Aprofundam-se as suspeitas contra o governo e, em
especial, Cristina Kirchner, a presidente da Argentina. A morte não-esclarecida
do promotor Alberto Nisman é uma chaga aberta no que resta de credibilidade do
regime peronista.
Este promotor documentara um
itinerário sombrio no que tange às tratativas entre o peronismo imperante e o
regime dos ayatollahs. Além do acordo
de escambo de mercadorias entre a Argentina e o Irã carregar grossas nuvens de
um contubérnio para neutralizar a investigação da responsabilidade no
monstruoso atentado contra a Associação Mutual Israelense Argentina em 1994. O
promotor Nisman procedeu a levantamento
de vários telefonemas entre partes que receberiam a merecida atenção no seu
comparecimento anunciado ao Congresso Argentino, quando denunciaria as
tratativas.
Conforme assinalado no blog anterior, as suspeitas quanto à
inverossimilhança do suicídio, em pessoa tão determinada e corajosa quanto o
promotor já eram fortes, apesar das dúbias indicações da autópsia. Ao
verificar-se que a mão de Nisman não tinha vestígios de pólvora – como
fatalmente ocorreria se ele houvesse detonado a própria arma – aumentaram as
probabilidades (que se acercam da certeza) de que a vítima foi assassinada.
As investigações posteriores – uma vez
puxadas as cortinas enganosas arrumadas por funcionários governamentais, com
subordinação ao Executivo – têm apontado para ainda maiores suspeitas quanto ao
assassinato.
A velha regra latina nos fornece o
dedo acusador. Com efeito, o cui prodest
?(a quem beneficia?) está aí para sublinhar a quem interessa o crime. Se a tese do
suicídio não faz sentido em quem se dispunha a concluir o respectivo e
laborioso esforço de sinalizar as responsabilidades do governo – e que de resto
não dera nenhuma indicação da contraditória disposição a renunciar à
monumental tarefa a que se dedicara e que ora levava ao conhecimento de quem de
direito – a voz do Povo, com cartazes de Justiça
e de Cristina assassina - recalca com ênfase qual é o sentir da opinião
pública.
Por outro lado, aumentam os indícios de
que o apartamento de Nisman foi invadido. Além da vergonhosa falta de proteção
de parte do governo justicialista, há detalhes que põem abaixo a espúria tese
do suicídio. Um simples chaveiro de vizinhança não teve qualquer dificuldade de
entrar no apartamento de Nisman pela porta dos fundos.
Há outras inúmeras circunstâncias
comprometedoras. Tão logo informado da ocorrência, o Secretário da Segurança
argentina, Sergio Berni, adentrou o apartamento, supostamente para garantir que
“ninguém entrasse, nem tocasse em nada”. Mas segundo a própria admissão, Berni
entrara minutos antes do juiz Manuel de Campos e bem antes da promotora
Victoria Fein.
Por outro lado, o ex-presidente da Daia
(Delegação de Associações Israelito-Argentinas) falou com parente de Nisman que
“achara uma lista de compras para a empregada, para a segunda-feira”.
“Proteção a Nisman”. Dez policiais federais faziam a proteção de
Nisman, que não dava sinais de ser rigorosa.
Nunca estavam na porta do apartamento, mas sim da do prédio. Nas horas
anteriores ao óbito do promotor, nem isso.
Tampouco se encaixa o perfil
psicológico. O psiquiatra Hugo Marietán sustenta que o perfil de Alberto Nisman
é o de um homem de ação, acostumado a altos níveis de estresse, e, portanto,
não condiz com suicídio induzido.
Não obstante, os diversos indícios,
armas calibre 22 (que lhe foi cedida por funcionário da promotoria) podem não
deixar resíduos na mão de quem as deflagra. A incerteza é vincada por essa
característica da arma do crime.
Por último, mais um penduricalho
irônico. Hoje, a edição do New York Times
trás com foto a cores e em primeira página, instantâneo da denúncia popular da
Kirchner, com a manchete: Na Argentina sugestões de esforço para
proteger o Irã. A Argentina sempre sentiu essa necessidade de vínculos
estreitos com a grande nação acima do Rio Grande. O próprio presidente Carlos
Menem articulava em seu governo ‘aliança carnal’ com os Estados Unidos. Que o desmoralizado regime de Cristina
Kirchner – com o juiz nova-iorquino dando ganho de causa aos fundos ditos abutres – mereça mais essa
pincelada, não sei como o interpretará o público portenho. Mas o episódio da
estranha morte de Alberto Nisman de certa maneira exagera nos indícios
incriminatórios, a ponto de o sol na manhã dissipar as brumas da noite.
(Fontes: O Globo, The New York Times )
Nenhum comentário:
Postar um comentário