Faz já algum tempo
que se procurou criar em Pindorama lei que pusesse um fim à multiplicação de partidos.
Pensava-se,
então, que existia uma proliferação de siglas. Por isso, e de forma assaz
moderada, cuidou-se de manter sob controle o número de associações partidárias.
Como se sabe, a
idéia de controlar o número de partidos não é nova. O país que dispõe da melhor
legislação a respeito é a República Federal da Alemanha. No passado, a
República alemã sofreu do pluripartidismo.
Para evitar a instabilidade dos gabinetes existente no Reich do primeiro
pós-guerra – que conduziu à tomada do poder pelos nazistas – a atual Alemanha
criou a cláusula dos 5% para a manutenção de cada sigla. Note-se que a RFA é um
país sério, e está interessado na preservação de uma autêntica democracia
parlamentar.
A referida cláusula
funcionou uma vez contra o Partido Democrata Livre (a sigla em alemão é FDP).
Na última eleição, o partido da União Democrata Cristã (CDU) assegurou a
maioria relativa contra o SPD (partido social-democrata). No entanto, a maioria
absoluta para governar não pode ser assegurada pelo FDP, porque não venceu a
barreira dos 5%. A solução foi a chamada
grande coalizão, em que CDU e SPD governam, através da Chanceler Angela
Merkel e do vice-Chanceler, indicado
pelos social democratas. Atuam no Bundestag (Parlamento federal) quatro ou
cinco partidos, e todos parecem satisfeitos com a governabilidade (e a
credibilidade) ensejada pela barreira dos cinco por cento.
Uma diversa
maioria da atual em nossa Corte Suprema derrubou lei que estabelecia barreira
mínima, em percentual de votos nacionais e estaduais, para os partidos. A tese
então vencedora se baseou na premissa de que colocar-se um limite ao
pluripartidarismo constituiria norma antidemocrática, eis que desrespeitaria à
indispensável representação no Congresso Nacional de todos os partidos e
respectivas siglas partidárias.
As Constituições
estão aí para serem cumpridas, mas não de forma literal ou automática. Se assim
fosse, a mais velha delas, que é a escrita em Filadelfia, na nascente União
Americana (fins do século XVIII) não poderia ser aplicada. A corte de nove juízes vitalícios existe
justamente para interpretar-lhe conforme o viés do tempo os respectivos artigos
e parágrafos.
Por isso, o
colegiado de nosso Supremo terá esquecido que o literalismo da norma
constitucional exige a interpretação dos ministros, para evitar justamente o
que ora está ocorrendo. Há 32 legendas no Brasil, reconhecidas pelo Tribunal
Superior Eleitoral. Como se tal não fosse suficiente, há mais 41 outras que
requererem o registro partidário.
Além das
principais legendas – PMDB, PT, PP, PR – há diversas outras representadas no atual
governo (que é de 39 ministérios).
Ao todo, seriam 73 partidos. Esse número não é um exercício acadêmico.
Cada partido recebe uma subvenção e dispõe de prerrogativas. Por causa disso,
proliferam as chamadas legendas de
aluguel (embora os respectivos donatários não apreciem ser colocados em
tais construções, como desabrida resposta de um candidato teoricamente
concorrente à presidência por partido
nessa situação o demonstrou na antecâmara do primeiro turno).
Pode haver 73
maneiras de ganhar subvenções da Fazenda Pública, mas, se nos ativermos a um
exercício de seriedade intelectual, não
é concebível, em termos práticos, que haja 73 ideologias.
Nada para
desmoralizar um principio conceitualmente falho do que a sua aplicação estrita.
Se nos ativermos à norma ou posição alcançada pela nossa Corte, que derrubou, fundada em respeito à
Constituição Cidadã, a tímida possibilidade de manter algum controle sobre o
número de partidos com representação no Congresso, nada haveria a objetar.
Quer-me parecer no entanto, se não
desejamos virar matéria de deboche jurídico internacional, que é mais do que
tempo de derrubar essa incôngrua doutrina, e de pôr afinal alguma ordem nesse
terreiro. E por isso voltamos à sábia disposição precedente que de forma muito
mais moderada do que na Alemanha, pretendia colocar cláusula de barreira à
proliferação partidária.
E é importante
acrescentar que tal barreira – devidamente estabelecida em lei – seria colocada
não por um grupo de nove ou de onze juízes, mas pelo eleitorado nacional e de
cada Estado.
Afinal, quando nos disporemos a contrariar o dito do general
de Gaulle, que não nos tinha por país sério?
( Fonte: O
Globo )
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