O descalabro como meio de transporte
A chamada SuperVia já no nome dá indicação sobre a real atitude
da concessionária. Nada mais cínico e
despropositado do que a denominação do serviço de trens que se destina aos
cariocas que vivem nos antigos bairros e subúrbios atendidos pelos trilhos da
Central do Brasil e da antiga Leopoldina.
É uma
vergonha a sucessão de desastres e disfunções que afetam os trens da SuperVia.
Eles se repetem com revoltante regularidade.
Em
fotografia de primeira página, O Globo estampa um mais do que risonho
Secretário Júlio Lopes, em amistosa conversa com o presidente da SuperVia,
Carlos José Cunha, em encontro nos trilhos.
Diante dos
desconfortos e perigos defrontados pelos usuários dessa concessionária, não
espanta a revolta dos passageiros, testemunhas da cena. Fica difícil de
entender tanta cordialidade de parte do Secretário de Transportes com o
principal responsável por um serviço que é havido por muitos,com sobejas razões
como precário e perigoso. Daí, os xingamentos pelos passageiros assistentes, a
ponto de
Lopes ter sido forçado a
recorrer à proteção de seguranças na sua saída.
Júlio Lopes,
que é deputado do Partido Popular, foi o mesmo que repreendeu o motorneiro do
bondinho de Santa Teresa por não haver procurado de imediato a oficina. A falta
de sensibilidade de Lopes – afinal o pobre motorneiro, Nelson Corrêa da Silva,
morreu na tentativa de guiar o bonde e, assim, pôr a salvo os seus passageiros
– não fê-lo perder o cargo. Assinale-se a dimensão da tragédia: seis pessoas
morreram e houve cinquenta feridos dentre os passageiros.
O Governador Sérgio Cabral julgou que era mais
importante preservar a aliança com o PP, do que tomar as dores do infeliz
motorneiro, que pensara mais na segurança de seus passageiros do que na própria
vida.
Não se pode
dizer que o governador Cabral seja incoerente. Os serviços públicos de
transporte no Rio que estão sob sua alçada, amiúde têm problemas – como nas
barcas e catamarãs – mas nenhum deles possui condições mais precárias de
funcionamento do que a dita SuperVia.
O Secretário
Lopes - que foi vistoriar o trem que descarrilou a 22 do corrente – culpou as
‘décadas de abandono’ pela situação no sistema ferroviário. E acrescentou que os problemas enfrentados
pelos usuários só serão resolvidos em 2016. Em dois anos, todas as antigas
composições – algumas com até trinta anos – serão substituídas por trens
confortáveis.
Não será
certamente por acaso que a feliz data da chegada das novas composições –
modernas e confortáveis – coincide com a realização da Olimpiada na mui leal e
heroica cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
O que crava mais um prego na dolorosa
definição da longa permanência de um serviço que chega a ser afrontoso na sua
inadequação. Esse tipo de desatenção sistêmica seria acaso pensável em outras
áreas do Rio ? Ou é social essa descriminação genérica que se estende, pela
baixa qualidade do transporte, a todas as periferias dos grandes centros?
O Casamento Civil no
Brasil
A propósito
de recente – e muito oportuna – crônica de
Cora Rónai – ‘Casar é para os
Fortes’, lembrei-me da malograda campanha do
Ministro Helio Beltrão contra a
firma reconhecida e a burocracia cartorial.
A empresa
reeditou o malogro de Dom Quixote, na sua investida contra os moinhos de vento.
O cometimento de Beltrão e de poucos sucessores acabou na mais total vitória da
burocracia, que na prática ignorou o bom propósito, enquanto a herança
peninsular perdurou impávida, com suas filas, seus selos e múltiplos carimbos.
Nesse contexto,
a descrição do cartório de Botafogo se insere em estória da lentidão típica do
serviço, com a usual demora na legalização dos documentos. “Depois os gastos:
somando só a papelada e reconhecimento de firmas, deu uns R$ 1.000! Mil reais
por um serviço que deveria ser gratuito, ou quase. (...) O casamento em si é
uma cerimonia meio surreal. Casais e famílias apertados num lugar minúsculo,
num segundo andar sem elevador.(...) A única escada é estreita e mal desenhada,
um acesso difícil e muito perigoso. Se fosse restaurante, salão de festas (...)
já teria sido (...) interditado pela Defesa Civil.
As Prisões no Brasil
Enquanto aumenta
a taxa de detentos nas prisões – em dez anos subiu de 177 para 274 por cem mil
pessoas – a par de uns poucos estabelecimentos de segurança máxima, a maior
parte dos cárceres no Brasil estão mais para os nefandos Presídios de Pedrinhas
(no Maranhão) e de Porto Alegre (no R.G. do Sul).
No entanto, a
declaração do Ministro da Justiça,
José Eduardo Cardozo de que preferia morrer
a cumprir pena em uma das
masmorras
medievais (cf. o
ex-Ministro Cezar Peluso) me parece inaceitável. Há um
substancial crédito orçamentário – que resulta de dotações não utilizadas para
a construção de cadeias – que passa de exercício para exercício contingenciado.
A reforma
prisional passa por muitos escaninhos da burocracia, e a situação só tenderá a
deteriorar-se ainda mais se nada for feito. Outro dia o jornalista Janio de
Freitas escrevia sobre as condições existentes e a atitude do judiciário.
São
problemas como os do Maranhão e de Porto Alegre que apontam para que a
sociedade – e os políticos – saíam do letargo em que se encontram. Afinal,
segundo o cabeçalho de O Globo ‘Brasil tem 55% mais presos do que a média global’ !
Na China, combate à corrupção é empresa de alto risco
Há pouco tempo,
durante a presidência de Hu Jintao, o
New
York Times publicou reportagem investigativa sobre a abastada situação
financeira de parentes do então Primeiro Ministro Wen Jiabao.
Por força dessa
atividade jornalística comum no Ocidente, o prestigioso jornal e o serviço
Bloomberg sofreram ação repressiva nos respectivos sites, assim como na
eventual renovação dos vistos consulares, muitos deles denegados.
Já no governo
do novo líder Xi Jinping, o interessante é que nada mudou! Castiga-se o órgão
denunciante, que, consoante as novas autoridades, agiu por “intenção oculta”.
Dessarte, foi
impedido o acesso aos sites do espanhol ‘El País’ e do britânico ‘Guardian’ por
terem revelado que treze parentes de líderes políticos chineses mantêm empresas
nas Ilhas Virgens Britânicas.
Para demonstrar
que a anunciada política de transparência de Xi Jinping e de suposto combate ao
enriquecimento ilícito é uma miragem está o julgamento do ativista Xu Zhiyong,
líder do Movimento Novos Cidadãos. Por defender a transparência nas contas de
políticos, Xu pode ser condenado a cinco anos de prisão pelo fato de ‘reunir
uma multidão para perturbar a ordem’.
Há uma espécie
de humor na Inglaterra denominada ‘
Gallows’
humour’. A fundamentação das penas
na
RPC, com a sua burra,
mas agressiva hipocrisia, faria o
Marquês de Beccaria revirar-se na tumba...
Snowden: idealista ou criminoso?
O jornal
The New York Times, em editorial que lhe
faz honra, defendeu para o ex-contratado da
National
Security Agency, Edward Snowden, a concessão do perdão presidencial.
Por sua vez,
não faz muito, houve sondagem do denunciador do programa de espionagem da NSA
de um possível asilo no Brasil. Não creio que o ambiente atualmente seja
propício para tal gesto, mas representaria atitude que estaria na linha da
tradição brasileira de generosidade e independência.
Para muitos, a
atmosfera nos Estados Unidos não semelha favorável a decisão que reconheça o caráter idealista da
iniciativa de Snowden. Ela está na tradição do histórico vazamento dos Pentagon Papers por Daniel
Ellsberg, mas o protagonista daquele célebre caso nos anais do direito à
informação reconhece que a atmosfera atual, com a Corte Suprema sob controle
conservador, não semelha conducente a uma decisão na linha tomada pelos juízes
na década de setenta.
Nesse sentido,
em pesquisa realizada pelo Instituto Pew, 56%
dos entrevistados se mostraram favoráveis a que o denunciador da NSA deva ser processado. 32%
são contra. Somente na faixa etária entre dezoito e vinte e nove anos, há um
empate (42%).
O Ministro da
Justiça (Attorney General) Eric
Holder , que é próximo de Barack Obama (está no gabinete desde 2009), pensa que
Snowden deva ser incriminado. No seu entender, ele desrespeitou a lei, e com a
sua ação não estaria no interesse publico. Não obstante, Holder está aberto a uma negociação através
de seus advogados do plea bargain (pena
concertada previamente). Por sua vez, Snowden lamenta ter sido acusado por
uma lei centenária (sic), e que não
foi pensada para ser aplicada a pessoas que atuaram em prol do interesse
público. A respeito, Snowden acrescenta que tal é frustrante para ele, pois
inviabiliza um julgamento justo (fair
trial).
Por ora, o
mais provável é que Edward Snowden tenha o direito de asilo prorrogado na
Federação Russa.
Revolução na Ucrânia
Após os
enfrentamentos e as mortes de manifestantes, há uma trégua não-escrita na praça
central de Kiev, entre polícia de choque
e a multidão.
O
Presidente
Viktor Yanukovych, diante das exigências da oposição, ofereceu neste
sábado 25 de janeiro, as seguintes concessões: instalar
Arseniy Yatsenyuk (do
partido Pátria) como Primeiro-Ministro, e
Vitali Klitschko, como Vice-Primeiro
Ministro, encarregado de questões humanitárias.
Não se deve
esquecer que Yatsenyuk lidera o Pátria, que é a segunda força no Parlamento,
com 90 cadeiras, no impedimento de Yulia Timoshenko, atualmente
encarcerada em lazareto de Kharkov, em decorrência de processo judicial
manipulado por Yanukovych. Pergunta-se como agirá Yatsenyuk e se consultará a Timoshenko
que presa pela judicialização de
Yanukovych, não deixa de ser a figura mais importante da oposição.
Por sua vez o
ex-campeão mundial de boxe
Vitali
Klitschko comando o
UDAR (Aliança Democrática Ucraniana pró-Reforma), que
favorece abertamente a opção Europa, através de acordo com a União Européia
(tem 42 deputados).
Despertou espécie
entre os manifestantes que Oleg Tyagnibok, do Partido Liberdade (Svoboda), com
bancada de 36 membros, não tenha sido chamado pelo Presidente. A posição desse
partido é mais anti-russa do que favorável à Europa.
Se ainda não se
colheu a reação dos líderes, o Primeiro
Ministro Mykola Azarov, que está no cargo desde 2010, e que defende
resposta dura para as manifestações, seria a bola da vez (ele estava em Davos,
de onde estigmatizou os protestos, que a seu ver não passariam de provocações).
Yanukovych,
cuja argúcia política não deve ser subestimada, seguindo a cartilha preconizada
por Theodore Roosevelt, alterna a
própria resposta entre a cenoura e o porrete.
Dado o seu
apoio pelo segmento pro-russo da população ucraniana, e as bondades do aliado Vladimir Putin, oscila diante do enrijecimento
das manifestações pro-Europa e a reação do Ocidente – com os telefonemas de
Angela Merkel e do Vice americano Joe Biden. A sua esperteza política e a
escassez de escrúpulos lhe têm valido até hoje em uma trajetória acidentada –
vencedor na década passada de eleição presidencial, teve de concordar com a
anulação do escrutínio suspeito, e perder em seguida para Yushchenko, com a revolução
laranja. Logrou superar esse
tropeço, vencendo a Yulia Timoshenko (em pleito também não-isento
de irregularidades). Mais tarde, quiçá no seu maior erro, fez condenar por um
juiz – no modelo de judicialização de V.
Putin – à sua principal adversária Yulia Timoshenko, a quem mantém na
prisão, malgrado repetidos engodos de que vá autorizar a sua próxima
libertação.
Atualmente o presidente não
tem pela frente – pois ela continua presa em Kharkov – a sua principal
adversária. Junto com o pacote de nomeações dos dois líderes da oposição,
Yanukovych também acena em voltar atrás nas emendas constitucionais com que o
seu grupo parlamentar lograra aumentar os poderes do Presidente. No mesmo
espírito, e visando acalmar as ruas (e praças) da Ucrânia, semelha haver
concordado em emendar o pacote de leis
aprovado pelo Parlamento a dezesseis de janeiro corrente, para arrochar o
dissenso, restabelecendo inclusive a liberdade de expressão.
Não há dúvida
que a situação na Ucrânia configura uma condição pré-revolucionária. Yanukovych não faria tais concessões
(tanto as reais, quanto as para inglês ver) se não deparasse um real perigo. Nesse
contexto, é questionável a negociação de parte de alguns líderes da oposição em
troca de posições no governo Yanukovych. Como o poder de Yatsenyuk, do Pátria, e de Klitschko, do UDAR, deriva da praça e das
manifestações, uma adesão às oferendas do presidente só teria fundamento se
colhesse o apoio popular.
(Fontes: Folha de S. Paulo, O Globo, The New
York Times)