domingo, 28 de setembro de 2014

Colcha de Retalhos B 37


                                           

Antidiplomacia Petista
 

                Há um grave retrocesso no Ministério das Relações Exteriores, que se tem acentuado com os quase doze anos de administração petista. Como se diria no passado,  o Partido dos Trabalhadores, por intermédio de seus máximos representantes, procura estabelecer mudança estrutural em nossa diplomacia. Esse empenho não é de hoje, e se estende desde o início da gestão de Lula da Silva.

                Só que, como o assevera a frase famosa de Buffono estilo é o homem – a carantonha dessa realidade aparece sob a sucessora de Lula de forma inda mais agressiva e arrogante, como acaba de verificar-se na lamentável passagem pela abertura dos debates da 69ª. Assembleia Geral das Nações Unidas.

               Os erros e as afrontas à tradição diplomática brasileira se sucederam, em uma cadeia deplorável de retorno a posturas sem sentido e a um esquerdismo que para o seu formulador reluziria com um brilho irreal.

                Dentro do horário político – se cabe um parêntesis elucidativo – essas fanfarronadas estão muito mais para os apertados espaços reservados aos micropartidos ultra-esquerdistas (PCO, PSTU, PCB et al.) do que para a grande aula do Assembleia Geral.

                A tutela do PT sobre a diplomacia brasileira – em mais do que estranha caracterização – se reflete em áreas de progressivo alargamento, com o controle dogmático do partido se impondo cada vez mais à política externa.

                 O que antes se tratava de um segredo de Polichinelo de Latino-America – o comissário Marco Aurélio Garcia cuidando das relações latino-americanas, sob o pretexto do avanço do neo-sindicalismo no poder (peronismo, chavismo, e regimes assemelhados, i.e., sandinismo, Evo Morales, Rafael Correa e, por fim, mas não por último, a anacrônica Cuba da gerontocracia dos irmãos Castro) – hoje equivale, na prática, a uma gestão compartida, posto que subordinada à diplomacia de partido.       

                  Se esta húbris neo-sindicalista está destinada a pavimentar o caminho do Hades, na história tudo é uma questão de prazos. Sem ambição de trocadilho, fora na verdade anticlimática a participação da Presidenta na Cúpula das Nações Unidas do Clima. No reino do verde, trajar vestido escarlate é mais do que asserção política, caindo já na provocação. Com uma diplomacia que sempre se orientou na penosa luta ecológica, a cor da vestimenta discrepa e mais ainda a lamentável recusa de assinar a Declaração de Nova York sobre Florestas.

                    Sob o risível pretexto  de que a legislação vigente no Brasil – o Código Florestal ruralista – admite manejar florestas, Dilma e quem a orientou se recusou a assinar o compromisso do Desmatamento Zero.

                   Estamos no reino do teatro do absurdo de mestre Ionescu, se o Brasil – o país com os maiores recursos florestais do planeta – se recusa a aderir a documento que é mais simbólico do que eficaz.  Malgrado haver uma redução no desmatamento de 79% no Brasil, nem assim o governo petista cuida de contribuir para o reforço da causa ambientalista.

                       Seguindo a tola regra da incontinência verbal, Dilma se atreveu a contradizer Marina Silva – cujas credenciais ambientalistas superam de longe às da Presidenta – ao afiançar que Marina Silva “mentiu” ao dizer que o desmate na Amazônia cresceu. Mesmo longe de seu marqueteiro e guia político, ela recorre a acusação chula, quando, segundo muitos, quem mentiria como princípio é a propaganda do seu guru João Santana.

                       Não é de hoje que, sob o petismo lulista, o então chefe do Itamaraty, na ânsia talvez de agradar ao monoglota Presidente, cuidou de afrouxar as exigências do exame vestibular e do curso do Rio Branco em termos de aprendizado de língua. Na prática, o antigo vestibular do Rio Branco se tornou porteira aberta para os que ignoravam o inglês e ainda mais o francês. O pretexto teria sido a  suposta facilidade durante o curso de suprir tal lacuna. Não obstante, o que ocorreu foi o empobrecimento linguístico do jovem diplomata. Como o inglês é a atual língua franca internacional, quem o desconheça está condenado a papel marginal na diplomacia bilateral e, sobretudo, na multilateral, onde há de vagar pelos corredores dos órgãos internacionais como espectador em país estrangeiro, cuja língua ignora.

                          Nessa abertura da 69ª Assembleia Geral  houve um festival de erros. Sem dúvida, Dilma Rousseff não quer saber de qualquer composição ou normalização de relações políticas com o Presidente Barack Obama. Viver na fruição dos efeitos do erro alheio – no caso a invasão de sua privacidade como Chefe de Estado – é reação natural, desde que submetida aos ditames do bom senso. Não aproveita ao Brasil e nem mesmo à ideóloga Dilma enfurnar-se no abrigo do rancor. A própria condição de estadista recomenda essa postura como fórmula prática e inteligente de superar a animosidade.

                          Não dá, por isso, para entender que, de modo vão, o seu discurso se abalance a condenar a operação pelos Estados Unidos, França e países árabes de bombardeio dos núcleos jihadistas na Síria. Pode-se conviver e dialogar com fanáticos que decepam a cabeça de infelizes, cujo único crime é não professar a religião do Profeta? E ainda, compor esse equívoco de juízo, ao definir as células desses bárbaros como estados?

                          Ao adotar esse tipo de linguagem, da velha tribuna das Nações Unidas, que muitos disparates terá ouvido, o olhar da Presidenta verá sem surpresa o seu dileto assessor especial, Marco Aurélio Garcia, que não por acaso está na bancada do Brasil. É uma presença inconsueta, mas que responde a esse peculiar mundinho político, que pode ou não estar acabando.     

                           Estamos em pleno reino da diplomacia de partido, que nada tem a ver com a de Estado, que construiu o Brasil e fincou os marcos de seus limites.

                           E que tudo mais vá para o inferno !

 

 

Situação na Ucrânia

 
                          O cessar-fogo na região oriental ucraniana vem perdurando, embora não esteja acompanhado de atmosfera de normalização na área.

                          A ala separatista, cuja força advém do apoio russo, faz saber, de modo provocativo, que não tenciona participar do pleito previsto para outubro, e que se realizará, no que tange às assembleias locais, em toda a Ucrânia.

                          Para vincar a sua disposição secessionista, os separatistas preparam eleições para novembro. Discrepando – de forma sempre provocativa – de um dos pontos principais do Plano de Paz na Ucrânia – referendado com as supostas benesses de Moscou – o grupo rebelde separatista anuncia convocação de eleições para novembro. Dentro de espírito que vai contra o estabelecimento de paz duradoura, expressam a respectiva intenção de boicotar as eleições ucranianas de outubro.

                           Nesse contexto de desafio à unidade ucraniana, as autoproclamadas República Popular de Donetsk e República Popular de Lugansk  prometem realizar eleições a dois de novembro p.f.

                          Continuando na sua rota de colisão – decerto com as costas quentes – um dos chefetes pró-Rússia, Alexandr Zakharchenko, autodenominado líder da República Popular de Donetsk, afirmou: “Pretendemos fazer as eleições para o Parlamento e para a chefia da República”.  Assinalou, por oportuno, que não será realizada nenhuma outra eleição, nem mesmo para o Parlamento da Ucrânia, prevista para 26 de outubro.

                           Note-se, por oportuno, que de acordo com a lei de autogoverno aprovada pelo Parlamento de Kiev, as áreas sob controle dos rebeldes em Donetsk e Lugansk deveriam ter eleições  para os órgãos locais em sete de dezembro.

                           Consoante, no entanto, os separatistas, não será permitido que Kiev organize eleições em áreas sob controle rebelde.

                            É de notar-se que foi a iminência de o poder central ucraniano reaver o respectivo controle sobre as ditas áreas rebeldes, o que apressou a aberta intervenção militar russa (inclusive com ataques em outras áreas do Sul ucraniano). Com o chamado cessar-fogo, os dois bolsões (Donetsk e Lugansk) recuperaram fôlego rebelde, e a causa da reimplantação da soberania de Kiev retrocedeu.

 

Projetos do novel Presidente da Ucrânia

 

                            Petro Poroshenko, o novo presidente ucraniano, externou o propósito de pedir ingresso na União Européia. Bruxelas, no entanto, dada a presente situação daquele país, não deverá dar urgência ao projeto. Foram assinados os acordos comerciais com a U.E. – aqueles mesmo a que Viktor Yanukovich se recusara firmar, provocando o início das manifestações de Praça Maidan – que implicam em início de  longo processo.

                            O acesso à U.E. desejado por muitos países como um abrigo ulterior contra ameaças à respectiva soberania, assim como início de processo de modernização e avanço econômico, pressupõe caminho difícil e por vezes acidentado, sem a rapidez amiúde desejada  por líderes dos países eventualmente interessados.

                            Se tal processo de adesão costuma tomar bastante tempo – e mesmo prolongar-se sem perspectiva de conclusão, como no caso da Turquia – e com o aumento (alguns diriam inchação) da União Européia, o tamanho dessa construção política tende a influenciar (e, por vezes, dificultar) as perspectivas de que o almejado ingresso se concretize.

                            No caso da Ucrânia, ameaçada pela postura imperialista do Kremlin, a participação na U.E.  seria a meta bastante colimada, dadas as avenidas de progressão evidenciadas por outros países já admitidos (como a Polônia). Sem embargo, haja vista os obstáculos – notadamente políticos – à frente, tal se afigura uma longa caminhada. 

 

Novo Líder da Oposição na Venezuela           

 
                          A coalizão de partidos de oposição democrática na Venezuela oficializou na última quarta-feira, 24 de setembro, o nome do jornalista e professor Jesus Torrealba, como seu novo líder.

                          Na quase-ditadura chavista de Nicolás Maduro, a missão de Torrealba será conduzir a chamada Mesa da Unidade Democrática (MUD) para as eleições legislativas de 2015.

                          Segundo Torrealba – que sucede tanto a Ramón Guillermo Aveledo (renunciou há dois meses atrás) e Leopoldo López (preso desde fevereiro, sob acusações forjadas) – o seu maior desafio é “manter e potencializar” a unidade da MUD num momento de fragmentação da oposição.

                         Outras lideranças da oposição na Venezuela – em se tratando de quase-ditadura, a vida dos oposicionistas naquele país é bastante atribulada – são Henrique Capriles, governador do Estado de Miranda, e que é expoente da dita ala moderada (já foi candidato presidencial contra Maduro) e a deputada cassada (na marra) Maria Corina Machado, que preconiza a continuação da resistência nas ruas, não obstante tais protestos já tenham provocado mais de quarenta mortes.                            

 
Antidiplomacia  (III)

                                  A apresentação das credenciais de chefe do posto (que devem ser endereçadas ao Chefe de Estado do país em que exercerá a sua missão) não é uma simples, oca formalidade. Em audiência, em geral realizada no Palácio de Governo, o novel Chefe de Missão apresenta a referida correspondência ao Presidente ou Soberano junto ao qual passa a ser acreditado, em audiência especialmente marcada pelo cerimonial do Palácio.

                                   Pode parecer, mas não é cerimônia protocolar vazia. O novo Embaixador – que, no passado, envergava fraque e hoje, em geral, terno escuro – vem acompanhado do pessoal diplomático de maior hierarquia de sua Missão (em geral, os cerimoniais limitam esse número a cinco). Na oportunidade, faz pequeno discurso protocolar, a que o Chefe de Estado (Presidente ou Soberano) responde, também de forma breve.

                                     Antes de passar a sala anexa, o Embaixador apresenta ao Chefe de Estado os seus colaboradores.

                                      A audiência costuma concluir-se com uma conversa entre o Chefe de Estado e o novo Embaixador. A tal conversação, pode estar presente o Ministro das Relações Exteriores do país em que o Chefe de Missão passará a desempenhar, em caráter pleno, as respectivas funções.

                                        A apresentação de credenciais não é, contudo, cerimônia meramente protocolar e sem maior significação. Através dela, o Embaixador inicia a sua missão, e por isso é a partir da data da audiência que, oficialmente, ele entra em funções.  Antes da apresentação de credenciais, o novo embaixador só pode atuar internamente na própria missão, e não está autorizado a realizar contatos oficiais com autoridades do governo junto ao qual foi designado chefe de missão.  Fica numa espécie de limbo diplomático, tanto que nem abrir contas bancárias ele está autorizado.

                                          O leitor me permitirá que transcreva brevemente a minha primeira audiência como participante – na qualidade de jovem Segundo Secretário – na apresentação de credenciais do Embaixador Antonio Mendes Viana, no Palácio do Elysée, ao Presidente Charles de Gaulle.

                                           O traje oficial então era o fraque, e me considerei afortunado por participar da audiência. Tal só me foi possível porque a lotação da Embaixada em Paris estava então bastante reduzida, e por isso fui incluído como o “e[1] da comitiva.

                                           O general de Gaulle recebia os diplomatas chefes de missão. Em geral, era este o procedimento.  Só na União Soviética  o então Presidente do Supremo Soviete delegava a altos funcionários a função de presidir às Audiências de apresentação de credenciais.

                                            Que a lista de espera da Presidente Dilma Rousseff para essa audiência aos novos Chefes de Missão já alcance 28 Embaixadores é ulterior demonstração do desapreço da Presidenta pelas relações diplomáticas. Tal descortesia depõe tanto contra a própria, quanto no que respeita a nosso país. Para muitos, pela desorganização e confessa ignorância das regras diplomáticas, pareceria ser mais coisa de o que o general de Gaulle chamava depreciativamente de pays de Là-bas.

 

 

 

Malogra o referendo escocês                                                                                       

 

                                           A derrota no referendo sobre a independência ou não da Escócia foi antecedida nas semanas finais da campanha primeiro por onda de boatos que o SIM prevaleceria.  Às vésperas de sua realização, as prévias já mostravam que o campo independentista não prevaleceria. Pareceu-me que o resultado foi positivo para a União Europeia, dado o incentivo que decorreria da volta da Escócia aos países soberanos teria efeitos deletérios sobre algumas outras nacionalidades (ou subnacionalidades) que almejam transformar-se em países independentes, sem perder, como lhes parece óbvio, todas as vantagens e subvenções colhidas de Bruxelas pela nação que ora se empenha em desmembrar.

                                                  Está também há muito tempo na fila, a velha Catalunha, que para tornar-se independente enfrenta caminho bastante mais complicado, eis que depende de autorização das Cortes espanholas.  Além do inegável efeito colateral negativo do tropeço da tentativa de seus colegas escoceses, a região catalã tem muitos outros diferendos para resolver, antes de virar um outro mini-estado na Europa.

                                                  A perspectiva de associar a Bruxelas uma série de mini-estados, além do quebra-cabeça em determinar que prerrogativas passariam do Estado-mãe para os seus não tão-jovens filhotes, não é perspectiva que muito anime as instâncias burocráticas da União Europeia.

 

(Fontes: O  Globo, Folha de S. Paulo, Roberto Carlos)




[1] O “e” de uma relação oficial designa, no linguajar burocrático, o funcionário mais moderno do grupo, eis que na enunciação dos funcionários que trabalham em embaixada (ou outro local oficial) ele virá sempre por último, antecedido pela conjunção “e”.

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