quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

EUA e Cuba reatam relações

                                

          Anunciado ontem pelo Presidente Barack Obama e por Raul Castro, o reatamento de relações diplomáticas entre os dois países veio surpreender o mundo, após ruptura que durou 53 anos.

          De uma certa forma, a força inercial de congelamento oriundo da guerra fria, passara a fazer parte da paisagem. Presos pelas retóricas respectivas, Washington, condicionado pelo núcleo de oposição da comunidade cubana exilada na Flórida, e Havana  prisioneira do próprio antagonismo, que lhe servia para o enrijecimento da contraposição, um fácil pretexto para dissimular a respectiva situação político-econômica.

          Em seu segundo mandato, e sem mais eleições por enfrentar, Obama pode inovar no capítulo. Por sua vez, para a gerontocracia cubana, diante da endêmica crise sócio-econômica do antigo polo revolucionário, não tem outra saída, senão recompor relações com a besta-fera do passado.

        Mais uma vez, o Papa Francisco comparece com  bom senso e vistas largas. Nos bastidores, Sua Santidade trabalhou sobretudo pela sofrida comunidade católica cubana, eis que através dessa abertura de janelas e de canais de intercâmbio, os novos ares serão benéficos para  recanto que mais semelhava umas dessas paragens geográficas votadas ao marasmo senão ao retrocesso social, político e econômico.

       Antes de ocupar-me das perspectivas do reatamento diplomático, e dos novos horizontes, peço licença aos meus leitores para relembrar a contribuição do Presidente Jimmy Carter,  desde que Dwight D. Eisenhower e John F. Kennedy, de um lado, e Fidel Castro, de outro, criaram  um impasse de meio-século.

       Por uma série de circunstâncias, Carter (1977-1981) integraria essa parcela ‘maldita’ de presidentes de um só mandato. A crise dos reféns americanos no Irã  e o malogrado intento de liberá-los por operação especial, decretaria a derrota de  Jimmy Carter, o  39º presidente dos Estados Unidos, para o candidato republicano, Ronald Reagan. Apesar de intelectual e culturalmente inferior ao democrata Carter, Reagan pela sua personalidade e vontade surgiu para o eleitorado estadunidense, em hora difícil, como o mandatário para aquela ocasião histórica.

       Carter, no entanto, se tinha alguns defeitos, não lhe faltou bom senso na área diplomática, tendo inclusive colaborado para a normalização das relações de Washington e Beijing. Por outro lado, Jimmy Carter quebrou o marasmo nas relações cubano-americanas com a criação de escritórios diplomáticos em Havana e Washington. Dadas as suas contribuições para a agilização das relações, subsistiam poucas dúvidas de que Carter as normalizaria no seu nível pleno se fosse eleito para um segundo mandato. Infelizmente, as páginas da História não puderam registrar tal fato, eis que, com o direitista R.Reagan não havia lugar para tais ousadias, e por isso as relações cubano-americanas, com algumas melhoras periféricas, permaneceram onde estavam desde a partida de Jimmy Carter.

        Mas voltemos ao 44º presidente. Sem mais futuro político-eleitoral, Barack Obama pode intentar o que para os demais seria impossível politicamente falando. Tem ele pela frente, no entanto, uma situação difícil. Não se trata apenas de derrubar o embargo econômico e financeiro que sufoca as relações entre os dois países. Não surgiu decerto por acaso a existência desse gigantesco obstáculo ao desenvolvimento do intercâmbio, assim como à normalização econômico-financeira entre os dois países. O estrangulamento da frágil economia cubana diante do colosso americano colheu apenas como objetivo o sofrimento da população em Cuba. As medidas que constituem o monstruoso embargo surgiram para satisfazer a comunidade cubano-americana, que instalou-se e cresceu na Flórida.

           Não surpreende tampouco que a mor parte de quem apoie o embargo – e quem induziu demagogos a introduzirem medidas ainda mais restritivas – são os exilados cubanos, hoje residentes na Flórida, e cujo número constitui trunfo relevante do Partido Republicano.

           E diante da medida de Obama, quebrando com uma ruptura de meio-século, não desperta nenhuma surpresa que a caterva republicana venha em peso opor-se à iniciativa de Barack Obama.

           Politicamente, os céus do Capitólio não induzem a otimismo. Assim, o Speaker da Camara de Representantes, John A. Boehner e o Senador Marco Rubio (Rep/Fl.), este filho de imigrantes cubanos, se opõem à queda do embargo. Tampouco diferem da negativa a mexer no embargo o futuro líder da maioria (republicana) no Senado, Mitch McConnell, o Senador Ted Cruz (Rep/Tx) e o ex-governador da Flórida (e aspirante à designação presidencial) Jeb Bush.

            Como se sabe, um pouco por responsabilidade própria, Barack Obama iniciará o seu biênio terminal na Casa Branca, rodeado por um Congresso dominado pelo GOP.  A Câmara de Representantes é republicana desde 2010, com o shellacking (tunda), que proporcionou ao Grand Old Party a oportunidade única de construir maioria estável na Câmara Baixa, com a ajuda do recenseamento decenal conduzido judiciosamente por diversas assembléias estaduais com o domínio do GOP, que trataram de através do gerrymandering transformar o ganho ocasional em permanente.  O estado da Câmara de Representantes se tornou reflexo disso, e sabe-se lá quando será possível remediar à tal anômala situação.   

            Barack Obama, com todas as suas debilidades, mostra ao que veio. O seu apoio aos latinos (no caso a comunidade latino-americana, que favorece nas urnas aos democratas, e por boas razões) e a reforma da imigração deverá melhorar a situação dos antigos ilegais.  Também na saúde, mesmo com alguns defeitos, o guarda-chuva do ACA deverá permanecer, malgrado a peçonhenta oposição da direita republicana.

            E agora, só para incomodar  os republicanos de boa cepa – a nobre vanguarda do atraso – não é que Obama vem com a normalização das relações com Cuba, e até intenta acabar com o embargo, esse instrumento de sufocação do povo cubano ?

 

( Fontes:  The New York Times, Folha de S. Paulo )

Nenhum comentário: