segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Tensão em Hong Kong


                     

          C.Y. Leung, o Líder de Hong Kong exigiu a liberação das ruas do centro para esta manhã, seis de outubro.

          Aumenta, no entanto, a incerteza quanto ao que está por trás da exigência. Se se trata de um apelo pro-forma, talhado para não desagradar o governo central de Beijing, ou se é para valer. Como será implementado é outra questão, eis que há claros limites para o que a mídia possa chamar de ultimatum.

          De qualquer forma, posto que se indique já perceber-se sensível   diminuição no número de manifestantes da ocupação do centro de Hong Kong, ainda ali permanece multidão considerável.

          Essa ocupação de área central de Hong Kong já principia a impingir à paciência de atividades que se vêem frustradas pelas dificuldades na circulação.  Esta exasperação de certos segmentos bem poderia ser o motor de série de investidas por pessoal de meia idade, que tem atacado grupos de manifestantes, recorrendo inclusive à violência (restringida, no entanto, a ameaças verbais e empurrões). Aplicar-se-ía aqui também um critério seletivo. Os valentões escolhem alvos mais débeis, enquanto vociferam que assim não dá mais e que precisam continuar a trabalhar. Daí, a sentida urgência de desimpedir a circulação e desembaraçar os locais públicos.

          O cerco dos edifícios governamentais, se não foi levantado, apresenta pontos em que a ocupação dos logradouros se reduziu um pouco. Assim,  foi reaberta rua adjacente à sede do gabinete de Leung, embora cerca de quarenta manifestantes  continuem sentados perto da sede governamental de Hong Kong.

          O chamado diálogo com Leung segue aos arrancos, por duas razões principais: não há lideres incontestes do movimento que eclodira espontaneamente, quando se soube que Beijing decidira endurecer as instruções quanto à designação do comitê para escolher os nomes que concorrerão para Lider da Região administrativa de Hong Kong, em 2017.

           Por outro lado, o diálogo com o Líder Leung procede aos trancos e barrancos, de uma parte pelo diálogo de surdos com o representante de Beijing, que não admite negociar sobre a disposição das autoridades federais em alterar o disposto sobre a eleição em 2017.  Havia o entendimento que representantes de Hong Kong poderiam concorrer livremente para a escolha soberana da população de um novo Líder.  A vazada determinação de Beijing de transformar esse voto universal em jogo de cartas marcadas (somente pessoas que tivessem o nihil obstat[1] da capital chinesa poderiam concorrer) revoltou a população de Hong  Kong. 

           Como se sabe, o território da antiga colônia de Sua Majestade fora reunido à RPC após negociação com o Reino Unido. No processo, foram inseridas cláusulas para preservar o respeito às particularidades observadas na antiga Colônia, e em especial a democracia. Daí, a fórmula de um país e dois sistemas, que Beijing quer, na prática, esvaziar, e que os manifestantes lutam por manter.

               Os manifestantes de Hong Kong integram um movimento de muitas cabeças. Se o governo de C.Y. Leung reclama da falta de um líder com que negociar – o que pode ser apenas uma desculpa, atendida a circunstância de que para Beijing a flexibilidade da Administração Regional é apenas uma ficção. A metrópole se fundamenta em uma postura autoritária, que não convive com o dissenso. Como todos os regimes que se apoiam no fuzil e no autoritarismo, para eles a democracia é uma espécie de câncer que, por mais localizada que esteja, sempre representará para as ditaduras sejam militares, ideológicas ou burocráticas uma séria ameaça.

               Basta ver para sentir o seu temor com esse tipo de desafio a enormidade que o regime  burocrático chinês dispende em segurança política e correlatos. Não é por acaso que a situação de Liu Xiaobo, Prêmio Nobel da Paz, confere à República Popular da China o dúbio galardão de ser o único país do planeta a manter o recipiendário de tal prêmio enfurnado em masmorra. 

                Frustrando esperanças  vãs, Xi Jinping, o novo líder do regime burocrático da RPC, não quer correr riscos. Os sistemas fechados representam viveiros preciosos para a luxuriante corrupção. Zhao Ziyang, Secretário-Geral do Partido estava convencido de que a corrupção prevalente só seria dominada através da democracia. Pena que não conseguiu convencer o Supremo Líder Deng Xiaoping, e por isso Zhao perderia todos os cargos e terminaria a vida em prisão domiciliar.  Por ser muito popular, foi transformado em uma não-pessoa na China, até sua morte em 2005.

                O regime vigente na China é um amálgama de abertura econômica controlada, com autoritarismo burocrático. A sua preocupação não é a ideologia, mas sim a manutenção do poder. Será tendo isso presente que se esforçam em evitar a sorte de Cixi, na grafia moderna, Ts’e-hi, a Imperatriz Viúva[2], regime que teria feito, supostamente em  demasia, reformas e concedido  liberdades, e por isso – e dentro dessa visão distorcida - teria acabado vítima de seu próprio liberalismo... 

 

(Fontes:  The New York Times, O Globo, The New York Review, Enciclopédia Delta-Larousse)               



[1] \Nada obsta.
[2] Cixi, a Imperatriz Viúva, na grafia antiga Ts’e-hi  (1834-1861-1908)

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