quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Rio, 40 graus

                                          

         Se o Rio sempre foi quente no verão, a maldição climática nos dias de hoje se reflete na mudança geral do ciclo das estações. O inverno, que existia no passado, sobretudo nos meses de junho e julho, ora praticamente saíu de cena. Quando aparece, é por um dia ou dois de temperaturas amenas, sem qualquer semelhança com os períodos de antanho que exigiam cobertores na cama, e suéter de lã na rua.
         A descaracterização sazonal – que levou ao dizer-se que por cá há duas estações: o tempo do calor e o verão – desequilibra mãe-natureza, e como inexiste um frio digno deste nome, a produção de insetos e pragas de toda espécie funciona sem os turnos benfazejos de passadas décadas. Não há benéficas interrupções para a soalheira e a resultante canícula.

         As chuvas torrenciais do verão se sucedem quase o ano inteiro. Para um país com tão poucas defesas porventura eficazes contra  inundações, os cruéis caprichos naturais, com suas autênticas trombas d´água leva de roldão o casario, seja por estar construído nas faldas de verdes montes, seja  demasiado próximos, debruçados quase, sobre riozinhos tranquilos e  córregos mofinos, que repentina tempestade transforma em torrentes assassinas, em súbitos, soturnos lagos e nas demais turbulências  das enxurradas, que tudo carregam, afogam, estropiam  ou  inutilizam.
       Não há total proteção para esse malvado alvoroto que vem dos céus. No dia seguinte, repontam os governantes, tangidos pelo dobre das desgraças. Prometem muito, se dizem consternados e costumam sair de cena com idêntica rapidez. Como se tem visto amiúde nada deixam de permanente. São visões efêmeras, que fazem parte do cenário e, como as miragens do deserto, tampouco modificam a realidade circunstante.

         Se tudo fica ao deus dará, entende-se que a divindade se descubra incapaz de prover a tantos necessitados e flagelados. O poder – que se apresenta confrangido, na sua função de prometer e de acenar com dias melhores – se na essência será sempre igual, as máscaras - que lhe recobrem o semblante sisudo, demasiado próprias para a ocasião - em verdade pouco diferem entre si tanto na aparência quanto no resultado.
          O povo sofrido finge que acredita, enquanto as autoridades, com o gesto compenetrado e contraído, malgrado fadadas a serem eternas figurantes, participam da encenação com o zelo da vez, buscando mostrar interesse, ainda que ocasional e transitório.

          Por experiência antiga, o povo sabe que as demonstrações de apoio e solidariedade se bastam a si mesmas. Como no velho mambembe, se o elenco é imutável, a variação aparente estará sempre no público. Nesse quadro simbólico, que fique bem claro: ao voltarem as excelências para os helicópteros e as viaturas com vidraças indevassáveis, estará concluída a sua participação na miséria e no infortúnio da vez.
          Enquanto o povo tomará como verdadeiro o que tem prazo de validade que não excede aquela jornada tudo continuará no mesmo diapasão. As súbitas desgraças, as inundações e os demais flagelos, as mortes e a devastação generalizada do casario pobre e, por isso, indefeso, as aparições das autoridades – escalonadas pela hierarquia dos desastres e das calamidades – todos esses personagens continuarão a cumprir seus papéis, sob protocolo tão rígido no respectivo formalismo, quanto vão e inútil nos efeitos práticos.   

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