Houve nesta semana súbito reforço do movimento
da população de Hong Kong, que se propôs ocupar a (parte) central da cidade “com
paz e amor”, na renovada série de manifestações sempre a favor da via
democrática para a seleção dos novos líderes da cidade através do sufrágio popular
– dentre aqueles candidatos espontaneamente apresentados e não por meio de lista
de nomes adrede preparada pelo governo central de Beijing.
Em
consequência, diante do endurecimento da posição do chefe do executivo local Leung Chun-ying, a brutalidade das
formações policiais recrudesceu. Dizendo que os novos atos eram ‘intoleráveis’,
em linguagem mais áspera aduziu o chefe Leung:
“Não confundam
nossa tolerância com falta de habilidade para lidar com o ‘Occupy’. Peço aos estudantes que estão planejando voltar nesta
noite aos locais de ocupação que não o
façam.”
Como seria
previsível, os estudantes não obedeceram, e os choques com as forças ditas da
ordem se tornaram inevitáveis. Nesse
novo entrevero entre policiais e manifestantes, aumentou – e não terá sido sem
determinação da chefia – a violência dos meganhas, que reprimiram os protestos
pacíficos com marcada força.
Pela tenacidade,
o movimento de Hong Kong em prol da democracia tem alguma semelhança com as
manifestações da Praça Tiananmen, em
junho de l989. Nesse contexto, existe compreensível inquietude de que os atuais
embates venham a abrir as cancelas aos horrores de então, com desenvolvimentos
similares aos do nefando massacre de estudantes na Praça da Paz Celestial.
A persistência
dos atuantes em Hong Kong é a mesma dos seus antecessores quando do movimento
de Tiananmen, que surgira com as manifestações de pesar entre os estudantes
pelo desaparecimento de Hu Yaobang, ex-secretário-geral do
partido. Afastado da chefia do PCC – por causa de sua linha liberalizante - por
Deng Xiaoping, a própria súbita morte
catalisou a revoltada tristeza dos universitários, agravada pela maneira com
que foram cortadas pelo mando no partido as populares reformas de Hu.
Em Hong-Kong,
os estudantes também se levantam pelo desrespeito de Beijing e de seu
representante Leung ao acordado quando da passagem da antiga colônia britânica
ao domínio chinês. O respeito à democracia, que fora a pré-condição colocada
por Londres para o retorno de Hong Kong
à China - um país, dois sistemas – está na base da criação da Zona especial,
em que prevalece marcada liberdade política, o que não se vislumbra na China
Continental. Daí decorre a qualificação do
Primeiro Ministro britânico, David
Cameron, ao questionar a decisão de Beijing – anunciando que denegaria a entrada de comissão de parlamentares
britânicos - como “equivocada e contraproducente”.
Todo regime
autoritário tem pés de barro, e não se arrisca a coexistir com disposições
democráticas. É esse visceral temor da ameaça de mudança no regime que norteia
as decisões muita vez paranóicas das instâncias centrais de Beijing (V. a
respeito o livro, comentado no blog, de Evan Osnos sobre a China).
Por isso, Beijing
e seu partido comunista, não poderão concordar com a escolha livre de
personalidades que se proponham concorrer
ao governo da antiga colônia. Esse voto livre implicaria na negação do regime verticalista
do atual partido, cuja única ideologia se aferra ao mando absoluto. Daí, a
fraqueza das autoridades do atual governo Xi
Jinping – e dos anteriores. Está na raiz dessa debilidade – que é o temor
pânico de serem varridos do poder por movimento constitucional-democrático – o temor
patológico de qualquer intento reformista, ou que abra exceção, ao poder absolutista
de Beijing.
Liu Xiaobo,
o Nóbel da Paz, trancafiado em masmorra interiorana, expressara na sua
peroração (ao juiz que, em formato
nazista de julgamento, chegara a reduzir-lhe
o tempo da defesa oral a pouco mais de dez minutos) que esperava fosse
a última vitima a ser condenada, dentro dos longos anais do Governo chinês de criminalizar
as palavras.
É enganosa a
força dos regimes autoritários. Como não podem conviver com o dissenso, estão
condenados ao perpétuo sofrimento daquele tirano que vê no oponente impune a
visão anunciada da própria queda.
( Fontes:CNN, O Globo, Folha de S. Paulo, Age of Ambition, de E. Osnos
).
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