sexta-feira, 31 de outubro de 2014

A recusa italiana da extradição de Pizzolato


                        
          Não procede a tentativa brasileira de interpretar a recusa de conceder a extradição para o condenado na Ação Penal 450 (processo do mensalão), o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato como retaliação à não-extradição pelo Brasil para a Itália de Cesare Battisti. Como se sabe, Battisti, sobre cuja condenação pela Justiça italiana –supostamente por homicídios cometidos em seu país, no tempo das chamadas ‘brigadas vermelhas' – pairam muitas dúvidas, pode viver legalmente no Brasil, em decorrência do asilo político que lhe foi concedido.

          A defesa de Pizzolato perante a Justiça italiana se baseou nas péssimas condições dos presídios e prisões no Brasil.  Bastou para os seus advogados apresentar fotografias e relatos pertinentes das cadeias brasileiras.

          Todos nós brasileiros nos envergonhamos desse estado de coisas, e o descalabro das condições prisionais em nosso país levaram até o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo,  a declarar: “As prisões no Brasil são medievais e seria melhor morrer do que ficar preso por anos. Entre passar anos num presídio brasileiro eu talvez preferisse perder a vida.”

           Durante os debates na última eleição presidencial, o assunto não deixou de vir à tona.  As causas da lastimosa situação só se tem agravado nos últimos anos. Excluídos uns poucos presídios de segurança máxima e a Prisão da Papuda, o espetáculo proporcionado pelas nossas prisões parece pedir o aparecimento de  êmulo do expoente do Iluminismo Italiano, o Marquês de Beccaria[1], com o seu celebérrimo livro Dei Delitti e delle Pene (Dos Delitos e das Penas).

            É atribuída a Beccaria a afirmativa de que, diante das condições dos cárceres de então, já se prenunciava um sofrimento desproporcional ao eventual condenado.  Por sua vez, pesam contra assertiva do Ministro Cardozo duas circunstâncias graves - o seu famoso antecessor é do século XVIII, e, por outro lado, mesmo que não se duvide o empenho do atual Ministro da Justiça em começar a pôr remédio ao permanente escândalo, o governo de Dilma Rousseff se tem pautado pelo sistemático contingenciamento das dotações orçamentárias previstas para a necessária reforma dos estabelecimentos penais brasileiros. É isso que torna a declaração do responsável pelo nosso sistema carcerário um verdadeiro oxímoro[2].

           Enquanto os presídios de Porto Alegre – este tardia e parcialmente implodido pelo Governador Tarso Dutra – e  de São Luiz, parecem atrair o opróbio nacional, mas não há negar – como o próprio procurador-geral da República, Rodrigo Janot o admite, quando aludiu à estratégia da defesa de Pizzolato (‘que foi explorar presídios  que na verdade são enxovias mesmo[3]’ ).

           Diante da má gestão das contas nacionais pelo governo petista da presidenta Dilma Rousseff – acaba de estourar enorme déficit nas contas públicas – e a postergação contumaz em quase tudo que se reporta ao sistema carcerário no Brasil, as perspectivas de uma renovação do quadro não seriam muito risonhas nem mesmo para o nosso Dr. Pangloss, personagem do romance Candide, de Voltaire, inspirado na filosofia otimista de Leibniz. 

           Para o Procurador-Geral, a negativa da extradição de Pizzolato pode abrir um precedente  ‘muito perigoso’ para o Brasil de “não conseguir mais extraditar ninguém da Comunidade Europeia”.

           No recurso, os brasileiros vão salientar que os locais indicados para Pizzolato cumprir a pena – Papuda (Brasília), Curitibanos e Canhanduba (Santa Catarina) – são totalmente adequados, sem a possibilidade de os presos serem submetidos  a condições desumanas e degradantes.

            Sem embargo de dois dos estabelecimentos acima citados, a inserção de Curitibanos provoca algumas dúvidas, pela recente revolta de presos aí verificada, e as tétricas consequências sofridas por alguns deles... Talvez fosse o caso de diminuir a lista, o que já é indício de que o nosso sistema é mesmo uma das vergonhas nacionais.
 

             Nesse contexto, a única boa notícia para aqueles que ainda acreditam que criminosos (seja os de colarinho branco, seja os sem-colarinho) devem ir para a cadeia, é que Henrique Pizzolato teve denegado pela burocracia italiana  seu requerimento de segunda via da carteira de identidade. Na ocasião lhe foi relembrado que não poderia receber novo documento, porque ele não fora nem furtado, nem extraviado, mas apreendido pela Justiça italiana. Não terá condições, portanto, de recuperar por ora a liberdade plena de circulação em seu refúgio europeu...

 

 

(Fonte:  Folha de S. Paulo)




[1] Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria (1738-1794)
[2] Segundo o Houaiss,  “figura em que se combinam palavras de contexto oposto que parecem excluir-se mutuamente”.
[3] Calabouço, masmorra, recinto insalubre.
 
 
 
 
 

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