria resposta do governo estadunidense e do Estado clientelar israelense trai, pela dureza de seus termos, a irremediável fraqueza de sua posição, eis que só recorrem à ameaça crua e sanhuda aqueles governos sem outra escolha senão a de  postura imperialista. Com efeito, não lhes resta outro recurso senão apelar para a força e a sua próxima parente, que é a tentativa de intimidação.

                Para manter a atual situação de vassalagem a que está ora submetida a Autoridade Palestina, são brandidos diversos espantalhos e também sérias ameaças para desestabilizar a causa palestina.

                Antes que possa acionar a Corte da Haia, a Autoridade Palestina terá de aguardar sessenta dias, para submeter à Corte as próprias causas. Não há dúvida de que estarão devidamente documentadas em todos os seus aspectos de desrespeito aos direitos do Povo palestino. A insolente e manifesta expropriação de terras palestinas, instrumentalizada pelo Gabinete Netanyahu, é feita com a sutileza e a arrogância da ocupação militar.

                 Cansado de bater diante de porta que, na prática, está fechada, o ‘moderado’ Mahmoud Abbas  surpreendera a Casa Branca e o cliente Israel, ao aderir a quinze tratados e convenções internacionais, depois que nove meses das sólitas conversações diplomáticas guiadas por Washington estavam prestes a malograr.  Os instrumentos internacionais a que aderiu a Autoridade Palestina são as quatro Convenções de Genebra de 1949, e os protocolos adicionais de 1977 sobre as leis da guerra, a par daqueles que tratam da discriminação contra mulheres e crianças.

                 É interessante notar que, salvo erro ou omissão, até hoje o Brasil não firmou alguns desses protocolos adicionais de Genebra, muito provavelmente por temor de desagradar as instâncias internas castrenses.

                Assinale-se que a relação entre a superpotência Estados Unidos e o estado clientelar de Israel já mudou bastante desde a criação do Estado israelense pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1947, e sobretudo a partir da presidência Richard Nixon e de Henry Kissinger como Secretário de Estado – quando na prática a relação de influência se inverteu. Cresceu o poder intimidatório de Israel nas relações com a Casa Branca, dada a popularidade do estado judaico no Congresso americano. Assim, houve relativa inversão nas relações entre cliente e potência tutelar. A força de Tel-Aviv se baseia notadamente no seu peso político objetivo junto ao eleitorado americano, o que tem desaconselhado os primeiros mandatários da Superpotência a tomarem posições que possam ser interpretadas como contrárias aos interesses de Israel. A atitude de Barack Obama, no particular, é bastante ilustrativa. Desde a sua posse em 2009, malgrado as suas relações pessoais com Bibi Netanyahu não sejam próximas (este apoiou abertamente Mitt Romney, o candidato republicano em 2012) ele  não ousou mostrar maior equilíbrio na mediação entre os dois países. Por isso, se vê a reboque das posições de Israel, como no recente veto à resolução que poria fim à ocupação israelense em 2017. De nada valeram nesse sentido os apelos do ultramoderado Abbas.  

 

( Fontes:  The New York Times, Estados Unidos –Visões Brasileiras (v. a pp 109-337 contribuição de minha autoria )

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