quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Hong Kong: Trincheira da Liberdade

                          

        Continua o enfrentamento em Hong Kong, entre governo regional e os estudantes.  Os manifestantes pró-democracia deram ultimato ao presidente da região, Leung Chun-ying. Tem até hoje para renunciar: se não o fizer, os estudantes se dispõem a ocupar edifícios públicos.

        É uma estratégia que tem similaridades e diferenças com o enfrentamento na Praça Tiananmen. Na época, os estudantes depois de voltas e contravoltas, mantiveram até o fatal dia quatro de junho de 1989 a ocupação da Praça da Paz Celestial, em Beijing.

        Por sua vez,  o movimento em Hong Kong, uma ex-colônia britânica, recuperada por Beijing sob condição em 1997, ocupa uma área muito mais ampla. 

       As reivindicações da ação são claras e poderiam ser resumidas em mais democracia.   Nesse contexto, querem a renúncia de Leung. Por ora, o chefe de Hong Kong se tem recusado. No entanto, tem agido no sentido de efetuar prisões de ativistas e usar a força policial (já tentado uma vez, sem sucesso). 

        Na ditadura burocrática a que evoluiu a governança da China, parecer é mais importante do que ser. Essa preocupação se entende na ótica da jerarquia chinesa. Daí, as interdições do Weibo (que é Twitter chinês), e também da transmissão de imagens pelo Instagram. É o chamado ‘efeito demonstração’, realizado pela partilha de imagens que Beijing deseja conter de toda forma.

       Imagem de um manifestante – ou de uma multidão de manifestantes – tem efeito temível para a hierarquia chinesa, eis que compartilha com outros chineses – estes no Continente, em que a polícia política e as congêneres estão nervosas com a potencialidade do rastilho do fogo democrático.

        Nesse contexto, a vida dos opressores – e dos mantenedores da ordem se torna bastante mais complexa, com o metafórico incêndio de democracia em Hong Kong. Assinale-se, por oportuno, que a fobia da segurança é tal que na RPC a acusação de congregar na via pública uma dezena de pessoas constitui motivo bastante para trancafiar na cadeia o alegado arruaceiro.

         Dessarte, a tecnologia fotográfica do celular representa para esses homens de capa cinzenta um anátema, eis que para os órgãos da segurança – que tem no orçamento da RPC descomunal dotação para tentar controlar esse enigma da liberdade política – a sua missão precípua é a de evitar a transmissão desta ideia. Em tal contexto, haveria algo de mais ‘subversivo’ que uma foto de multitudinária congregação reunida por uma única palavra de ordem:  liberdade ?

          O escopo das manifestações é simples: fim da repressão de Beijing, sufrágio universal sem condições, e repúdio de listas marcadas pelas autoridades chinesas. Assim, o líder, a ser escolhido por Hong Kong em 2017 pelo voto universal, não pode constar de lista pré-aprovada por Beijing. Reafirmam portanto a concessão feita por Beijing de que o chefe da administração regional será escolhido sem restrições pelo sufrágio universal dos habitantes da antiga colônia britânica.

         Assim, por conta da nova tecnologia do celular, a democracia é uma condição extremamente contagiosa. As prisões realizadas pelo estamento repressor chinês não são poucas, mas traem essa fraqueza dos ‘home’[1] das polícias políticas na RPC. A China Human Rights Defenders não precisou quantos ativistas já foram detidos, mas está confirmada a detenção de Wang Long, preso em Shenzhen, na última segunda-feira. Falta cometida pelo indivíduo: compartilhar reportagens sobre as manifestações.  Por outro lado, pelo menos 20 pessoas já haviam sido detidas após manifestação em um parque de Cantão, no sul da China.

        Por outro lado, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, depois de encontrar-se com o Secretário de Estado John Kerry, reiterou o mantra da ditadura burocrática chinesa: ‘Os protestos em Hong Kong não têm nada a ver com os Estados Unidos. O Governo chinês já expressou formalmente e de maneira clara sua posição. Hong Kong é um assunto interno da China. Todos os países deveriam respeitar a soberania chinesa.’

         Enquanto as autoridades chinesas apelam para a soberania, como se se pudesse compartimentalizar os direitos humanos, e assim evitar ‘intromissões’ do Ocidente nos ‘assuntos ditos internos’ da RPC, os dois principais grupos de manifestantes se encontraram com a vice do Chefe Leung, Carrie Lam.

         O ‘lider’ de Hong Kong, Leung Chu-ying, declarara antes que estava pronto a dialogar com os manifestantes, desde que as conversações fossem dentro dos parâmetros colocados por Beijing. Em consequência, Leung delegou para a sua Vice, Carrie Lam, a realização do diálogo. A Federação dos estudantes de Hong Kong, um dos dois principais grupos, concordou, desde que as conversações fossem realizadas em público. Também o segundo grupo – a Central de Ocupação – aceitou conversar, posto que voltasse a exigir a renúncia do Chefe Leung, bem como a retirada por Beijing de sua diretiva  de limitação das liberdades políticas.

           Há uma preocupação dos manifestantes quanto a reações mais violentas das autoridades de segurança, assim como o cansaço nos militantes, com a sua dinâmica desagregadora. Através da união do grupo, sua continua e maciça  presença, mantem-se a força do movimento.

           Nesse sentido, o New York Times colheu declarações de Joseph Cheng Yu-shek, professor de ciência política da Universidade de Hong Kong, e desde muito partidário de mais liberdade política na cidade : “Estamos aqui para dizer que não estamos abandonando a luta. Estamos aqui, porque enquanto continuarmos a luta, pelo menos ainda não a perdemos”.

            Não se poderia ter nesse professor universitário uma disposição mais aberta para o diálogo, conjugada com pragmatismo que pode parecer até meio simplório, mas que traduz uma crença na negociação levada às últimas consequências.

 

( Fontes:  O Globo, The New York Times,  CNN )



[1] Os ‘home’ era a designação genérica dada pelos movimentos democráticos revolucionários no Brasil sob regime militar para designar os violentos agentes ditos secretos da segurança pública.

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