quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Hong Kong, hoje a trincheira da Liberdade


                         
          Houve nesta semana súbito reforço do movimento da população de Hong Kong, que se propôs ocupar a (parte) central da cidade “com paz e amor”, na renovada série de manifestações sempre a favor da via democrática para a seleção dos novos líderes da cidade através do sufrágio popular – dentre aqueles candidatos espontaneamente apresentados e não por meio de lista de nomes adrede preparada pelo governo central de Beijing.

         Em consequência, diante do endurecimento da posição do chefe do executivo local Leung Chun-ying, a brutalidade das formações policiais recrudesceu. Dizendo que os novos atos eram ‘intoleráveis’, em linguagem mais áspera aduziu o chefe Leung:

        “Não confundam nossa tolerância com falta de habilidade para lidar com o ‘Occupy’. Peço aos estudantes que estão planejando voltar nesta noite aos locais de ocupação que não o façam.”

         Como seria previsível, os estudantes não obedeceram, e os choques com as forças ditas da ordem se tornaram inevitáveis.  Nesse novo entrevero entre policiais e manifestantes, aumentou – e não terá sido sem determinação da chefia – a violência dos meganhas, que reprimiram os protestos pacíficos com marcada força.

         Pela tenacidade, o movimento de Hong Kong em prol da democracia tem alguma semelhança com as manifestações da Praça Tiananmen, em junho de l989. Nesse contexto, existe compreensível inquietude de que os atuais embates venham a abrir as cancelas aos horrores de então, com desenvolvimentos similares aos do nefando massacre de estudantes na Praça da Paz Celestial.

         A persistência dos atuantes em Hong Kong é a mesma dos seus antecessores quando do movimento de Tiananmen, que surgira com  as manifestações de pesar entre os estudantes pelo desaparecimento de Hu Yaobang, ex-secretário-geral do partido. Afastado da chefia do PCC – por causa de sua linha liberalizante - por Deng Xiaoping, a própria súbita morte catalisou a revoltada tristeza dos universitários, agravada pela maneira com que foram cortadas pelo mando no partido as populares reformas de Hu.

        Em Hong-Kong, os estudantes também se levantam pelo desrespeito de Beijing e de seu representante Leung ao acordado quando da passagem da antiga colônia britânica ao domínio chinês. O respeito à democracia, que fora a pré-condição colocada por Londres para o retorno  de Hong Kong à China -  um país, dois sistemas – está na base da criação da Zona especial, em que prevalece marcada liberdade política, o que não se vislumbra na China Continental.  Daí decorre a qualificação do Primeiro Ministro britânico, David Cameron, ao questionar a decisão de Beijing – anunciando que denegaria  a entrada de comissão de parlamentares britânicos -  como “equivocada e contraproducente”.

        Todo regime autoritário tem pés de barro, e não se arrisca a coexistir com disposições democráticas. É esse visceral temor da ameaça de mudança no regime que norteia as decisões muita vez paranóicas das instâncias centrais de Beijing (V. a respeito o livro, comentado no blog, de Evan Osnos sobre a China).

        Por isso, Beijing e seu partido comunista, não poderão concordar com a escolha livre de personalidades que se proponham  concorrer ao governo da antiga colônia. Esse voto livre implicaria na negação do regime verticalista do atual partido, cuja única ideologia se aferra ao mando absoluto. Daí, a fraqueza das autoridades do atual governo Xi Jinping – e dos anteriores. Está na raiz dessa debilidade – que é o temor pânico de serem varridos do poder por movimento constitucional-democrático – o temor patológico de qualquer intento reformista, ou que abra exceção, ao poder absolutista de Beijing.

          Liu Xiaobo, o Nóbel da Paz, trancafiado em masmorra interiorana, expressara na sua peroração (ao juiz  que, em formato nazista de julgamento,  chegara a reduzir-lhe o tempo da defesa oral  a  pouco mais de dez minutos) que esperava fosse a última vitima a ser condenada, dentro dos longos anais do Governo chinês de criminalizar as  palavras.       

        É enganosa a força dos regimes autoritários. Como não podem conviver com o dissenso, estão condenados ao perpétuo sofrimento daquele tirano que vê no oponente impune a visão anunciada da própria queda.

 

( Fontes:CNN, O Globo, Folha de S. Paulo, Age of Ambition, de E. Osnos ).

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