Há várias
questões pendentes no balanço da
Petrobrás. Primo, a Petrobrás ainda não sabe o montante exato do rombo causado
pelos casos de corrupção investigados pela Operação Lava-Jato; Secondo, não obstante, publicar, aos trancos e barrancos, o balanço
não-auditado relativo ao terceiro trimestre de 2014 – com dois meses de atraso –
a empresa apresentou os primeiros dados que podem servir de referência aos
investidores: R$ 88,6 bilhões de 31 ativos foram superavaliados, com indícios
de sobrepreço, consoante especialistas.
Sem embargo,
a estatal frisou que o chamado “ajuste” não inclui apenas o pagamento da
propina, mas envolveria outros fatores, v.g., câmbio, custo de capital, preço
do petróleo e deficiências no planejamento de projetos. E, alegadamente, por
não lograr quantificar qual era o valor exato da corrupção, a Petróleo
Brasileiro S.A. houve por bem não dar baixa por ora em seus ativos.
Fiada no
mesmo critério, tampouco a empresa lançou em seus resultados o efeito potencial
de uma perda de R$ 4,06 bilhões baseada na aplicação do percentual de 3% de
pagamento de propina informado pelo ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto
Costa à Justiça Federal.
Nesse
contexto, a companhia tenta justificar o atraso por não haver “detalhes
suficientes” em relação aos pagamentos, feitos por fornecedores e não pela
própria estatal.
Assim se
pronunciou a presidente da empresa, Maria das Graças Foster, em carta a
acionistas: ‘Concluímos ser impraticável a exata quantificação desses valores”.
A assertiva em tela se refere à dificuldade de medir o impacto da Lava-Jato.
Os analistas
receberam com ceticismo a falta de informações precisas. Nesse contexto, eles
classificaram como ‘desapontador’ o balanço. A queda na bolsa foi a maior desde
27 de outubro de 2014. As ações
preferenciais, sem direito a voto, despencaram
11,21% para R$ 9,03. Já os papéis ordinários (ON, com direito a
voto) caíram 10,48% (a R$ 8,63). Desde 27 de outubro passado – quando estourou
o escândalo – foi o maior tombo diário.
Em
consequência, encolheu o valor de mercado de nossa maior empresa em R$ 13,9 bilhões. Já em New York, os recibos de ações (ADRs) caíram
11,95%, a US$ 6.56. O lucro líquido informado pela empresa de R$ 3,087 bilhões
no terceiro trimestre de 2014 representou
queda de 38% em relação ao mesmo período do ano anterior. Por fim, no acumulado de janeiro a setembro de 2014,
os ganhos montaram a R$ 13,439 bilhões, recuo
de 22%.
Conforme Fernando Zilveti, especialista
em direito tributário e professor da FGV-SP: “O comunicado com os valores de ativos super-avaliados, em vez de
explicar, gera mais dúvidas. Criou
um novo problema.- a empresa não sabe dizer o tamanho do rombo da corrupção e
tergiversa.”
Em comunicado enviado a Comissão
de Valores Mobiliários (CVM), na madrugada de terça-feira, a Petrobrás disse
que considerou em sua análise 52 empreendimentos em construção ou em operação
que somam R$ 188,4 bilhões – cerca de um terço de seu total de ativos. A
escolha dos projetos foi feita com base em contratos de fornecimento de bens e
serviços firmados entre a Petrobrás e as empresas arroladas na Operação
Lava-Jato entre 2004 e abril de 2012. Sempre segundo a estatal, esses projetos
são passíveis de conter valores relacionados a atos ilícitos perpetrados por
empresas fornecedoras, agentes políticos, funcionários da Petrobrás e outros.
A Petróleo Brasileiro S.A. contabilizou em 21 projetos uma subavaliação de R$ 27,2
bilhões. Em fins de dezembro, foi
proibida pela empresa a contratação de 23 empresas supostamente envolvidas num
esquema de cartel para obtenção de contratos com a estatal (na lista, entre outras,
há a Andrade Gutierrez, Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão e Camargo Corrêa).
A Estatal admite
que existem erros nos valores de determinados ativos imobilizados. Tais ativos
não puderam ser corrigidos pela empresa, estando em curso as investigações da
Lava-Jato. Dentro desse raciocínio, assevera que tais “erros” não estão de
acordo com as regras da International Accounting Standards Board (IASB), que é
a junta que determina as normas internacionais de contabilidade.
Na projeção externa
– vale dizer em Wall Street – a coisa pode complicar-se para a Petrobrás. A
Aurelius Capital Management – que é um Fundo Abutre (investe em empresas e governos em dificuldade)- que é dona de títulos da Petrobrás nos
Estados Unidos afirma que a companhia não está cumprindo as regras do citado
IASB, que é exigência para a emissão de papéis nos Estados Unidos. Mark Brodsky, presidente do dito Fundo, diz: “Apesar das recentes garantias, a
Petrobrás permanece em calote de seus
títulos que seguem a legislação de Nova York. Esses títulos requerem que a
Petrobrás divulgue balanços financeiros que estejam de acordo com as regras do
IASB.”
Segundo
analistas, a Estatal divulgou seu balanço sem as baixas para cumprir acordo
celebrado em dezembro com alguns detentores de seus títulos. Eles aceitaram que
a empresa divulgasse o documento sem o aval do auditor até o fim de
janeiro.
Se não
cumprisse tal promessa, os credores poderiam pedir antecipação de pagamento,
abrindo a cancela para que o restante dos detentores de títulos fizesse o
mesmo, o que muito elevaria a própria dívida, que era de R$ 621,4
bilhões em fins de setembro p.p.
Como se sabe,
as dificuldades da Petrobrás aumentam para que cumpra com a obrigação de um
balanço devidamente auditado pelo PricewaterhouseCoopers (PwC). Por razões
compreensíveis essa empresa tem colocado dificuldades para dar o seu aval
indispensável.
O balanço
auditado é exigido por maior quantidade de credores, segundo cita Karina Freitas, analista da Concórdia.
Uma parte importante desses credores – com US$ 50 bilhões em títulos – quer que
o documento relativo a 2014 saia até o fim de maio. Note-se que essa data
inclui o prazo de 120 dias após o fim do ano, determinado pela SEC (a Comissão
americana de títulos e câmbio), e mais os trinta dias dispostos no
contrato.
No horizonte,
além de uma multa da SEC – em caso de inadimplência na obrigação contratual –
pode sobrevir reação das agências de classificação de risco. Nesse contexto, indica o Itaú BBA : “Tanto a
Moody’s quanto a Fitch esperavam que os
ajustes, ou ao menos parte deles, estivessem no balanço do terceiro trimestre.”
Sem embargo
dos prazos e das multas que a respectiva inobservância possa implicar sobretudo
na terra de Tio Sam, onde não há jeitinho,
a Petróleo Brasileiro não deu data para a publicação do balanço com o
aval da PricewaterhouseCoopers (PwC). Por ora, só diz que isto será feito “no
menor prazo possível”.
* * *
Em função de
o que precede, a reação de
especialistas foi bastante negativa. Os
números informados ao mercado foram considerados pouco críveis, suscetíveis de
serem comparados a “uma peça de ficção”.
Por isso, a péssima reação dos investidores e a queda dos papéis da
Petrobrás na Bolsa de Valores conforme
acima descrita.
Sem o aval de
uma auditoria independente, os números informados ao mercado são pouco críveis
e podem ser comparados a ‘uma peça de ficção’, segundo o relatório da Guide
Investimentos.
Consoante
outro especialista, Guilherme Ferreira, da Jive Investments: “A direção da
empresa passou dois sinais negativos ao mercado. Primeiro, não consegue dizer quanto valem seus ativos, o que mostra
um total descontrole da companhia. E o segundo
sinal é uma clara falta de vontade política de reconhecer qual é o estrago causado pela corrupção na estatal e
traduzi-lo em números.”
A consequência
lógica de tal situação é que, sem o parecer dos auditores independentes, os
números divulgados pela Petrobrás não podem ser validados.
Apesar de não
conseguir concluir o impacto da corrupção em seu balanço, para Karina Freitas,
da Concórdia, “com a queda do preço do petróleo e na economia brasileira, houve
uma mudança considerável de cenário. Mas o valor de R$ 88,6 bilhões é muito
elevado, sobretudo para um total de R$ 188,4 bilhões de ativos avaliados. É
provável que a metodologia não tenha sido aplicada da forma correta”.
Para outro
analista de mercado, não identificado na
matéria de O Globo, disse: “sem as baixas contábeis, os ativos da estatal
passaram de pouco mais de R$800 bilhões no fim de junho para R$ 825 bilhões em
setembro. Os ativos superavaliados
representariam, portanto, quase 10% dos ativos totais da empresa: ‘É um total muito alto e não deve ser tudo
resultado de desvios. Mas um erro desse
tamanho (na avaliação dos ativos) em princípio, sugere que tem algo de podre.”
(a seguir)
( Fonte: O
Globo )
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