Como foi assinalado, Vladimir
Putin e a sua política imperialista voltaram a dar contrario sensu[1] relevância à
Organização do Tratado do Atlântico Norte. Com o fim da União Soviética e a
política conciliatória de Boris Ieltsin,
a importância da OTAN encolhera bastante.
Com o advento do ex-KGB Putin, e sua volta à política de maior influência na área
circunvizinha – o que para ele não excluía o emprego eventual da força, como se
verificou na Georgia e na Moldova – de novo cresceu a serventia da Otan, assim como a importância das
reuniões do Pacto Atlântico.
Não há
dúvida quanto ao peso da crise da Ucrânia na presente reunião de Gales. O
Presidente Petro Poroshenko, que participa da reunião, tenta implementar um
cessar-fogo na Ucrânia oriental. No entanto, o projeto do novel mandatário está ameaçado de ir
por água abaixo, pela recusa do presidente russo em participar do acordo.
Como se
sabe, as lutas das milícias separatistas pró-Rússia são apoiadas e mantidas
pelo Kremlin, com o envio de soldados,
instrutores e equipamento. Nas últimas semanas, as forças russas, em batalhões
blindados, têm adentrado território
ucraniano, sobretudo nas áreas de Luhansk,
Krasnodon, Donetsk e Novoazovsk. Depois da brutal anexação da
Crimeia – ‘legalizada’ na bruta por suposto referendo feito de afogadilho – a intervenção
branca de Putin continuou na área oriental da Ucrânia mais próxima dos Mares
Negro e de Azov. Apesar de toda a intensa movimentação – inclusive com o criminoso
abate do avião da Malaysian Airlines
e suas centenas de mortos – o autocrata Putin deseja manter a ficção de que a conflagração
se cinge ‘apenas’ à Ucrânia de Kiev e às
milícias pró-separatistas da Ucrânia oriental.
Pelas
razões acima, por conseguinte, apesar de ser a causa principal do conflito (com
todas as suas mortes e perdas materiais) gospodin
Vladimir Vladimirovich Putin
deseja preservar a suposta não-participação do Estado russo. É do geral
conhecimento que Moscou está fundamente empenhado nessa atividade bélica. Além
de haver fomentado o súbito anseio da Crimeia em aderir à Federação Russa, as
impressões digitais do poder imperial russo estão por toda a parte na infeliz
Ucrânia oriental. Sem embargo, Putin se aferra a tal ficção para supostamente
guardar alguma margem de manobra.
Petro
Poroshenko foi eleito no semestre passado presidente da Ucrânia, e ainda
não disse ao que veio. Depois da fragorosa queda de Viktor Yanukovych, o
corrupto chefe de estado, Putin resolveu castigar
a Ucrânia pela audácia dos rebeldes da Praça Maidan, de Kiev, que contestaram o súbito abandono do Acordo com a
União Europeia, por Yanukovych, e o consequente propósito de aderir à União
Aduaneira russa.
Não convence a ninguém, por conseguinte, a
folha de parreira que protegeria a suposta inocência de Putin na subitânea
eclosão da revolta pró-separatista da Bacia de Donetsk e adjacências. Provocada,
incentivada e sustentada pelo Kremlin,
esse projeto imperialista de Putin balança entre forçar uma área nominalmente
sob a suserania de Kiev, mas na verdade subordinada à Federação Russa, ou até
mesmo, uma transferência manu militari
para o território do urso moscovita.
Se Poroshenko, ao anunciar o cessar-fogo com
a participação da Rússia, pretendeu envolver e constranger Vladimir Putin, a
reação do Kremlin foi pronta. Ele recusou-se
a entrar no acordo, sob o pretexto de que Moscou não participa do conflito.
Todos sabem que é mentira, mas o ocorrido mostra igualmente a pouca habilidade
diplomática do novo presidente ucraniano.
Poroshenko tem errado – por timidez ou não – em não dar o nome aos bois.
Ao conformar-se com a ficção de que a Rússia não é parte do conflito, ele traz
água para o moinho de gospodin Putin,
que pode assim, com a deslavada cara conhecida, negar qualquer participação nos
bombardeios, invasões bélicas et al.
quando neles está metido até a raiz de
cabelos (que não mais possui)...
O Presidente Barack Obama, ouvido com muita atenção por
assembleia de dignitários estonianos, referiu-se às consequências desastrosas
para a Rússia de Putin de suas aventuras imperialistas. A economia russa está
em recessão, o valor do rublo caiu, e diante do espírito aventureiro de Putin e
seu regime, cai a confiança na economia e no próprio investidor russo. Essa
política guerreira tem um efeito deletério inegável sobre si mesma, eis que a incerteza
é a pior companheira para a atividade econômica. Daí a crise atravessada pela
Federação Russa.
A reunião de Gales da OTAN se realiza diante da iniciativa – para valer
ou não – do Presidente Putin, propondo um cessar-fogo entre as milícias
pró-Rússia e o estado ucraniano. Ao fazê-la na abertura da cúpula do Pacto, gospodin Putin pretende aparecer como um
fautor de paz na conflagração da Ucrânia, com que supostamente nada teria a
ver. Se o tal cessar-fogo não progredir – o que muitas das respostas dos chefes
milicianos induzem a crer (como se a continuação ou não dos combates dependesse
mais do Estado ucraniano do que deles próprios, que se reservariam ou não a
continuação da luta) - salta aos olhos que os milicianos pró-separatismo são
criaturas assistidas e mantidas pelo poder russo, e não se atreveriam a
externar posições equívocas, se o Kremlin
encarasse com seriedade a proposta de paz.
Não se poderia, por isso, excluir que Putin encene um factoide para ganhar tempo. Se
Poroshenko mergulha nessa jogada, não faz prova de muito discernimento. O
próprio Primeiro Ministro ucraniano, Arseni Yatseniuk – que é do mesmo partido
de Iulia Timoshenko, a ex-prisioneira de Yanukovych e ex-Primeira Ministra, a
quem Putin considerou como o único homem (sic)
do governo ucraniano, com quem tratara
na primeira década deste século – disse que a posição de defender o processo de
paz é uma “tentativa de enganar a comunidade internacional” para evitar novas
sanções do Ocidente.
Tampouco
são muito animadoras as declarações dos ‘líderes separatistas’. Putin, contra toda a evidência, assevera não
ter controle sobre as milícias. Esta postura decerto é útil para o presidente
russo manter liberdade de manobra e a ficção de que não tem ingerência sobre as
milícias pró-Rússia. A agência russa Interfax
transcreveu declarações de Andrei Purgin,
dirigente da autoproclamada República popular de Donetsk “Vamos ver como eles
observam o cessar-fogo deles”, e igualmente de outro líder pró-separatista “se
há um cessar-fogo real da parte deles, então talvez nós possamos (participar
do) cessar-fogo”. Tais afirmações, é forçoso convir, não entusiasmam pelo
pendor pacifista. Tudo ficaria por conta das forças ucranianas.
Quanto à
cúpula da OTAN – que se realiza hoje e amanhã, cinco de setembro – terá como
tópico central de suas discussões como lidar com a Rússia e seu desafio à ordem
europeia pós-guerra fria.
Para dar
credibilidade à respectiva ação, a Organização pretende recorrer a providências
a um tempo simbólicas e substantivas. A movimentação da nova presidência Putin,
os seus arreganhos imperialistas causam muita preocupação aos países bálticos (Estônia, Lituânia e Letônia) e à própria
Polônia. Escusado dizer que todas essas
nações têm sobejos motivos históricos (seja do século passado, como dos
anteriores) para inquietar-se com as intenções de gospodin Vladimir Putin, sua doutrina eurasiana e todas as
movimentações de Moscou. Chamar a Rússia de potência
regional[2] pode ser até verdade, mas
não ajuda muito a tranquilizar quem já sentiu o pesado jugo tanto soviético,
quanto tzarista.
Nesse
sentido, se pretenderia enfatizar que o princípio da defesa coletiva continua válido
e seria sacrossanto. O busílis está em convencer os estados na antiga esfera da
União Soviética do valor prático de tais assertivas.
De
qualquer forma, o Ocidente deseja passar de algum modo da retórica dos
protestos e das sanções tópicas que vem sendo aplicadas por Washington e por
Bruxelas, para uma forma um pouco mais pró-ativa em termos de reação, que deve
ser a medida mais marcante da cúpula da NATO.
A Força de Reação Rápida poderá contar até quatro mil soldados
para serem empregados em bases não-permanentes[3],
incluindo terra, mar e ar, dentro de assaz curto espaço de tempo (48 horas no
mais tardar).
Também
no contexto da cúpula, Matteo Renzi, Primeiro Ministro
italiano, assinalou que a União Europeia se move para ampliar sanções contra a
Rússia (finanças, defesa, tecnologias sensíveis e bens de uso dual. Nesse
sentido, Renzi estimulou Poroshenko a continuar nos esforços ‘para alcançar um
efetivo processo de reconciliação nacional, inclusive reformas constitucionais
para proteger minorias. É importante
sublinhar que a oportunidade de tais reformas é igualmente defendida pela
Chanceler da Alemanha, Angela Merkel.
Por
outro lado, em termos de União Europeia, no último sábado de agosto, foi
designado o novo Presidente do Conselho Europeu, o primeiro ministro polonês Donald
Tusk. Em sucessão da britânica Catherine
Ashton foi escolhida a italiana Federica Mogherini, como chefe da
diplomacia europeia (entrará em funções em novembro vindouro). Ao contrário da
seleção de Tusk, a indicação de Mogherini – antes Ministra dos Negócios
Estrangeiros da Itália – não foi unânime.
Segundo alguns líderes europeus, a ex-dirigente da Farnesina é
considerada ‘muito branda com a Rússia em
relação à Ucrânia.’ A conferir.
( Fontes:
Folha de S. Paulo, The New York Times )
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