Já em quinze de novembro o
ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso fez observação de grande
propriedade. Segundo FHC, o Brasil
enfrenta várias crises simultâneas. Nesse contexto, a presidente Dilma Rousseff
“se sente ilegítima”, mesmo após ter assegurado o segundo mandato.
E
acrescentou Fernando Henrique – que continua a voz mais acreditada da oposição
tucana – “A crise é grande. Não é uma crise, são várias crises ao mesmo tempo.
Você tem a sensação de uma presidente que ganha a eleição, mas se sente
ilegítima. Não é sua culpa, mas se sente.”
Para
complicar, existe a fragmentação política no Congresso. Fernando Henrique
menciona também a falta de alternativa ao ‘sistema de barganha’ entre o governo
e os 22 partidos do Congresso (serão 28 a partir de janeiro), a área energética
e até o fortalecimento da direita.
A
fragmentação congressual é decorrência da decisão do Supremo Tribunal Federal de
considerar inconstitucional uma tímida cláusula de barreira, inspirada na
legislação alemã, que o Congresso brasileiro aprovara por lei ordinária. O
estado de coisas resultante dessa sentença do STF, i.e. a induzida pulverização
político-partidária – que levará em breve a 73 partidos em Pindorama – é tratado
no meu blog de 8 de dezembro “ O Brasil é
um país sério?”
Ainda
segundo FHC, “há um processo de criação de núcleos de direita que não tem a ver
com o PSDB, com o Aécio. Houve a instigação nesse sentido pela obsessão do PT
em dividir: ‘nós e eles, nós e eles’, disse o ex-presidente.
Essa suposta
sensação de ilegitimidade (ou fragilização política) teria várias causas. Ela
de início é consequência de vitória apertada, que só se efetivaria na fase final
da apuração eletrônica, e por cerca de dois milhões de votos, o que é
percentual pequeno se tivermos presente as dimensões de nosso colégio
eleitoral. Por outro lado, a parte mais desenvolvida do Brasil – Sul, Sudeste e
Centro-Oeste – favoreceram Aécio. Nessa área, a diferença está em Minas, que
decorre de dois erros de campanha: negligência de Aécio com sua principal base
política, a par de escolha de fraco candidato a governança pelo PSDB. Nessas
condições, o triunfo de Dilma decorreu do maciço apoio recebido no Nordeste e,
em menor grau, no Norte. Em outras palavras, dois Brasis se enfrentaram,
prevalecendo o menos desenvolvido, em que o assistencialismo petista (bancado
pelo Estado pesou exponencialmente).
Mas a fragilização de Dilma tem outras causas,
que irrompem no cenário político e enfraquecem a sua base de apoio,
notadamente os escândalos do PT, e em
primeiro plano o chamado Petrolão.
Nesse
contexto, quiçá a palavra mortal foi dada pelo Ministro Felix Fischer, do STJ,
que declarou: “Acho que nenhum outro país viveu tamanha roubalheira”.
Assinale-se que o Superior Tribunal de Justiça, que é a segunda instância
jurídica mais importante – atrás apenas do Supremo Tribunal Federal – projeta
uma imagem moderada, o que dá ainda maior peso à assertiva do Ministro Fischer.
Essa
fragilização de Dilma – que sentimos em respostas apressadas a colocações do
Procurador Geral da República (dadas pelo Ministro da Justiça, mas cuja origem
presidencial é manifesta) quanto à substituição da direção da Petrobrás – tem
causas mediatas possivelmente mais profundas.
Dilma foi o
que na dúbia terminologia do chefe máximo do PT configuraria o ‘primeiro
poste’, vale dizer a capacidade do ex-torneiro mecânico de enfiar goela adentro
do eleitorado seja brasileiro (no caso, a atual Presidenta), seja paulista (a
eleição de Fernando Haddad como Prefeito da Paulicéia). Não carece discorrer
sobre a caracteristica notadamente subdesenvolvida de tal método de escolha. Se a colaboração de
Lula para a segunda vitória de Dilma não foi determinante, o mesmo não se pode
dizer quanto ao pleito de 2010, em que um candidato potencialmente forte abriu
as próprias veias fazendo campanha sem
imaginação e até caudatária (inseriu a princípio na sua propaganda referência
elogiosa de Lula sobre ele próprio) facilitou bastante o triunfo no segundo
turno. Dada a colossal diferença no perfil de experiência política, a vitória
foi menos de Dilma do que do criador Lula. Por outro lado, passou atestado de
fundo subdesenvolvimento político que a moça da algibeira vencesse com tanta
facilidade a alguém da estatura e experiência de José Serra.
A eleição
de 2014 foi diferente na medida em que a influência de Lula foi bastante menor.
Mas tampouco se pode minimizá-la, pelo seu entranhamento nas fileiras do hoje
partido hegemônico. Não é aqui o lugar de falar sobre o papel de Marina Silva, esse
cometa que infelizmente não se pôde sustentar porque falto de base
político-partidária sólida. Aqui também deu as cartas o marqueteiro João
Santana, e a sua sistemática destruição das vigas mestras do programa de Marina
foram possíveis, seja pelo aparelhamento do Estado, seja pela extrema fraqueza
defensiva de Marina em rebater as deformações mediáticas com que a campanha
de Dilma a mimoseou. Quanto ao lázaro Aécio Neves – que ressurgira de virtual morte política –fez campanha melhor do que previsto, mas não o suficiente para virar o
jogo.
No
momento, o tempo se afigura bastante instável, politicamente falando. A
presidente Dilma está fragilizada pelos questões levantadas pelo imenso
escândalo do petróleo (que segundo muitos colocaria o Mensalão como coisa de
principiante),e pela dúbia sustentação do Partido dos Trabalhadores, que hoje,
como Dorian Gray, tem uma imagem pública, e outra, a do retrato, encafuada nos
porões políticos e outros aposentos do gênero.
O PT está
um pouco à deriva, e tal se deve máxime à uma mudança de personalidade em
ritmos bem acima do suportável. A esse propósito, dois exemplos poderiam dar
indicações de interesse: (a) a cerimônia
de Fortaleza, de desagravo ao tesoureiro João Vaccari Neto, a que os
não-iniciados não tiveram acesso; (b) o
voto do relator da Comissão sobre a Petrobrás, em que o deputado Marco
Maia (PT/RS) não indiciou ninguém do partido, e chegou até a considerar
Pasadena
com um bom negócio aprovado por Conselho
Diretivo presidido por... Dilma
Rousseff.
Por
primeira vez, Dilma Rousseff inicia um novo mandato sem o possível peso de
indicações e pontos a resguardar com relação ao ex-Presidente Lula – que teria
desistido nesta feita de postular uma vez mais o Palácio do Planalto. Não
obstante um relacionamento específico, o maximato[1] de
Lula já não tem a força do primeiro mandato, embora a ‘herança’ recebida por Dilma
seja pesada, como ela própria o tem demonstrado.
Como
evoluirá o seu segundo mandato, será processo que depende de diversas
incógnitas. Há muitas perguntas que ela carecerá de responder na prática.
Algumas dessas seriam: (a) como
enfrentará a crise da Petrobrás; (b)
em que base política ela tentará apoiar-se: será o PT atual, na linha que
transpira pelo relatório de Marco Maia, ou de uma reconversão partidária, com
eventual retorno às origens; c)
tentará um retorno à Dilma da faxina
ética, com as modificações cabíveis; d)
com mais do mesmo, com a possível busca do incerto reencontro de um porto
seguro ?; ou, quiçá e) a opção menos
provável, a reinvenção de Dilma,
buscando a própria libertação de abraços pretéritos, e o reencontro com
eleitorado que a preza no singular.
( Fontes: O Globo,
Folha de S. Paulo, Rede Globo )
[1] Alusão ao Maximato de
Plutarco Elias Calles, Presidente mexicano, que, por cerca de dez anos, soube
contornar a proibição constitucional mexicana da reeleição, para tanto se
servindo de presidentes ‘peleles’, vale dizer sem poder. O seu mando terminaria
na prática com Lázaro Cardenas que, depois de aguentar dois anos como ‘pelele’,
o mandou de avião para os EUA, e governou de forma autônoma, nos últimos quatro
anos de seu mandato.
Um comentário:
Ótima análise de uma catástrofe anunciada. Pobre Brasil.
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