domingo, 26 de janeiro de 2014

Colcha de Retalhos B 4

                                       

O descalabro como meio de transporte

            A chamada SuperVia  já no nome dá indicação sobre a real atitude da concessionária.  Nada mais cínico e despropositado do que a denominação do serviço de trens que se destina aos cariocas que vivem nos antigos bairros e subúrbios atendidos pelos trilhos da Central do Brasil e da antiga Leopoldina.
           É uma vergonha a sucessão de desastres e disfunções que afetam os trens da SuperVia. Eles se repetem com revoltante regularidade.

           Em fotografia de primeira página, O Globo estampa um mais do que risonho Secretário Júlio Lopes, em amistosa conversa com o presidente da SuperVia, Carlos José Cunha, em encontro nos trilhos.
           Diante dos desconfortos e perigos defrontados pelos usuários dessa concessionária, não espanta a revolta dos passageiros, testemunhas da cena. Fica difícil de entender tanta cordialidade de parte do Secretário de Transportes com o principal responsável por um serviço que é havido por muitos,com sobejas razões como precário e perigoso. Daí, os xingamentos pelos passageiros assistentes, a ponto de  Lopes ter sido forçado a recorrer à proteção de seguranças na sua saída.

          Júlio Lopes, que é deputado do Partido Popular, foi o mesmo que repreendeu o motorneiro do bondinho de Santa Teresa por não haver procurado de imediato a oficina. A falta de sensibilidade de Lopes – afinal o pobre motorneiro, Nelson Corrêa da Silva, morreu na tentativa de guiar o bonde e, assim, pôr a salvo os seus passageiros – não fê-lo perder o cargo. Assinale-se a dimensão da tragédia: seis pessoas morreram e houve cinquenta feridos dentre os passageiros.

          O Governador Sérgio Cabral julgou que era mais importante preservar a aliança com o PP, do que tomar as dores do infeliz motorneiro, que pensara mais na segurança de seus passageiros do que na própria vida.

           Não se pode dizer que o governador Cabral seja incoerente. Os serviços públicos de transporte no Rio que estão sob sua alçada, amiúde têm problemas – como nas barcas e catamarãs – mas nenhum deles possui condições mais precárias de funcionamento do que a dita SuperVia.

          O Secretário Lopes - que foi vistoriar o trem que descarrilou a 22 do corrente – culpou as ‘décadas de abandono’ pela situação no sistema ferroviário.  E acrescentou que os problemas enfrentados pelos usuários só serão resolvidos em 2016. Em dois anos, todas as antigas composições – algumas com até trinta anos – serão substituídas por trens confortáveis.

         Não será certamente por acaso que a feliz data da chegada das novas composições – modernas e confortáveis – coincide com a realização da Olimpiada na mui leal e heroica cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

         O que crava mais um prego na dolorosa definição da longa permanência de um serviço que chega a ser afrontoso na sua inadequação. Esse tipo de desatenção sistêmica seria acaso pensável em outras áreas do Rio ? Ou é social essa descriminação genérica que se estende, pela baixa qualidade do transporte, a todas as periferias dos grandes centros?

 
O  Casamento Civil  no  Brasil

 
         A propósito de recente – e muito oportuna – crônica de Cora Rónai – ‘Casar é para os Fortes’, lembrei-me da malograda campanha do Ministro Helio Beltrão contra a firma reconhecida e a burocracia cartorial.

        A empresa reeditou o malogro de Dom Quixote, na sua investida contra os moinhos de vento. O cometimento de Beltrão e de poucos sucessores acabou na mais total vitória da burocracia, que na prática ignorou o bom propósito, enquanto a herança peninsular perdurou impávida, com suas filas, seus selos e múltiplos carimbos.

       Nesse contexto, a descrição do cartório de Botafogo se insere em estória da lentidão típica do serviço, com a usual demora na legalização dos documentos. “Depois os gastos: somando só a papelada e reconhecimento de firmas, deu uns R$ 1.000! Mil reais por um serviço que deveria ser gratuito, ou quase. (...) O casamento em si é uma cerimonia meio surreal. Casais e famílias apertados num lugar minúsculo, num segundo andar sem elevador.(...) A única escada é estreita e mal desenhada, um acesso difícil e muito perigoso. Se fosse restaurante, salão de festas (...) já teria sido (...) interditado pela Defesa Civil.

 
As Prisões no Brasil

 
        Enquanto aumenta a taxa de detentos nas prisões – em dez anos subiu de 177 para 274 por cem mil pessoas – a par de uns poucos estabelecimentos de segurança máxima, a maior parte dos cárceres no Brasil estão mais para os nefandos Presídios de Pedrinhas (no Maranhão) e de Porto Alegre (no R.G. do Sul).
        No entanto, a declaração do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo de que preferia morrer a cumprir pena em uma das masmorras medievais (cf. o ex-Ministro Cezar Peluso) me parece inaceitável. Há um substancial crédito orçamentário – que resulta de dotações não utilizadas para a construção de cadeias – que passa de exercício para exercício contingenciado.

         A reforma prisional passa por muitos escaninhos da burocracia, e a situação só tenderá a deteriorar-se ainda mais se nada for feito. Outro dia o jornalista Janio de Freitas escrevia sobre as condições existentes e a atitude do judiciário.

          São problemas como os do Maranhão e de Porto Alegre que apontam para que a sociedade – e os políticos – saíam do letargo em que se encontram. Afinal, segundo o cabeçalho de  O Globo ‘Brasil tem 55% mais presos do que a média global’ !



Na China, combate à corrupção é empresa de alto risco

 
       Há pouco tempo, durante a presidência de Hu Jintao, o New York Times publicou reportagem investigativa sobre a abastada situação financeira de parentes do então Primeiro Ministro Wen Jiabao.

       Por força dessa atividade jornalística comum no Ocidente, o prestigioso jornal e o serviço Bloomberg sofreram ação repressiva nos respectivos sites, assim como na eventual renovação dos vistos consulares, muitos deles denegados.

       Já no governo do novo líder Xi Jinping, o interessante é que nada mudou! Castiga-se o órgão denunciante, que, consoante as novas autoridades, agiu por “intenção oculta”.

       Dessarte, foi impedido o acesso aos sites do espanhol ‘El País’ e do britânico ‘Guardian’ por terem revelado que treze parentes de líderes políticos chineses mantêm empresas nas Ilhas Virgens Britânicas.

       Para demonstrar que a anunciada política de transparência de Xi Jinping e de suposto combate ao enriquecimento ilícito é uma miragem está o julgamento do ativista Xu Zhiyong, líder do Movimento Novos Cidadãos. Por defender a transparência nas contas de políticos, Xu pode ser condenado a cinco anos de prisão pelo fato de ‘reunir uma multidão para perturbar a ordem’.

       Há uma espécie de humor na Inglaterra denominada ‘Gallows’ humour’[1]. A fundamentação das penas na RPC[2], com a sua burra, mas agressiva hipocrisia, faria o Marquês de Beccaria revirar-se na tumba...    

 
Snowden: idealista ou criminoso?   

 
       O jornal The New York Times, em editorial que lhe faz honra, defendeu para o ex-contratado da National Security Agency, Edward Snowden, a concessão do perdão presidencial.

        Por sua vez, não faz muito, houve sondagem do denunciador do programa de espionagem da NSA de um possível asilo no Brasil. Não creio que o ambiente atualmente seja propício para tal gesto, mas representaria atitude que estaria na linha da tradição brasileira de generosidade e independência.

        Para muitos, a atmosfera nos Estados Unidos não semelha favorável a  decisão que reconheça o caráter idealista da iniciativa de Snowden. Ela está na tradição do histórico  vazamento dos Pentagon Papers  por Daniel Ellsberg, mas o protagonista daquele célebre caso nos anais do direito à informação reconhece que a atmosfera atual, com a Corte Suprema sob controle conservador, não semelha conducente a uma decisão na linha tomada pelos juízes na década de setenta.

        Nesse sentido, em pesquisa realizada pelo Instituto Pew, 56% dos entrevistados se mostraram favoráveis a que o denunciador da NSA deva ser processado.  32% são contra. Somente na faixa etária entre dezoito e vinte e nove anos, há um empate (42%).

       O Ministro da Justiça (Attorney General) Eric Holder , que é próximo de Barack Obama (está no gabinete desde 2009), pensa que Snowden deva ser incriminado. No seu entender, ele desrespeitou a lei, e com a sua ação não estaria no interesse publico. Não obstante,  Holder está aberto a uma negociação através de seus advogados do plea bargain (pena concertada previamente). Por sua vez, Snowden lamenta ter sido acusado por uma lei centenária (sic), e que não foi pensada para ser aplicada a pessoas que atuaram em prol do interesse público. A respeito, Snowden acrescenta que tal é frustrante para ele, pois inviabiliza um julgamento justo (fair trial).

        Por ora, o mais provável é que Edward Snowden tenha o direito de asilo prorrogado na Federação Russa.

 

Revolução na  Ucrânia

 
        Após os enfrentamentos e as mortes de manifestantes, há uma trégua não-escrita na praça central de  Kiev, entre polícia de choque e a multidão.
        O Presidente Viktor Yanukovych, diante das exigências da oposição, ofereceu neste sábado 25 de janeiro, as seguintes concessões: instalar Arseniy Yatsenyuk (do partido Pátria) como Primeiro-Ministro, e Vitali Klitschko, como Vice-Primeiro Ministro, encarregado de questões humanitárias.

        Não se deve esquecer que Yatsenyuk lidera o Pátria, que é a segunda força no Parlamento, com 90 cadeiras, no impedimento de Yulia Timoshenko, atualmente encarcerada em lazareto de Kharkov, em decorrência de processo judicial manipulado por Yanukovych. Pergunta-se como agirá Yatsenyuk e se consultará a Timoshenko que presa pela judicialização de Yanukovych, não deixa de ser a figura mais importante da oposição.
        Por sua vez o ex-campeão mundial de boxe Vitali Klitschko comando o UDAR (Aliança Democrática Ucraniana pró-Reforma), que favorece abertamente a opção Europa, através de acordo com a União Européia (tem 42 deputados).

        Despertou espécie entre os manifestantes que Oleg Tyagnibok, do Partido Liberdade (Svoboda), com bancada de 36 membros, não tenha sido chamado pelo Presidente. A posição desse partido é mais anti-russa do que favorável à Europa.

       Se ainda não se colheu a reação dos líderes, o Primeiro Ministro Mykola Azarov, que está no cargo desde 2010, e que defende resposta dura para as manifestações, seria a bola da vez (ele estava em Davos, de onde estigmatizou os protestos, que a seu ver não passariam de provocações).

       Yanukovych, cuja argúcia política não deve ser subestimada, seguindo a cartilha preconizada por Theodore Roosevelt, alterna a própria resposta entre a cenoura e o porrete.

         Dado o seu apoio pelo segmento pro-russo da população ucraniana, e as bondades do aliado Vladimir Putin, oscila diante do enrijecimento das manifestações pro-Europa e a reação do Ocidente – com os telefonemas de Angela Merkel e do Vice americano Joe Biden. A sua esperteza política e a escassez de escrúpulos lhe têm valido até hoje em uma trajetória acidentada – vencedor na década passada de eleição presidencial, teve de concordar com a anulação do escrutínio suspeito, e perder em seguida para Yushchenko, com a revolução laranja.  Logrou superar esse tropeço, vencendo a Yulia Timoshenko (em pleito também não-isento de irregularidades). Mais tarde, quiçá no seu maior erro, fez condenar por um juiz – no modelo de judicialização de V. Putin – à sua principal adversária Yulia Timoshenko, a quem mantém na prisão, malgrado repetidos engodos de que vá autorizar a sua próxima libertação.

       Atualmente o presidente não tem pela frente – pois ela continua presa em Kharkov – a sua principal adversária. Junto com o pacote de nomeações dos dois líderes da oposição, Yanukovych também acena em voltar atrás nas emendas constitucionais com que o seu grupo parlamentar lograra aumentar os poderes do Presidente. No mesmo espírito, e visando acalmar as ruas (e praças) da Ucrânia, semelha haver concordado em emendar o  pacote de leis aprovado pelo Parlamento a dezesseis de janeiro corrente, para arrochar o dissenso, restabelecendo inclusive a liberdade de expressão.

       Não há dúvida que a situação na Ucrânia configura uma condição pré-revolucionária. Yanukovych não faria tais concessões (tanto as reais, quanto as para inglês ver) se não deparasse um real perigo. Nesse contexto, é questionável a negociação de parte de alguns líderes da oposição em troca de posições no governo Yanukovych. Como o poder de Yatsenyuk, do Pátria, e de Klitschko, do UDAR, deriva da praça e das manifestações, uma adesão às oferendas do presidente só teria fundamento se colhesse o apoio popular.

 

 

 (Fontes: Folha de S. Paulo, O Globo, The New York Times)



[1] Humor de forca.
[2] República Popular da China


Um comentário:

Maria Dalila Bohrer disse...

Tomei conhecimento, na X Bienal de Arquitetura em São Paulo, sobre o planejamento territorial previsto para o Rio de Janeiro nos próximos 10 anos. Impressiona o número de investimentos na área da mobilidade urbana: BRTs, metrô, VLT, ou seja, varias modalidades de transportes distribuídas através de Supervias, Transvias, Anéis rodoviários e outros. Planejamento de não se botar defeito. Fico triste com o relato sobre a atual realidade da Supervia.