Anunciado ontem pelo Presidente
Barack Obama e por Raul Castro, o reatamento de relações diplomáticas entre os
dois países veio surpreender o mundo, após ruptura que durou 53 anos.
De uma certa
forma, a força inercial de congelamento oriundo da guerra fria, passara a fazer
parte da paisagem. Presos pelas retóricas respectivas, Washington, condicionado
pelo núcleo de oposição da comunidade cubana exilada na Flórida, e Havana prisioneira do próprio antagonismo, que lhe
servia para o enrijecimento da contraposição, um fácil pretexto para dissimular
a respectiva situação político-econômica.
Em seu
segundo mandato, e sem mais eleições por enfrentar, Obama pode inovar no
capítulo. Por sua vez, para a gerontocracia cubana, diante da endêmica crise
sócio-econômica do antigo polo revolucionário, não tem outra saída, senão
recompor relações com a besta-fera do passado.
Mais uma vez,
o Papa Francisco comparece com bom senso
e vistas largas. Nos bastidores, Sua Santidade trabalhou sobretudo pela sofrida
comunidade católica cubana, eis que através dessa abertura de janelas e de
canais de intercâmbio, os novos ares serão benéficos para recanto que mais
semelhava umas dessas paragens geográficas votadas ao marasmo senão ao
retrocesso social, político e econômico.
Antes de
ocupar-me das perspectivas do reatamento diplomático, e dos novos horizontes,
peço licença aos meus leitores para relembrar a contribuição do Presidente
Jimmy Carter, desde que Dwight D.
Eisenhower e John F. Kennedy, de um lado, e Fidel Castro, de outro, criaram um impasse de meio-século.
Por uma série
de circunstâncias, Carter (1977-1981) integraria essa parcela ‘maldita’ de
presidentes de um só mandato. A crise dos reféns americanos no Irã e o malogrado intento de liberá-los por
operação especial, decretaria a derrota de Jimmy Carter, o 39º presidente dos Estados Unidos, para o
candidato republicano, Ronald Reagan. Apesar de intelectual e culturalmente
inferior ao democrata Carter, Reagan pela sua personalidade e vontade surgiu
para o eleitorado estadunidense, em hora difícil, como o mandatário para aquela
ocasião histórica.
Carter, no
entanto, se tinha alguns defeitos, não lhe faltou bom senso na área
diplomática, tendo inclusive colaborado para a normalização das relações de
Washington e Beijing. Por outro lado, Jimmy Carter quebrou o marasmo nas
relações cubano-americanas com a criação de escritórios diplomáticos em Havana
e Washington. Dadas as suas contribuições para a agilização das relações,
subsistiam poucas dúvidas de que Carter as normalizaria no seu nível pleno se
fosse eleito para um segundo mandato. Infelizmente, as páginas da História não
puderam registrar tal fato, eis que, com o direitista R.Reagan não havia lugar
para tais ousadias, e por isso as relações cubano-americanas, com algumas
melhoras periféricas, permaneceram onde estavam desde a partida de Jimmy
Carter.
Mas voltemos
ao 44º presidente. Sem mais futuro político-eleitoral, Barack Obama pode
intentar o que para os demais seria impossível politicamente falando. Tem ele
pela frente, no entanto, uma situação difícil. Não se trata apenas de derrubar
o embargo econômico e financeiro que sufoca as relações entre os dois países.
Não surgiu decerto por acaso a existência desse gigantesco obstáculo ao desenvolvimento
do intercâmbio, assim como à normalização econômico-financeira entre os dois
países. O estrangulamento da frágil economia cubana diante do colosso americano
colheu apenas como objetivo o sofrimento da população em Cuba. As medidas que
constituem o monstruoso embargo surgiram para satisfazer a comunidade
cubano-americana, que instalou-se e cresceu na Flórida.
Não
surpreende tampouco que a mor parte de quem apoie o embargo – e quem induziu
demagogos a introduzirem medidas ainda mais restritivas – são os exilados
cubanos, hoje residentes na Flórida, e cujo número constitui trunfo relevante
do Partido Republicano.
E diante da
medida de Obama, quebrando com uma ruptura de meio-século, não desperta nenhuma
surpresa que a caterva republicana venha em peso opor-se à iniciativa de Barack
Obama.
Politicamente, os céus do Capitólio não induzem a otimismo. Assim, o
Speaker da Camara de Representantes, John A. Boehner e o Senador Marco Rubio
(Rep/Fl.), este filho de imigrantes cubanos, se opõem à queda do embargo.
Tampouco diferem da negativa a mexer no embargo o futuro líder da maioria (republicana) no
Senado, Mitch McConnell, o Senador Ted Cruz (Rep/Tx) e o ex-governador da
Flórida (e aspirante à designação presidencial) Jeb Bush.
Como se
sabe, um pouco por responsabilidade própria, Barack Obama iniciará o seu biênio
terminal na Casa Branca, rodeado por um Congresso dominado pelo GOP.
A Câmara de Representantes é republicana desde 2010, com o shellacking (tunda), que proporcionou ao
Grand Old Party a oportunidade única
de construir maioria estável na Câmara Baixa, com a ajuda do recenseamento
decenal conduzido judiciosamente por diversas assembléias estaduais com o domínio do GOP, que trataram de através do gerrymandering
transformar o ganho ocasional em permanente.
O estado da Câmara de Representantes se tornou reflexo disso, e sabe-se
lá quando será possível remediar à tal anômala situação.
Barack
Obama, com todas as suas debilidades, mostra ao que veio. O seu apoio aos
latinos (no caso a comunidade latino-americana, que favorece nas urnas aos
democratas, e por boas razões) e a reforma da imigração deverá melhorar a
situação dos antigos ilegais. Também na
saúde, mesmo com alguns defeitos, o guarda-chuva do ACA deverá permanecer,
malgrado a peçonhenta oposição da direita republicana.
E agora,
só para incomodar os republicanos de boa
cepa – a nobre vanguarda do atraso – não é que Obama vem com a normalização das
relações com Cuba, e até intenta acabar com o embargo, esse instrumento de
sufocação do povo cubano ?
( Fontes:
The New York Times, Folha de S. Paulo )
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