sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Depois do Apagão


                                             

         Como que diante de um raio que escolhe o próprio alvo pelos insondáveis caprichos da lei das probabilidades, cada mortal pode julgar que a sua janela de oportunidade – no caso os batentes se abrem tanto para o infortúnio, quanto para o passar desapercebido  - se está comportando muito bem, na medida em que nada lhe acontece de mal.

         Um pouco por superstição, e um tanto pela vala psicológica, se vai tratando dos respectivos assuntos como se fora em branca nuvem. Mergulhamos no dia-a-dia e preferimos não cogitar de o que possa dar de errado.

         Essa ferramenta me tem acompanhado por um bom trato de caminho, e a despeito de alguns avisos – os últimos grafados em vermelho – cuidava de ir tocando o meu blog diuturno de cada dia. Nele mergulhando, e escrevendo sobre grandes e pequenos, seguia pela minha senda como se aí estivesse tudo.

         Cá e lá os deuses são imprevisíveis.  Entrei nesse mundo em meados de 2008, e com o tempo a sua presença cresceu. Do episódico ocasional dos Cachorros de Atenas, ele foi se espalhando de forma um tanto imperceptível, até tornar-se diário.

         Nesse trabalho, a minha faina é tão etérea quanto os seus resultados materiais, que como dizia um velho professor meu, tendem para zero.

         Escreve-se de tudo um pouco e entramos muita vez sem ser convidados em lugares de toda gente. Ao falar de espaço, caio no termo mais apropriado. Como os filmes da exploração celeste nos ensinam, o éter é o mundo do silêncio. Se uns têm a coragem ou a loucura, ou ambas, de lançar-se no espaço sideral, quiçá o problema maior com que tenham de lidar é esse infinito que está despojado de qualquer manifestação de som, ruído, barulho.

         Ora, os mortais ganham essa condição com o plangente ruído do choro. O barulho é uma característica da vida neste vetusto planeta.

         No entanto, assim como o personagem de Molière, Monsieur Jourdain, que, sem o saber, falava em prosa, nós, também sem dar-nos conta, enveredamos por essas sendas amiúde tortuosas dos blogs, escrevendo sem compromisso sobre tudo um pouco, e confiantes nos silentes arquivistas do espaço sideral, como se participássemos de uma enorme redação – que decerto pouco ou nada tem a ver com as salas apertadas e caóticas da velha imprensa dos séculos XIX e XX.

         Assim como o homem que atravessa, apressado, os largos espaços das campinas, as suas vistas se aferram ao chão, para que não vá pisar onde não deva. Mesmo que no céu as nuvens se condensem, se avolumem, se contorçam nas suas fantásticas e inconstantes imagens, mesmo que aos seus ouvidos cheguem ruídos que outros achariam ameaçadores, a sua própria condição não lhe deixa outra opção que a de continuar.

         Dir-se-á que, por vezes, o faça de forma maquinal, ou que entregue a poderes maiores do que ele o tempo de matutar sobre isto ou aquilo.

         Os habitantes do Hades, na Grécia antiga, eram sombras sem memória. As interpretações podem variar : crueldade ou piedade dos deuses ?

          De qualquer forma, muita vez adentramos um processo e não nos damos conta de o que ele pressupõe. Como no mergulhador de Paestum, o encanto e o desafio do exercício está no ato de lançar-se a espaços que pensamos conhecer, quando na verdade nos pilhamos pender pelo capricho de alguém ou de uma máquina em um mundo que tem regras próprias, regras essas que pensamos conhecer. 

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