Antidiplomacia Petista
Há um grave retrocesso no
Ministério das Relações Exteriores, que se tem acentuado com os quase doze anos
de administração petista. Como se diria no passado, o Partido dos Trabalhadores, por intermédio
de seus máximos representantes, procura estabelecer mudança estrutural em nossa
diplomacia. Esse empenho não é de hoje, e se estende desde o início da gestão
de Lula da Silva.
Só
que, como o assevera a frase famosa de Buffon
– o estilo é o homem – a carantonha
dessa realidade aparece sob a sucessora de Lula de forma inda mais agressiva e arrogante,
como acaba de verificar-se na lamentável passagem pela abertura dos debates da
69ª. Assembleia Geral das Nações Unidas.
Os
erros e as afrontas à tradição diplomática brasileira se sucederam, em uma
cadeia deplorável de retorno a posturas sem sentido e a um esquerdismo que para
o seu formulador reluziria com um brilho irreal.
Dentro do horário político – se
cabe um parêntesis elucidativo – essas fanfarronadas estão muito mais para os
apertados espaços reservados aos micropartidos ultra-esquerdistas (PCO, PSTU,
PCB et al.) do que para a grande aula do Assembleia Geral.
A tutela do PT sobre a
diplomacia brasileira – em mais do que estranha caracterização – se reflete em
áreas de progressivo alargamento, com o controle dogmático do partido se
impondo cada vez mais à política externa.
O que
antes se tratava de um segredo de Polichinelo de Latino-America – o comissário Marco Aurélio Garcia cuidando das
relações latino-americanas, sob o pretexto do avanço do neo-sindicalismo no
poder (peronismo, chavismo, e regimes assemelhados, i.e., sandinismo, Evo
Morales, Rafael Correa e, por fim, mas não por último, a anacrônica Cuba da
gerontocracia dos irmãos Castro) – hoje equivale, na prática, a uma gestão
compartida, posto que subordinada à diplomacia de partido.
Se
esta húbris neo-sindicalista está
destinada a pavimentar o caminho do Hades,
na história tudo é uma questão de prazos. Sem ambição de trocadilho, fora na
verdade anticlimática a participação
da Presidenta na Cúpula das Nações Unidas do Clima. No reino do verde, trajar
vestido escarlate é mais do que asserção política, caindo já na provocação. Com
uma diplomacia que sempre se orientou na penosa luta ecológica, a cor da
vestimenta discrepa e mais ainda a lamentável recusa de assinar a Declaração de
Nova York sobre Florestas.
Sob o risível pretexto de que a
legislação vigente no Brasil – o Código
Florestal ruralista – admite manejar
florestas, Dilma e quem a orientou se recusou a assinar o compromisso do Desmatamento Zero.
Estamos no reino do teatro do absurdo de mestre Ionescu, se o Brasil – o país com os maiores recursos florestais do
planeta – se recusa a aderir a documento que é mais simbólico do que
eficaz. Malgrado haver uma redução no
desmatamento de 79% no Brasil, nem assim o governo petista cuida de contribuir
para o reforço da causa ambientalista.
Seguindo a tola regra da incontinência verbal, Dilma se atreveu a
contradizer Marina Silva – cujas credenciais ambientalistas superam de
longe às da Presidenta – ao afiançar que Marina Silva “mentiu” ao dizer que o desmate na Amazônia cresceu. Mesmo longe de
seu marqueteiro e guia político, ela recorre a acusação chula, quando, segundo
muitos, quem mentiria como princípio é a propaganda do seu guru João Santana.
Não é de hoje que, sob o petismo lulista, o então chefe do Itamaraty, na
ânsia talvez de agradar ao monoglota Presidente, cuidou de afrouxar as
exigências do exame vestibular e do curso do Rio Branco em termos de
aprendizado de língua. Na prática, o antigo vestibular do Rio Branco se tornou
porteira aberta para os que ignoravam o inglês e ainda mais o francês. O
pretexto teria sido a suposta facilidade
durante o curso de suprir tal lacuna. Não obstante, o que ocorreu foi o
empobrecimento linguístico do jovem diplomata. Como o inglês é a atual língua
franca internacional, quem o desconheça está condenado a papel marginal na
diplomacia bilateral e, sobretudo, na multilateral, onde há de vagar pelos
corredores dos órgãos internacionais como espectador em país estrangeiro, cuja
língua ignora.
Nessa abertura da 69ª Assembleia
Geral houve um festival de erros.
Sem dúvida, Dilma Rousseff não quer saber de qualquer composição ou
normalização de relações políticas com o Presidente Barack Obama. Viver na
fruição dos efeitos do erro alheio – no caso a invasão de sua privacidade como
Chefe de Estado – é reação natural, desde que submetida aos ditames do bom
senso. Não aproveita ao Brasil e nem mesmo à ideóloga Dilma enfurnar-se no
abrigo do rancor. A própria condição de estadista recomenda essa postura como
fórmula prática e inteligente de superar a animosidade.
Não dá, por isso, para entender que, de modo vão, o seu discurso se
abalance a condenar a operação pelos Estados Unidos, França e países árabes de
bombardeio dos núcleos jihadistas na
Síria. Pode-se conviver e dialogar com
fanáticos que decepam a cabeça de infelizes, cujo único crime é não professar a
religião do Profeta? E ainda,
compor esse equívoco de juízo, ao definir as células desses bárbaros como
estados?
Ao adotar esse tipo de linguagem, da velha tribuna das Nações Unidas,
que muitos disparates terá ouvido, o olhar da Presidenta verá sem surpresa o
seu dileto assessor especial, Marco
Aurélio Garcia, que não por acaso está na bancada do Brasil. É uma presença
inconsueta, mas que responde a esse peculiar mundinho político, que pode ou não
estar acabando.
Estamos em pleno reino da diplomacia de partido, que nada tem a ver com
a de Estado, que construiu o Brasil e fincou os marcos de seus limites.
E que tudo mais vá para o inferno !
Situação na Ucrânia
O cessar-fogo na região oriental ucraniana vem perdurando, embora não
esteja acompanhado de atmosfera de normalização na área.
A ala separatista, cuja força advém do apoio russo, faz saber, de modo
provocativo, que não tenciona participar do pleito previsto para outubro, e que
se realizará, no que tange às assembleias locais, em toda a Ucrânia.
Para vincar a sua disposição secessionista, os separatistas preparam
eleições para novembro. Discrepando – de forma sempre provocativa – de um dos
pontos principais do Plano de Paz na Ucrânia – referendado com as supostas
benesses de Moscou – o grupo rebelde separatista anuncia convocação de eleições
para novembro. Dentro de espírito que vai contra o estabelecimento de paz
duradoura, expressam a respectiva intenção de boicotar as eleições ucranianas
de outubro.
Nesse contexto de desafio à unidade ucraniana, as autoproclamadas
República Popular de Donetsk e República Popular de Lugansk prometem realizar eleições a dois de novembro
p.f.
Continuando na sua rota de
colisão – decerto com as costas quentes – um dos chefetes pró-Rússia, Alexandr Zakharchenko, autodenominado
líder da República Popular de Donetsk, afirmou: “Pretendemos fazer as eleições
para o Parlamento e para a chefia da República”. Assinalou, por oportuno, que não será
realizada nenhuma outra eleição, nem mesmo para o Parlamento da Ucrânia,
prevista para 26 de outubro.
Note-se, por oportuno, que de acordo com a lei de autogoverno aprovada
pelo Parlamento de Kiev, as áreas sob controle dos rebeldes em Donetsk e
Lugansk deveriam ter eleições para os
órgãos locais em sete de dezembro.
Consoante, no entanto, os separatistas, não será permitido que Kiev
organize eleições em áreas sob controle rebelde.
É de notar-se que foi a iminência de o poder central ucraniano reaver o
respectivo controle sobre as ditas áreas rebeldes, o que apressou a aberta
intervenção militar russa (inclusive com ataques em outras áreas do Sul
ucraniano). Com o chamado cessar-fogo, os dois bolsões (Donetsk e Lugansk) recuperaram fôlego rebelde, e a causa da
reimplantação da soberania de Kiev retrocedeu.
Projetos do novel Presidente da Ucrânia
Petro Poroshenko, o novo
presidente ucraniano, externou o propósito de pedir ingresso na União Européia.
Bruxelas, no entanto, dada a presente situação daquele país, não deverá dar
urgência ao projeto. Foram assinados os acordos comerciais com a U.E. – aqueles
mesmo a que Viktor Yanukovich se
recusara firmar, provocando o início das manifestações de Praça Maidan – que implicam em início de longo processo.
O acesso à U.E. desejado por muitos países como um abrigo ulterior
contra ameaças à respectiva soberania, assim como início de processo de
modernização e avanço econômico, pressupõe caminho difícil e por vezes
acidentado, sem a rapidez amiúde desejada
por líderes dos países eventualmente interessados.
Se tal processo de adesão
costuma tomar bastante tempo – e mesmo prolongar-se sem perspectiva de
conclusão, como no caso da Turquia – e com o aumento (alguns diriam inchação)
da União Européia, o tamanho dessa construção política tende a influenciar (e,
por vezes, dificultar) as perspectivas de que o almejado ingresso se
concretize.
No caso da Ucrânia, ameaçada pela postura imperialista do Kremlin,
a participação na U.E. seria a meta
bastante colimada, dadas as avenidas de progressão evidenciadas por outros
países já admitidos (como a Polônia). Sem embargo, haja vista os obstáculos –
notadamente políticos – à frente, tal se afigura uma longa caminhada.
Novo Líder da Oposição na Venezuela
A coalizão de partidos
de oposição democrática na Venezuela oficializou na última quarta-feira, 24 de
setembro, o nome do jornalista e professor Jesus Torrealba, como seu novo
líder.
Na quase-ditadura chavista de Nicolás
Maduro, a missão de Torrealba será conduzir a chamada Mesa da Unidade
Democrática (MUD) para as eleições
legislativas de 2015.
Segundo Torrealba – que sucede tanto a Ramón Guillermo Aveledo
(renunciou há dois meses atrás) e Leopoldo
López (preso desde fevereiro, sob acusações forjadas) – o seu maior desafio
é “manter e potencializar” a unidade da MUD num momento de fragmentação da
oposição.
Outras lideranças da oposição na Venezuela – em se tratando de
quase-ditadura, a vida dos oposicionistas naquele país é bastante atribulada –
são Henrique
Capriles,
governador do Estado de Miranda, e que é expoente da dita ala moderada (já foi
candidato presidencial contra Maduro) e a deputada cassada (na marra) Maria Corina Machado, que preconiza a continuação da resistência nas ruas, não
obstante tais protestos já tenham provocado mais de quarenta mortes.
A
apresentação das credenciais de chefe do posto (que devem ser endereçadas ao
Chefe de Estado do país em que exercerá a sua missão) não é uma simples, oca
formalidade. Em audiência, em geral realizada no Palácio de Governo, o novel
Chefe de Missão apresenta a referida correspondência ao Presidente ou Soberano
junto ao qual passa a ser acreditado, em audiência especialmente marcada pelo
cerimonial do Palácio.
Pode
parecer, mas não é cerimônia protocolar vazia. O novo Embaixador – que, no
passado, envergava fraque e hoje, em geral, terno escuro – vem acompanhado do
pessoal diplomático de maior hierarquia de sua Missão (em geral, os cerimoniais
limitam esse número a cinco). Na oportunidade, faz pequeno discurso protocolar,
a que o Chefe de Estado (Presidente ou Soberano) responde, também de forma
breve.
Antes de
passar a sala anexa, o Embaixador apresenta ao Chefe de Estado os seus
colaboradores.
A
audiência costuma concluir-se com uma conversa entre o Chefe de Estado e o novo
Embaixador. A tal conversação, pode estar presente o Ministro das Relações
Exteriores do país em que o Chefe de Missão passará a desempenhar, em caráter
pleno, as respectivas funções.
A apresentação de
credenciais não é, contudo, cerimônia meramente protocolar e sem maior
significação. Através dela, o Embaixador
inicia a sua missão, e por isso é a partir da data da audiência que,
oficialmente, ele entra em funções. Antes da apresentação de credenciais, o novo
embaixador só pode atuar internamente na própria missão, e não está autorizado
a realizar contatos oficiais com autoridades do governo junto ao qual foi
designado chefe de missão. Fica numa
espécie de limbo diplomático, tanto que nem abrir contas bancárias ele está
autorizado.
O
leitor me permitirá que transcreva brevemente a minha primeira audiência como
participante – na qualidade de jovem Segundo Secretário – na apresentação de
credenciais do Embaixador Antonio Mendes Viana, no Palácio do Elysée, ao Presidente Charles de Gaulle.
O
traje oficial então era o fraque, e me considerei afortunado por participar da
audiência. Tal só me foi possível porque a lotação da Embaixada em Paris estava
então bastante reduzida, e por isso fui incluído como o “e”[1] da comitiva.
O
general de Gaulle recebia os diplomatas chefes de missão. Em geral, era este o
procedimento. Só na União Soviética o então Presidente do Supremo Soviete
delegava a altos funcionários a função de presidir às Audiências de
apresentação de credenciais.
Que
a lista de espera da Presidente Dilma Rousseff para essa audiência aos novos
Chefes de Missão já alcance 28
Embaixadores é ulterior demonstração do desapreço da Presidenta pelas
relações diplomáticas. Tal descortesia depõe tanto contra a própria, quanto no
que respeita a nosso país. Para muitos, pela desorganização e confessa
ignorância das regras diplomáticas, pareceria ser mais coisa de o que o general
de Gaulle chamava depreciativamente de pays de Là-bas.
Malogra o referendo escocês
A
derrota no referendo sobre a independência ou não da Escócia foi antecedida nas
semanas finais da campanha primeiro por onda de boatos que o SIM
prevaleceria. Às vésperas de sua
realização, as prévias já mostravam que o campo independentista não
prevaleceria. Pareceu-me que o resultado foi positivo para a União Europeia,
dado o incentivo que decorreria da volta da Escócia aos países soberanos teria
efeitos deletérios sobre algumas outras nacionalidades (ou subnacionalidades)
que almejam transformar-se em países independentes, sem perder, como lhes
parece óbvio, todas as vantagens e subvenções colhidas de Bruxelas pela nação
que ora se empenha em desmembrar.
Está também há
muito tempo na fila, a velha Catalunha, que para tornar-se independente
enfrenta caminho bastante mais complicado, eis que depende de autorização das
Cortes espanholas. Além do inegável
efeito colateral negativo do tropeço da tentativa de seus colegas escoceses, a
região catalã tem muitos outros diferendos para resolver, antes de virar um
outro mini-estado na Europa.
A perspectiva de associar a Bruxelas uma série de mini-estados, além do
quebra-cabeça em determinar que prerrogativas passariam do Estado-mãe para os
seus não tão-jovens filhotes, não é perspectiva que muito anime as instâncias
burocráticas da União Europeia.
(Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo, Roberto Carlos)
[1] O “e” de uma relação oficial designa, no linguajar burocrático, o
funcionário mais moderno do grupo, eis que na enunciação dos funcionários que
trabalham em embaixada (ou outro local oficial) ele virá sempre por último,
antecedido pela conjunção “e”.
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