A presente eleição pode parecer uma fábula, mas
infelizmente não é. Porque nas fábulas o bem costuma prevalecer no final, e no
presente exercício aumentam as indicações de que neste caso não será assim.
Pelo menos, ilustres passageiros do
bonde Brasil, as coisas não parecem se encaminhar para o resultado desejado
pela maioria.
Pois maioria semelhava ser ao começo,
quando correu a notícia da grande prova.
Tudo havia sido preparado para que
não houvesse surpresas, nem aquelas novidades que viessem contrariar a ordem
estabelecida.
A dissidente – que pelo seu poder
carismático, comprovado pelo movimento
das ruas, poderia desafiar a ordem do velho líder – fora afastada do picadeiro,
por induzida gentileza de terceiros.
Sem embargo, as Parcas são
divindades caprichosas, e num capricho – em que sua enigmática crueldade se pôs
à mostra de modo tão incompreensível quanto horrendo – lá se foi pela corrente
do Tempo o que o homem das barbas grisalhas engendrara com tanta astúcia.
De repente, os céus aparentam
dissipar-se e eis que outra vez surge, em meio à confusão, a dissidente.
No gesto, ela traz a maneira ascética
com que nascimento e existência a dotaram. Nos traços e nas maneiras simples,
será a viajante que pela bagagem terá sempre muitas portas abertas e
expectativas a muito poucos concedidas.
Pelo jeito, postura e passado é a
visita que será acolhida de bom grado por pobres e ricos, em saletas apertadas ou
grandes salões. Em todo lugar ela traz consigo a esperança, essa entidade tão
arredia nos tempos que correm.
Ao adentrar esses lares, será saudada
e recebida com gosto e mesmo entusiasmo. Pois faz tempo que não se vê nos
caminhos desses brasis pessoas que a ela se assemelhem.
No entanto, ao velho líder de quem
ela se afastara um dia, mas a quem teima em continuar respeitando, não agrada a
perspectiva de que ela possa ascender mais alto.
À sua gente, que mudou bastante pelas
usanças do poder, tampouco compraz a perspectiva de que venha a colocar-se no
lugar mais alto das coisas de nossa terra, e que, desse modo, lhes arrebate o
poder e suas imensas benesses.
No início do processo, a dissidente
é saudada por grande maioria, cansada das condições prevalentes no domínio do velho
líder e de sua preposta. A força da desafiante está na circunstância de vir de
fora, e não ter à volta os grupos enquistados na ordem estabelecida, que o povo
deseja afastar pela gestão desastrada da discípula do velho líder.
Mas ela está quase sozinha, eis que –
se tem o apoio da maioria – não dispõe das muitas vantagens com que, homem
providente, se armara o velho líder. Nesse banquete, a que chegou sem convite,
não há muito espaço para ela, e recebe, por isso, as primeiras saraivadas de
rumores negativos e de muitas novidades – aquelas que nossas avós detestavam –
com a sua peçonhenta carga de meias-verdades e até mesmo de mentiras.
Para o mal, o poder está armado até
os dentes, e ela, esguia e sem os adereços do mando, se descobre indefesa.
Pensa então na Geni e nas pedras que
lhe jogam. São pedras em verdade abstratas, mas como doem ! E tantas palavras
maldosas ao vento irão cair em ouvidos, a princípio arredios, mas que a
repetição – e o silencio a que está constrangida por uma distribuição solerte e
sobretudo iniqua – irá produzir os seus efeitos.
Por força dessa luta desigual, a
carga de simpatia e apoio que chovera copiosa a princípio, se desfaz pelas
artes de propaganda traiçoeira, cuja credibilidade se reforça pela
ingenuidade dos ouvintes e, sobretudo, pela falta de respostas. E de onde virá tal contestação, se o velho
líder cuidou de cercá-la com a escassez das secas impiedosas, que soezes lhe
negam o atributo mais comum que é a oportunidade de defender-se desses
temporais que não cessam nunca, e que carregam com eles as plantinhas que a
esperança trouxera.
No combate sem quartel, a raiva do
poder estabelecido é tal que até ajuda o terceiro candidato, a ponto de que a
ex-discípula o tenha também às portas, a aproximar-se do seu farnel de apoio –
antes abundante, hoje minguante – de modo tal que se pode até pensar que o
poder do Velho Líder é tanto que vá até escarnecer da antiga ameaça.
Nessa jornada, em que o céu límpido
da vitória prometida se transforma no granizo da desgraça repentina, os olhos
de nossa personagem mais uma vez se elevam para o firmamento onde se escondem
tantas surpresas.
Será que a sorte do Povo brasileiro
pode ser tão madrasta? Será que as oferendas aos deuses continuarão a trazer maus
presságios? Ou, por trás das nuvens, se esconde propícia divindade que, para
surpresa de muitos, algum adivinho lerá para a gente boquiaberta ?
( Fontes subsidiárias: mitologia helênica, Chico Buarque de Holanda )
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