Continua o enfrentamento em Hong Kong, entre governo
regional e os estudantes. Os
manifestantes pró-democracia deram ultimato ao presidente da região, Leung
Chun-ying. Tem até hoje para renunciar: se não o fizer, os estudantes se
dispõem a ocupar edifícios públicos.
É uma estratégia que tem similaridades
e diferenças com o enfrentamento na Praça Tiananmen.
Na época, os estudantes depois de voltas e contravoltas, mantiveram até o fatal
dia quatro de junho de 1989 a ocupação da Praça da Paz Celestial, em Beijing.
Por sua vez, o movimento em Hong Kong, uma ex-colônia
britânica, recuperada por Beijing sob condição em 1997, ocupa uma área muito
mais ampla.
As reivindicações da ação são claras e
poderiam ser resumidas em mais democracia. Nesse
contexto, querem a renúncia de Leung. Por ora, o chefe de Hong Kong se tem
recusado. No entanto, tem agido no sentido de efetuar prisões de ativistas e usar
a força policial (já tentado uma vez, sem sucesso).
Na ditadura burocrática a que evoluiu a
governança da China, parecer é mais importante do que ser. Essa preocupação se
entende na ótica da jerarquia chinesa. Daí, as interdições do Weibo (que é
Twitter chinês), e também da transmissão de imagens pelo Instagram. É o chamado
‘efeito demonstração’, realizado pela partilha de imagens que Beijing deseja
conter de toda forma.
Imagem de um manifestante – ou de uma
multidão de manifestantes – tem efeito temível para a hierarquia chinesa, eis
que compartilha com outros chineses – estes no Continente, em que a polícia
política e as congêneres estão nervosas com a potencialidade do rastilho do
fogo democrático.
Nesse contexto, a vida dos opressores –
e dos mantenedores da ordem se torna bastante mais complexa, com o metafórico
incêndio de democracia em Hong Kong. Assinale-se, por oportuno, que a fobia da
segurança é tal que na RPC a acusação de congregar na via pública uma dezena de
pessoas constitui motivo bastante para trancafiar na cadeia o alegado
arruaceiro.
Dessarte, a tecnologia fotográfica do
celular representa para esses homens de capa cinzenta um anátema, eis que para
os órgãos da segurança – que tem no orçamento da RPC descomunal dotação para
tentar controlar esse enigma da liberdade política – a sua missão precípua é a
de evitar a transmissão desta ideia. Em tal contexto, haveria algo de mais
‘subversivo’ que uma foto de multitudinária congregação reunida por uma única
palavra de ordem: liberdade ?
O escopo das manifestações é simples:
fim da repressão de Beijing, sufrágio universal sem condições, e repúdio de
listas marcadas pelas autoridades chinesas. Assim, o líder, a ser escolhido por
Hong Kong em 2017 pelo voto universal, não pode constar de lista pré-aprovada
por Beijing. Reafirmam portanto a concessão feita por Beijing de que o chefe da
administração regional será escolhido sem restrições pelo sufrágio universal
dos habitantes da antiga colônia britânica.
Assim, por conta da nova tecnologia do
celular, a democracia é uma condição extremamente contagiosa. As prisões
realizadas pelo estamento repressor chinês não são poucas, mas traem essa
fraqueza dos ‘home’[1] das polícias políticas na RPC. A China Human Rights Defenders não precisou
quantos ativistas já foram detidos, mas está confirmada a detenção de Wang
Long, preso em Shenzhen, na última segunda-feira. Falta cometida pelo
indivíduo: compartilhar reportagens sobre as manifestações. Por outro lado, pelo menos 20 pessoas já haviam
sido detidas após manifestação em um parque de Cantão, no sul da China.
Por outro lado, o ministro das Relações
Exteriores da China, Wang Yi, depois de encontrar-se com
o Secretário de Estado John Kerry, reiterou o mantra da
ditadura burocrática chinesa: ‘Os protestos em Hong Kong não têm nada a ver com
os Estados Unidos. O Governo chinês já expressou formalmente e de maneira clara
sua posição. Hong Kong é um assunto interno da China. Todos os países deveriam
respeitar a soberania chinesa.’
Enquanto as autoridades chinesas apelam
para a soberania, como se se pudesse compartimentalizar os direitos humanos, e
assim evitar ‘intromissões’ do Ocidente nos ‘assuntos ditos internos’ da RPC,
os dois principais grupos de manifestantes se encontraram com a vice do Chefe
Leung, Carrie Lam.
O ‘lider’ de Hong Kong, Leung
Chu-ying, declarara antes que estava pronto a dialogar com os
manifestantes, desde que as conversações fossem dentro dos parâmetros colocados
por Beijing. Em consequência, Leung delegou para a sua Vice, Carrie Lam, a realização do diálogo. A
Federação dos estudantes de Hong Kong, um dos dois principais grupos,
concordou, desde que as conversações fossem realizadas em público. Também o
segundo grupo – a Central de Ocupação – aceitou conversar, posto que voltasse a
exigir a renúncia do Chefe Leung, bem como a retirada por
Beijing de sua diretiva de limitação das
liberdades políticas.
Há uma preocupação dos manifestantes
quanto a reações mais violentas das autoridades de segurança, assim como o
cansaço nos militantes, com a sua dinâmica desagregadora. Através da união do
grupo, sua continua e maciça presença,
mantem-se a força do movimento.
Nesse sentido, o New York Times colheu declarações de Joseph Cheng Yu-shek, professor de
ciência política da Universidade de Hong Kong, e desde muito partidário de mais
liberdade política na cidade : “Estamos aqui para dizer que não estamos
abandonando a luta. Estamos aqui, porque enquanto continuarmos a luta, pelo
menos ainda não a perdemos”.
Não se poderia ter nesse professor
universitário uma disposição mais aberta para o diálogo, conjugada com
pragmatismo que pode parecer até meio simplório, mas que traduz uma crença na
negociação levada às últimas consequências.
( Fontes: O Globo, The New York Times, CNN )
[1] Os ‘home’ era a designação
genérica dada pelos movimentos democráticos revolucionários no Brasil sob
regime militar para designar os violentos agentes ditos secretos da segurança
pública.
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