quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Dilma e o Segundo Mandato

                                
 

          Já em quinze de novembro o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso fez observação de grande propriedade.  Segundo FHC, o Brasil enfrenta várias crises simultâneas. Nesse contexto, a presidente Dilma Rousseff “se sente ilegítima”, mesmo após ter assegurado o segundo mandato.

          E acrescentou Fernando Henrique – que continua a voz mais acreditada da oposição tucana – “A crise é grande. Não é uma crise, são várias crises ao mesmo tempo. Você tem a sensação de uma presidente que ganha a eleição, mas se sente ilegítima. Não é sua culpa, mas se sente.”

          Para complicar, existe a fragmentação política no Congresso. Fernando Henrique menciona também a falta de alternativa ao ‘sistema de barganha’ entre o governo e os 22 partidos do Congresso (serão 28 a partir de janeiro), a área energética e até o fortalecimento da direita.

          A fragmentação congressual é decorrência da decisão do Supremo Tribunal Federal de considerar inconstitucional uma tímida cláusula de barreira, inspirada na legislação alemã, que o Congresso brasileiro aprovara por lei ordinária. O estado de coisas resultante dessa sentença do STF, i.e. a induzida pulverização político-partidária – que levará em breve a 73 partidos em Pindorama – é tratado no meu blog de 8 de dezembro “ O Brasil é um país sério?

          Ainda segundo FHC, “há um processo de criação de núcleos de direita que não tem a ver com o PSDB, com o Aécio. Houve a instigação nesse sentido pela obsessão do PT em dividir: ‘nós e eles, nós e eles’, disse o ex-presidente.

          Essa suposta sensação de ilegitimidade (ou fragilização política) teria várias causas. Ela de início é consequência de vitória apertada, que só se efetivaria na fase final da apuração eletrônica, e por cerca de dois milhões de votos, o que é percentual pequeno se tivermos presente as dimensões de nosso colégio eleitoral. Por outro lado, a parte mais desenvolvida do Brasil – Sul, Sudeste e Centro-Oeste – favoreceram Aécio. Nessa área, a diferença está em Minas, que decorre de dois erros de campanha: negligência de Aécio com sua principal base política, a par de escolha de fraco candidato a governança pelo PSDB. Nessas condições, o triunfo de Dilma decorreu do maciço apoio recebido no Nordeste e, em menor grau, no Norte. Em outras palavras, dois Brasis se enfrentaram, prevalecendo o menos desenvolvido, em que o assistencialismo petista (bancado pelo Estado pesou exponencialmente).

          Mas a fragilização de Dilma tem outras causas, que irrompem no cenário político e enfraquecem a sua base de apoio, notadamente  os escândalos do PT, e em primeiro plano o chamado Petrolão.

          Nesse contexto, quiçá a palavra mortal foi dada pelo Ministro Felix Fischer, do STJ, que declarou: “Acho que nenhum outro país viveu tamanha roubalheira”. Assinale-se que o Superior Tribunal de Justiça, que é a segunda instância jurídica mais importante – atrás apenas do Supremo Tribunal Federal – projeta uma imagem moderada, o que dá ainda maior peso à assertiva do Ministro Fischer.

         Essa fragilização de Dilma – que sentimos em respostas apressadas a colocações do Procurador Geral da República (dadas pelo Ministro da Justiça, mas cuja origem presidencial é manifesta) quanto à substituição da direção da Petrobrás – tem causas mediatas possivelmente mais profundas.

          Dilma foi o que na dúbia terminologia do chefe máximo do PT configuraria o ‘primeiro poste’, vale dizer a capacidade do ex-torneiro mecânico de enfiar goela adentro do eleitorado seja brasileiro (no caso, a atual Presidenta), seja paulista (a eleição de Fernando Haddad como Prefeito da Paulicéia). Não carece discorrer sobre a caracteristica notadamente subdesenvolvida de  tal método de escolha. Se a colaboração de Lula para a segunda vitória de Dilma não foi determinante, o mesmo não se pode dizer quanto ao pleito de 2010, em que um candidato potencialmente forte abriu as próprias veias  fazendo campanha sem imaginação e até caudatária (inseriu a princípio na sua propaganda referência elogiosa de Lula sobre ele próprio) facilitou bastante o triunfo no segundo turno. Dada a colossal diferença no perfil de experiência política, a vitória foi menos de Dilma do que do criador Lula. Por outro lado, passou atestado de fundo subdesenvolvimento político que a moça da algibeira vencesse com tanta facilidade a alguém da estatura e experiência de José Serra.

           A eleição de 2014 foi diferente na medida em que a influência de Lula foi bastante menor. Mas tampouco se pode minimizá-la, pelo seu entranhamento nas fileiras do hoje partido hegemônico. Não é aqui o lugar de falar sobre o papel de Marina Silva, esse cometa que infelizmente não se pôde sustentar porque falto de base político-partidária sólida. Aqui também deu as cartas o marqueteiro João Santana, e a sua sistemática destruição das vigas mestras do programa de Marina foram possíveis, seja pelo aparelhamento do Estado, seja pela extrema fraqueza defensiva de Marina em rebater as deformações mediáticas com que a campanha de Dilma a mimoseou. Quanto ao lázaro Aécio Neves – que ressurgira de virtual morte política –fez campanha melhor do que  previsto, mas não o suficiente para virar o jogo.

            No momento, o tempo se afigura bastante instável, politicamente falando. A presidente Dilma está fragilizada pelos questões levantadas pelo imenso escândalo do petróleo (que segundo muitos colocaria o Mensalão como coisa de principiante),e pela dúbia sustentação do Partido dos Trabalhadores, que hoje, como Dorian Gray, tem uma imagem pública, e outra, a do retrato, encafuada nos porões políticos e outros aposentos do gênero.

            O PT está um pouco à deriva, e tal se deve máxime à uma mudança de personalidade em ritmos bem acima do suportável. A esse propósito, dois exemplos poderiam dar indicações de  interesse: (a) a cerimônia de Fortaleza, de desagravo ao tesoureiro João Vaccari Neto, a que os não-iniciados não tiveram acesso;  (b) o voto do relator da Comissão sobre a Petrobrás, em que o deputado Marco Maia (PT/RS) não indiciou ninguém do partido, e chegou até a considerar Pasadena com um bom negócio  aprovado por Conselho Diretivo presidido por...  Dilma Rousseff.

            Por primeira vez, Dilma Rousseff inicia um novo mandato sem o possível peso de indicações e pontos a resguardar com relação ao ex-Presidente Lula – que teria desistido nesta feita de postular uma vez mais o Palácio do Planalto. Não obstante um relacionamento específico, o maximato[1] de Lula já não tem a força do primeiro mandato, embora a ‘herança’ recebida por Dilma seja pesada, como ela própria o tem demonstrado.                                            

              Como evoluirá o seu segundo mandato, será processo que depende de diversas incógnitas. Há muitas perguntas que ela carecerá de responder na prática. Algumas dessas seriam: (a) como enfrentará a crise da Petrobrás; (b) em que base política ela tentará apoiar-se: será o PT atual, na linha que transpira pelo relatório de Marco Maia, ou de uma reconversão partidária, com eventual retorno às origens; c) tentará um retorno à Dilma da faxina ética, com as modificações cabíveis; d) com mais do mesmo, com a possível busca do incerto reencontro de um porto seguro ?; ou, quiçá e) a opção menos provável, a reinvenção de Dilma, buscando a própria libertação de abraços pretéritos, e o reencontro com eleitorado que a preza no singular.

 

( Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo, Rede Globo )                                                                      



[1] Alusão ao Maximato de Plutarco Elias Calles, Presidente mexicano, que, por cerca de dez anos, soube contornar a proibição constitucional mexicana da reeleição, para tanto se servindo de presidentes ‘peleles’, vale dizer sem poder. O seu mando terminaria na prática com Lázaro Cardenas que, depois de aguentar dois anos como ‘pelele’, o mandou de avião para os EUA, e governou de forma autônoma, nos últimos quatro anos de seu mandato.

Um comentário:

Mauro disse...

Ótima análise de uma catástrofe anunciada. Pobre Brasil.