quinta-feira, 26 de março de 2020

Bérgamo paga caro pelo menosprezo da quarentena


             
          Bérgamo, no norte da Lombardia, é um aviso para que não se ignore as normas da quarentena,  com vistas ao controle da pandemia da covid-19.  Esta cidade viria a pagar muito caro a sua aposta no relaxamento da quarentena contra esse flagelo.

         Dessa cidade, o exército veio a retirar dezenas e dezenas de caixões para serem cremados em outros locais, diante do colapso do sistema sanitário de Bérgamo. Conforme relata matéria de Marcelo Godoy, no Estado de S. Paulo, no boletim do Ministério da Saúde italiano divulgado ontem, 25 de março, a província de Bérgamo tinha 7.272 casos de contágio  - para 6.728 no dia anterior.  E os óbitos eram 1.328, sessenta a mais do que na terça-feira. Assinale-se que em toda a Itália, os casos já montam a quase 75 mil, com 7,5 mil mortes.

          Como assinala a matéria do Estadão, o desastre de Bérgamo começa a tomar corpo no fim de fevereiro, quando os primeiros casos de  italianos contaminados pelo coronavírus surgiram no País. E os habitantes da província  seguiram tocando a própria vida, como se nada fora.
           Assim, no dia 23 de fevereiro 48 mil torcedores do Atalanta, time da cidade, foram  a Milão ver a vitória  contra o Valencia, da Espanha, pela Liga dos Campeões.  Foi uma "bomba biológica", diria mais tarde o prefeito Giorgio Gori. No dia 27, a Confederação das Indústrias de Bérgamo lançou manifesto, declarando que tudo seguia normal... "Bérgamo está funcionando", afirmava o vídeo.

            Era um recado de otimismo para os parceiros internacionais.  Perto dali, na cidade de Codogno,o pesquisador Mattia, de 38 anos, seguia internado na UTI. Ele, o primeiro paciente italiano diagnosticado com a covid-19, ele se achava em estado grave.  Não obstante, fábricas e comércio da região mantinham abertas as portas - Codogno tinham então apenas 103 casos.  O próprio Giuseppe Conte,Primeiro Ministro italiano, afirmava então que fechar as fronteiras do país "causaria danos econômicos irreversíveis e não era praticável". Todos tinham uma certeza: o país não podia parar. A Itália tinha então 650 infectados.

          Em meio àquela onda de otimismo, mas em Milão, que é a  capital da Lombardia,  se achava o cientista e farmacologista Silvio Garattini, de 91 anos, e presidente do Instituto de Pesquisas Farmacológicas Mario Negri.  Nascido em Bérgamo, o Dr. Garattini dizia que era melhor tomar medidas drásticas do que se arrepender depois. Para ele, era necessário que as ações fossem aceitas pela população como um sacrifício que devia ser feito, pois enfrentavam um desafio desconhecido, representado pelo coronavírus.                         

           Dois dias antes, a 25 de fevereiro, o gabinete Conte havia tomado as primeiras medidas para barrar a doença na Lombardia, com o objetivo de conter o surto em onze cidades: cancelava eventos, restringia a circulação  e fechava cinco mil e quinhentas escolas, por um período de cinco dias, além de creches, teatros, cinemas e museus. Por fim, o ministério da Saúde pedia à gente um "toque de recolher voluntário". 

             Infelizmente, na cidade de Bérgamo os conselhos do Instituto Mario Negri e do próprio ministério caíram em ouvidos moucos.  "Foram cometidos erros demais e esses erros pesam", declarou o Dr. Garattini à TV RAI 3. "Infelizmente, aqui foi privilegiada a proteção da atividade econômica em relação à tutela da saúde."

             Assim, dezenas de empresas da região, têm relação com a China. A cidade ficou fora da zona de exclusão inicial.  Então, os casos começaram a explodir.  E o mundo reagiu.  Em primeiro de março, os clientes estrangeiros passaram a rejeitar os produtos com receio de serem postos em quarentena em seus países.
              Em oito de março, o Primeiro Ministro Conte anunciara quarentena na Lombardia e onze províncias. Naquele momento havia 230 mortes na Itália e 5.883 casos de covid-19.  No dia seguinte, estendeu a medida para toda a Itália. Dez dias depois, chegava a Bérgamo um comboio de quinze caminhões do Exército. Era a primeira das missões para retirar corpos da cidade e cremá-los em outros locais.
                Ontem, o exército entrou na cidade vizinha de Seriate. Retiraram de lá mais de 45  cadáveres. Ao mesmo tempo, um grupo de trinta médicos russos chegou a Bérgamo para ajudar os italianos.

              "Em Bérgamo, houve grave subavaliação",  assinala o Dr. Silvio Garattini. Não é decerto a conclusão que o dr. Garattini apreciaria fazer neste caso triste. E como se verifica, bastaria que o Primeiro Ministro Conte e seus subordinados houvessem escutado com atenção e tomado as providências que requeriam a  experiência e sabedoria na matéria  do Dr. Garattini, para que tantas mortes não viessem a ocorrer.

( Fonte: O Estado de S. Paulo )

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