quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Obscurantismo

                                           

       Mais uma vez o Talibã ataca no Paquistão. A região visada, desta feita,foi o Peshawar, no nordeste do país, em área próxima à fronteira com o Afeganistão.

       Embora simplificadas pela imprensa, naquelas paragens as responsabilidades são muitas. Em passado recente, com o intuito de dar abrigo ao talibã perseguido pelo Ocidente no próprio país, o ISI, órgão estatal paquistanês, responsável pela contra-informação e  espionagem (que constitui, em país militarizado, um poder virtualmente autônomo), tratou de abrir a fronteira com o Afeganistão, havendo o previsível influxo maciço de refugiados talibãs para o território paquistanês.

        Ali os drones[1],  uma espécie de justiceiro das forças militares da Superpotência, são mais temidos pelos talibãs do que a guarnição local. Daí o enfraquecimento da presença do estado paquistanês em Peshawar, zona em que, dentro do relativo desgoverno, o poder do talibã é componente relevante da complicada relação.

         No bárbaro ataque à Escola Pública de Graduação do Exército – e a sua seleção como alvo não foi decerto por acaso – o escopo do talibã  foi o da represália. Sem alterar-se, o porta-voz do Talibã paquistanês, Muhammad Umar Khorasani, explicou para a mídia o “porquê” da ‘operação’: ‘Escolhemos a escola do Exército para o ataque porque o governo está alvejando nossas famílias e mulheres. Nós queremos que eles sintam dor.’

         Cerca de 145 pessoas foram abatidas pelos militantes jihadistas do Talibã paquistanês. Depois de galgarem os muros do colégio militar, partiram para a matança: 132 dos chacinados eram crianças e jovens, entre dez e vinte anos, a maior parte com disparos na cabeça.  Por sua vez, escaparam feridos 121 alunos e três funcionários.

         Contra o comando suicida, o exército paquistanês levou o dia inteiro para assenhorear-se do local e retomar-lhe o controle. Após cerca de oito horas de tiroteio intenso, foram mortos todos os jihadistas, e as forças da lei paquistanesa puderam afinal  retirar do complexo escolar os sobreviventes: 960 seres humanos, entre alunos e funcionários.  Encaminharam, então, os feridos – e são muitos - aos hospitais da região.

          Há discussões sobre que tipo de talibã seja o pior. Treinados pela  guerra declarada por George W. Bush, após determinada a respectiva cumplicidade[2] no ataque às Torres Gêmeas, o talibã acabou por se tornar a principal força em terra afegã. Hoje está presente também no Paquistão, a princípio induzido pelos potentados locais, que pensaram fosse possível empregá-los como forças auxiliares nas suas diversas lutas.

          Todos esses artífices – a começar pelos americanos – de certa forma prepararam o talibã para o que ele é hoje: alguém saído da Idade Média em termos de tolerância com o outro, armado, no entanto, com os engenhos da modernidade.  Para muitos, um monstro; para outros, a esperança de afirmação étnica e cultural (se bem que a cultura aqui entre como composto de crenças e costumes).

           Neste sinistro ambiente, surgem tipos que pensam poder instrumentalizá-los. O resultado de tais atividades, em geral ditas bem-intencionadas, está aí, para gáudio de uns, e  para a condenação de muitos.

 

( Fontes:  O  Globo, The New York Times, Folha de S. Paulo)   



[1] Aviões armados e não-tripulados. Teleguiados, são uma espécie de xerife, à cata de terroristas. Ao contrário dos bandidos do Velho Oeste, aqueles devem enfrentar armas muito mais potentes do que as Winchester do Século XIX.
[2] De uma forma um tanto indireta, pelo suposto abrigo que foi dado ao chefe da al Qaida, Osama ben Laden.  

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