segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Perspectivas de Marina

                                
 
            Terá Marina Silva malbaratado a grande oportunidade para arrebatar a Presidência?  Se é inegável a iniquidade da distribuição de tempo de propaganda dita gratuita no primeiro turno, sobressai incômoda a vantagem inicial concedida à candidata do movimento do Passe Livre e das manifestações de junho de 2013.

            Como esse voto de confiança – com vitória inclusive no segundo turno – o tempo comeu?

            A resposta já foi dada: a disparidade desse tempo de primeiro turno, a propaganda agressiva do campo adversário através de mentiras (como referiu a própria candidata do PSB), e por último, mas não por menos, a passividade  da campanha de Marina.

            A esse propósito, já me referi, en passant,[1] à falta de qualquer reação da candidata e de seu núcleo de apoio. Não se pode aceitar como situação inarredável uma conjunção desfavorável, como a da distribuição de tempo na televisão. Se o fato em si pode ser irremovível – eis que dificilmente haveria espaço para tentar modificar na vigésima quinta hora situação manifestamente distorcida e injusta (dois minutos para um campo e dezesseis para outro !), a saída está na resposta ao desafio.

           O próprio historiador Arnold Toynbee, no seu ‘Estudo da História’, nos mostra quão relevante pode ser a resposta de determinada cultura a um grande perigo. Civilizações se reforçaram – ao contrário de outras – ao responder de modo eficaz a tal desafio.

           Foi o que até agora faltou ao campo de Marina Silva. Diante da utilização pela campanha de Dilma Rousseff – que pode admitir muitas caracterizações pejorativas mas não peca pela falta de competência – das facilidades objetivas criadas por legislação casuísta, impunha-se  solução inteligente para este desafio.

          Nada se fez, a não ser deixar-se embalar por crença de que, de algum modo, o tempo passaria, e o espontâneo apoio inicial, dado à candidata Marina, resistiria de alguma forma à erosão acelerada, provocada por maciça investida voltada a desfazer grande parte de seu apoio popular, pela metódica desconstrução de o que a candidata representa e que embasa a motivação do respectivo preexistente apoio.

          Ao invés da postura abúlica, passiva e, em essência, conformista, como se se estivesse diante de situações fora de seu controle – quase como se fora a vontade do Criador -, a campanha de Marina deveria ter reagido, de um lado, batendo na tecla do iniquo tempo que lhe era concedido, assim como criando eventos naquelas áreas mais suscetíveis de serem influenciadas pelo tipo de propaganda utilizada pela coligação oficialista da Presidenta Dilma.

           Existe tempo nas emissoras que pode ser adquirido para ser empregado com tal fim. De nada serve lamentar-se e fazer-se de vítima diante de uma situação do gênero. A  intensidade e a mendacidade dos ataques fazia por merecer respostas fortes, verazes e bem-direcionadas. Existe em francês um ditado que me parece muito adequado para a situação que se colocou para a candidata Marina: “É um cão muito perverso. Quando o atacam ele se defende”[2].  Essa gálica sabedoria popular vale também para o povo brasileiro.

             Ontem, no debate da tevê Record, vimos Aécio Neves investir contra Dilma, mas não se observou movimento similar de Marina Silva.  Não se trata de Maria vai com as outras, mas de utilização de um tempo em rede nacional de televisão, com vistas a apresentar uma outra realidade que a mostrada pelo oficialismo do programa de Dilma.

             Não é questão de ser bonzinho ou não.  Se estamos em um embate desigual, é mandatório que o grande público possa ter conhecimento não só das propostas de Marina, mas também uma errata de todas as deformações propositais com que a campanha televisiva oficialóide intenta desconstruir os totais de apoio da candidata do PSB.

             Não foi à toa, nem por secreto desígnio da Providência Divina que Marina se tornou a candidata do Movimento do Passe Livre. A sua mensagem de Paz, mas também de um Brasil mais justo e solidário não surgiu por acaso. Se se quer agora dela desembaraçar-se, como se fora água de barrela, não se pode abusar da resignação e do passivismo, ao desperdiçar oportunidades de colocar a questão em pratos limpos.

            Como é a verdade que realmente incomoda, tudo deve ser feito para jogá-la na sala e nos espaços públicos do Povo brasileiro.

            Se o seu estilo deve ser mantido, é mais do que tempo de levantar questões relevantes e que só ao Poder atual interessam que sejam mantidas em silêncio.

            Não é momento de abaixar a cabeça e deixar o bonde passar. É hora de reagir em todos os foros possíveis, com compostura e respeito, sem dúvida,  mas com firmeza, clareza e determinação.

 

( Fontes:  O  Globo, Folha de S. Paulo )           



[1] De forma breve
[2] “C’est un chien três méchant: lorsqu’on l’attaque il se défend”.

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