Poderão achar interessante o artigo na Folha. À
situação, seja qual for seu esteio ideológico, se esquerda ou direita, sempre
aproveitará desmerecer das investidas do campo idealista. Pelo seu próprio
rótulo, parece-lhe fácil, quiçá demasiado fácil, retirá-lo do campo de
consideração útil, ainda que com condescendente aceno de cabeça.
A suposta desconexão com a realidade
será julgada menos pelas reações da sociedade, expressas em grandes movimentos
populares, que tiveram ramificações e projeções inesperadas, como o movimento
das passeatas do passe-livre, encetadas em junho de 2013, na Paulicéia.
As grandes revoluções, como a própria
designação indica, não são movimentos do dia-a-dia. A superficialidade e o
acomodatismo não são o forte dessas revoluções. Por isso é que são raras, e por
isso também é que a cena contemporânea as recebe, a princípio, com um travo de
ceticismo.
Isso ocorre porque tal fenômeno não
integra o cotidiano, com a sua mediocridade habitual. Diante dessa aparição, a
reação do ordinário passará da rejeição para o desconforto consequente. As
diversas correntes afetadas, muitas delas atarantadas, tentarão embotar-lhe a
investida e a difusão, seja pela superficial e temporária adoção de suas teses,
seja pela esquizofrenia de reação fora do tempo e do espaço.
Nas eleições correntes, as forças da
direita (Aécio Neves) e da suposta esquerda (PT lulo/dilmista) atuam de forma
previsível. Em seu longo momento de poder, a confederação da esquerda
sindicalista se vale de todos os instrumentos que lhe vêm por acréscimo, em
função sobretudo da extensa permanência no controle do Estado.
Se já perdeu a agudeza ideológica, ela
é Anteu, o personagem legendário cuja força provinha da mãe-terra, e por isso
seria imbatível enquanto essa conexão fosse mantida.
Não vimos outra coisa no embate do
primeiro turno. A força revolucionária com o seu atrativo do novo e a ligação
com o movimento de junho, cujas consequências ainda pairam irrealizadas, terá sido
o motor da surpreendente progressão da curva descendente da candidata Marina.
Enquanto as forças da situação o
permitiram, menos pela própria vontade do que pela inicial ataraxia diante do
novo, que o Povo reagisse favoravelmente à proposta simples e centrada na sofrida
realidade, o quadro das chamadas ‘prévias’ apresentou uma visão que assustou às
forças da reação, seja do continuísmo, seja da reforma de direita.
No entanto, o processo intrínseco –
porque substancialmente deformado – não conviveria por muito com a situação
idealista e sem condições de implantação na realidade.
A razão é de enganosa singeleza. Toda
revolução só prevalecerá realmente se os seus componentes primevos e de maior
autenticidade tiverem possibilidade de implantação na realidade que tenciona
transformar.
Para tanto, um exemplo semelha de
interesse. Quando o presidente François Mitterrand organizou a comemoração do
bicentenário da Revolução Francesa, determinou as forças do liberalismo
bem-comportado que ele presidia, que dos
festejos, temáticos ou não, do movimento irrompido a catorze de julho de 1789
fosse evitada maior menção à corrente de Maximilien de Robespierre. Por quê ? Pela
simples razão, que a mensagem de Robespierre é a única com relevância atual
dentro do ideário da grande Revolução. Por teme-la, Mitterrand, o político
consumado, manifestava a sua preferência por Thermidor, vale dizer a reação
conservadora à Grande revolução, que, pela sua periculosidade, mandara
Robespierre e a mor parte de sua facção para a guilhotina. No entanto, ao fazer
tal corte, o presidente Mitterrand, contrario sensu, frisava a importância das
idéias de Robespierre. Não era um juízo de valor, mas de continuada relevância,
o que justificaria a censura.
Marina foi derrotada através da
desconstrução sistemática do seu ideário. Uma grande aliança, encabeçada pelo
Partido dos Trabalhadores, no seu avatar lulo/dilmista, cuidou com comovente
pertinácia da neutralização de Marina Silva. Se a ordem previsível houvesse
sido obedecida – a do TSE negando o registro à Rede Sustentabilidade, com o
voto solitário em contra do Ministro Gilmar
Mendes – tudo ficaria como dantes no quartel de Abrantes. No entanto, a
formação da chapa do PSB, com Eduardo Campos e Marina Silva, se prestaria a uma
intervenção cruel e inesperada, da deusa Túxe. A fatalidade assustaria por um
tempo o statu-quo, mas a mesma relação de fatores adversos subsistiria. Com
esforço maior – o que contribue para melhor contemplar-lhe a face hedionda – o Poder
do PT conseguiria desconstruir a ameaça da candidata Marina. Através de uma
situação iniqua, mas legal, as forças auxiliares do lulo-dilmismo lograriam êxito,
posto que com maior desgaste junto à opinião pública.
Estamos agora em novo capítulo de
novela que deveria ter sido composta pelos escribas do lulo/petismo. A
fragilização do movimento prossegue, com a intervenção de fatores que não deveriam
estar computados, como a incidência da corrupção.
Qualquer que seja o resultado,
dentro da linha de Mitterrand, semelha evitar o mal que julgam maior, embora a
conscientização do ideário adverso foi muito além de o que as forças do conservadorismo
– e por elas se entenda primariamente o lulo-petismo – o desejavam.
O resultado continua em aberto,
embora dele se haja profilaticamente afastado o componente revolucionário.
Estamos, portanto, aguardando a realização de mais um capítulo de uma novela
que não termina decerto aqui.
( Fonte:
Folha de S. Paulo )
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