sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Cuidado com o Relativismo !

                         

        Poderão achar interessante o artigo na Folha. À situação, seja qual for seu esteio ideológico, se esquerda ou direita, sempre aproveitará desmerecer das investidas do campo idealista. Pelo seu próprio rótulo, parece-lhe fácil, quiçá demasiado fácil, retirá-lo do campo de consideração útil, ainda que com condescendente aceno de cabeça.

        A suposta desconexão com a realidade será julgada menos pelas reações da sociedade, expressas em grandes movimentos populares, que tiveram ramificações e projeções inesperadas, como o movimento das passeatas do passe-livre, encetadas em junho de 2013, na Paulicéia.

        As grandes revoluções, como a própria designação indica, não são movimentos do dia-a-dia. A superficialidade e o acomodatismo não são o forte dessas revoluções. Por isso é que são raras, e por isso também é que a cena contemporânea as recebe, a princípio, com um travo de ceticismo.

        Isso ocorre porque tal fenômeno não integra o cotidiano, com a sua mediocridade habitual. Diante dessa aparição, a reação do ordinário passará da rejeição para o desconforto consequente. As diversas correntes afetadas, muitas delas atarantadas, tentarão embotar-lhe a investida e a difusão, seja pela superficial e temporária adoção de suas teses, seja pela esquizofrenia de reação fora do tempo e do espaço.

         Nas eleições correntes, as forças da direita (Aécio Neves) e da suposta esquerda (PT lulo/dilmista) atuam de forma previsível. Em seu longo momento de poder, a confederação da esquerda sindicalista se vale de todos os instrumentos que lhe vêm por acréscimo, em função sobretudo da extensa permanência no controle do Estado.

         Se já perdeu a agudeza ideológica, ela é Anteu, o personagem legendário cuja força provinha da mãe-terra, e por isso seria imbatível enquanto essa conexão fosse mantida.

         Não vimos outra coisa no embate do primeiro turno. A força revolucionária com o seu atrativo do novo e a ligação com o movimento de junho, cujas consequências ainda pairam irrealizadas, terá sido o motor da surpreendente progressão da curva descendente da candidata Marina.

         Enquanto as forças da situação o permitiram, menos pela própria vontade do que pela inicial ataraxia diante do novo, que o Povo reagisse favoravelmente à proposta simples e centrada na sofrida realidade, o quadro das chamadas ‘prévias’ apresentou uma visão que assustou às forças da reação, seja do continuísmo, seja da reforma de direita.

          No entanto, o processo intrínseco – porque substancialmente deformado – não conviveria por muito com a situação idealista e sem condições de implantação na realidade.

         A razão é de enganosa singeleza. Toda revolução só prevalecerá realmente se os seus componentes primevos e de maior autenticidade tiverem possibilidade de implantação na realidade que tenciona transformar.

         Para tanto, um exemplo semelha de interesse. Quando o presidente François Mitterrand organizou a comemoração do bicentenário da Revolução Francesa, determinou as forças do liberalismo bem-comportado  que ele presidia, que dos festejos, temáticos ou não, do movimento irrompido a catorze de julho de 1789 fosse evitada maior menção à corrente de Maximilien de Robespierre. Por quê ? Pela simples razão, que a mensagem de Robespierre é a única com relevância atual dentro do ideário da grande Revolução. Por teme-la, Mitterrand, o político consumado, manifestava a sua preferência por Thermidor, vale dizer a reação conservadora à Grande revolução, que, pela sua periculosidade, mandara Robespierre e a mor parte de sua facção para a guilhotina. No entanto, ao fazer tal corte,  o presidente Mitterrand,  contrario sensu, frisava a importância das idéias de Robespierre. Não era um juízo de valor, mas de continuada relevância, o que justificaria a censura.

         Marina foi derrotada através da desconstrução sistemática do seu ideário. Uma grande aliança, encabeçada pelo Partido dos Trabalhadores, no seu avatar lulo/dilmista, cuidou com comovente pertinácia da neutralização de Marina Silva. Se a ordem previsível houvesse sido obedecida – a do TSE negando o registro à Rede Sustentabilidade, com o voto solitário em contra do Ministro  Gilmar Mendes – tudo ficaria como dantes no quartel de Abrantes. No entanto, a formação da chapa do PSB, com Eduardo Campos e Marina Silva, se prestaria a uma intervenção cruel e inesperada, da deusa Túxe. A fatalidade assustaria por um tempo o statu-quo, mas a mesma relação de fatores adversos subsistiria. Com esforço maior – o que contribue para melhor contemplar-lhe a face hedionda – o Poder do PT conseguiria desconstruir a ameaça da candidata Marina. Através de uma situação iniqua, mas legal, as forças auxiliares do lulo-dilmismo lograriam êxito, posto que com maior desgaste junto à opinião pública.

           Estamos agora em novo capítulo de novela que deveria ter sido composta pelos escribas do lulo/petismo. A fragilização do movimento prossegue, com a intervenção de fatores que não deveriam estar computados, como a incidência da corrupção.

           Qualquer que seja o resultado, dentro da linha de Mitterrand, semelha evitar o mal que julgam maior, embora a conscientização do ideário adverso foi muito além de o que as forças do conservadorismo – e por elas se entenda primariamente o lulo-petismo – o desejavam.

            O resultado continua em aberto, embora dele se haja profilaticamente afastado o componente revolucionário. Estamos, portanto, aguardando a realização de mais um capítulo de uma novela que não termina decerto aqui.

 

( Fonte:  Folha de S. Paulo )                

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