quinta-feira, 4 de setembro de 2014

A Reunião da OTAN e a Ucrânia

                                

          Como foi assinalado, Vladimir Putin e a sua política imperialista voltaram a dar contrario sensu[1] relevância à Organização do Tratado do Atlântico Norte. Com o fim da União Soviética e a política conciliatória de Boris Ieltsin, a importância da OTAN encolhera bastante. Com o advento do ex-KGB Putin, e  sua volta à política de maior influência na área circunvizinha – o que para ele não excluía o emprego eventual da força, como se verificou na Georgia e na Moldova – de novo cresceu a serventia da Otan, assim como a importância das reuniões do Pacto Atlântico.

          Não há dúvida quanto ao peso da crise da Ucrânia na presente reunião de Gales. O Presidente Petro Poroshenko, que participa da reunião, tenta implementar um cessar-fogo na Ucrânia oriental. No entanto, o projeto do novel mandatário está ameaçado de ir por água abaixo, pela recusa do presidente russo em participar do acordo.

           Como se sabe, as lutas das milícias separatistas pró-Rússia são apoiadas e mantidas pelo Kremlin, com o envio de soldados, instrutores e equipamento. Nas últimas semanas, as forças russas, em batalhões blindados, têm adentrado  território ucraniano, sobretudo nas áreas de Luhansk, Krasnodon, Donetsk e Novoazovsk. Depois da brutal anexação da Crimeia – ‘legalizada’ na bruta por suposto referendo feito de afogadilho – a intervenção branca de Putin continuou na área oriental da Ucrânia mais próxima dos Mares Negro e de Azov. Apesar de toda a intensa movimentação – inclusive com o criminoso abate do avião da Malaysian Airlines e suas centenas de mortos – o autocrata Putin deseja manter a ficção de que a conflagração se cinge ‘apenas’  à Ucrânia de Kiev e às milícias pró-separatistas da Ucrânia oriental.

             Pelas razões acima, por conseguinte, apesar de ser a causa principal do conflito (com todas as suas mortes e perdas materiais) gospodin Vladimir Vladimirovich Putin deseja preservar a suposta não-participação do Estado russo. É do geral conhecimento que Moscou está fundamente empenhado nessa atividade bélica. Além de haver fomentado o súbito anseio da Crimeia em aderir à Federação Russa, as impressões digitais do poder imperial russo estão por toda a parte na infeliz Ucrânia oriental. Sem embargo, Putin se aferra a tal ficção para supostamente guardar alguma margem de manobra.

               Petro Poroshenko foi eleito no semestre passado presidente da Ucrânia, e ainda não disse ao que veio. Depois da fragorosa queda de Viktor Yanukovych, o corrupto chefe de estado, Putin resolveu castigar a Ucrânia pela audácia dos rebeldes da Praça Maidan, de Kiev, que contestaram o súbito abandono do Acordo com a União Europeia, por Yanukovych, e o consequente propósito de aderir à União Aduaneira russa.

                     Não convence a ninguém, por conseguinte, a folha de parreira que protegeria a suposta inocência de Putin na subitânea eclosão da revolta pró-separatista da Bacia de Donetsk e adjacências. Provocada, incentivada e sustentada pelo Kremlin, esse projeto imperialista de Putin balança entre forçar uma área nominalmente sob a suserania de Kiev, mas na verdade subordinada à Federação Russa, ou até mesmo, uma transferência manu militari para o território do urso moscovita.

                       Se Poroshenko, ao anunciar o cessar-fogo com a participação da Rússia, pretendeu envolver e constranger Vladimir Putin, a reação do Kremlin foi pronta. Ele recusou-se a entrar no acordo, sob o pretexto de que Moscou não participa do conflito. Todos sabem que é mentira, mas o ocorrido mostra igualmente a pouca habilidade diplomática do novo presidente ucraniano.

                       Poroshenko tem errado – por timidez ou não – em não dar o nome aos bois. Ao conformar-se com a ficção de que a Rússia não é parte do conflito, ele traz água para o moinho de gospodin Putin, que pode assim, com a deslavada cara conhecida, negar qualquer participação nos bombardeios, invasões bélicas et al. quando neles está metido  até a raiz de cabelos (que não mais possui)...

                        O Presidente Barack Obama, ouvido com muita atenção por assembleia de dignitários estonianos, referiu-se às consequências desastrosas para a Rússia de Putin de suas aventuras imperialistas. A economia russa está em recessão, o valor do rublo caiu, e diante do espírito aventureiro de Putin e seu regime, cai a confiança na economia e no próprio investidor russo. Essa política guerreira tem um efeito deletério inegável sobre si mesma, eis que a incerteza é a pior companheira para a atividade econômica. Daí a crise atravessada pela Federação Russa.

                         A reunião de Gales da OTAN se realiza diante da iniciativa – para valer ou não – do Presidente Putin, propondo um cessar-fogo entre as milícias pró-Rússia e o estado ucraniano. Ao fazê-la na abertura da cúpula do Pacto, gospodin Putin pretende aparecer como um fautor de paz na conflagração da Ucrânia, com que supostamente nada teria a ver. Se o tal cessar-fogo não progredir – o que muitas das respostas dos chefes milicianos induzem a crer (como se a continuação ou não dos combates dependesse mais do Estado ucraniano do que deles próprios, que se reservariam ou não a continuação da luta) - salta aos olhos que os milicianos pró-separatismo são criaturas assistidas e mantidas pelo poder russo, e não se atreveriam a externar posições equívocas, se o Kremlin encarasse com seriedade a proposta de paz.  Não se poderia, por isso, excluir que Putin encene um factoide para ganhar tempo. Se Poroshenko mergulha nessa jogada, não faz prova de muito discernimento. O próprio Primeiro Ministro ucraniano, Arseni Yatseniuk – que é do mesmo partido de Iulia Timoshenko, a ex-prisioneira de Yanukovych e ex-Primeira Ministra, a quem Putin considerou como o único homem (sic) do governo ucraniano,  com quem tratara na primeira década deste século – disse que a posição de defender o processo de paz é uma “tentativa de enganar a comunidade internacional” para evitar novas sanções do Ocidente.

              Tampouco são muito animadoras as declarações dos ‘líderes separatistas’.  Putin, contra toda a evidência, assevera não ter controle sobre as milícias. Esta postura decerto é útil para o presidente russo manter liberdade de manobra e a ficção de que não tem ingerência sobre as milícias pró-Rússia. A agência russa Interfax transcreveu declarações de Andrei Purgin, dirigente da autoproclamada República popular de Donetsk “Vamos ver como eles observam o cessar-fogo deles”, e igualmente de outro líder pró-separatista “se há um cessar-fogo real da parte deles, então talvez nós possamos (participar do) cessar-fogo”. Tais afirmações, é forçoso convir, não entusiasmam pelo pendor pacifista. Tudo ficaria por conta das forças ucranianas.

              Quanto à cúpula da OTAN – que se realiza hoje e amanhã, cinco de setembro – terá como tópico central de suas discussões como lidar com a Rússia e seu desafio à ordem europeia pós-guerra fria.

              Para dar credibilidade à respectiva ação, a Organização pretende recorrer a providências a um tempo simbólicas e substantivas. A movimentação da nova presidência Putin, os seus arreganhos imperialistas causam muita preocupação aos países bálticos (Estônia, Lituânia e Letônia) e à própria Polônia. Escusado dizer que todas essas nações têm sobejos motivos históricos (seja do século passado, como dos anteriores) para inquietar-se com as intenções de gospodin Vladimir Putin, sua doutrina eurasiana e todas as movimentações de Moscou. Chamar a Rússia de potência regional[2] pode ser até verdade, mas não ajuda muito a tranquilizar quem já sentiu o pesado jugo tanto soviético, quanto tzarista.

               Nesse sentido, se pretenderia enfatizar que o princípio da defesa coletiva continua válido e seria sacrossanto. O busílis está em convencer os estados na antiga esfera da União Soviética do valor prático de tais assertivas.

               De qualquer forma, o Ocidente deseja passar de algum modo da retórica dos protestos e das sanções tópicas que vem sendo aplicadas por Washington e por Bruxelas, para uma forma um pouco mais pró-ativa em termos de reação, que deve ser a medida mais marcante da cúpula da NATO. A Força de Reação Rápida poderá contar até quatro mil soldados para serem empregados em bases não-permanentes[3], incluindo terra, mar e ar, dentro de assaz curto espaço de tempo (48 horas no mais tardar).

               Também no contexto da cúpula, Matteo Renzi, Primeiro Ministro italiano, assinalou que a União Europeia se move para ampliar sanções contra a Rússia (finanças, defesa, tecnologias sensíveis e bens de uso dual. Nesse sentido, Renzi estimulou Poroshenko a continuar nos esforços ‘para alcançar um efetivo processo de reconciliação nacional, inclusive reformas constitucionais para proteger minorias.  É importante sublinhar que a oportunidade de tais reformas é igualmente defendida pela Chanceler da Alemanha, Angela Merkel.

                 Por outro lado, em termos de União Europeia, no último sábado de agosto, foi designado o novo Presidente do Conselho Europeu, o primeiro ministro polonês Donald  Tusk. Em sucessão da britânica Catherine Ashton foi escolhida a italiana Federica Mogherini, como chefe da diplomacia europeia (entrará em funções em novembro vindouro). Ao contrário da seleção de Tusk, a indicação de Mogherini – antes Ministra dos Negócios Estrangeiros da Itália – não foi unânime.  Segundo alguns líderes europeus, a ex-dirigente da Farnesina é considerada ‘muito branda com a Rússia em relação à Ucrânia.’  A conferir.

 

( Fontes:  Folha de S. Paulo, The New York Times )



[1] Mesmo que em sentido contrário.
[2] Como o fez recentemente Barack Obama.
[3] A  precisão é importante, para respeitar acordo com Moscou.

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