O leitor perdoará que volte a ocupar-me de diplomacia em espaço tão breve de tempo[1]. No entanto, o problema existe e é notória a sua causa. Nunca dentro de um período de tempo determinado – e me refiro ao século XX e aos catorze anos do XXI – nenhum chefe de governo terá tido uma atitude tão negativa no que tange ao Ministério das Relações Exteriores e à atividade diplomática.
Qualquer personagem político terá direito aos
respectivos preconceitos – e seria hipocrisia negar eventuais prevenções contra
diplomatas – mas no caso da Presidente Dilma Rousseff essa atitude é pessoal.
Dada a relevância da personagem no quadro institucional, infelizmente tal
característica vai muito além das possíveis implicâncias e idiossincrasias.
Embora aprecie viajar – e para tanto
dispõe de aeronave moderna e confortável – e de fruir dos confortos e
entretenimentos que as idas ao exterior podem proporcionar, Dilma não parece
sentir-se à vontade nos encontros com seus pares. Dado o êxito de Lula da Silva
nesse particular – o próprio Obama chamou-o de ‘o cara’ – traça um paralelo com
a sua sucessora, que se me afigura demasiado cruel aprofundar.
Por alguma razão que desconheço a
presidenta não tem a mesma naturalidade nos seus contatos com os respectivos pares.
Nessas reuniões de chefes de estado e governo, em princípio todos são iguais,
mas na verdade, em qualquer grupo haverá sempre personagens que são mais iguais
do que os demais, e fruem de maior atenção do conjunto, e por conseguinte da
própria mídia.
Todo diplomata é um observador
nato. Está no sangue. No Brasil, tive a oportunidade, quando a minha carreira
se encaminhava para o fim, de receber o Presidente Lula e sua esposa, D.
Marisa. A sua atenção, que lhe vinha com naturalidade, facilitava o meu
trabalho. O mesmo, eu e minha esposa, podemos dizer da Primeira Dama. Tais
atitudes só contribuem para criação de atmosfera de cordialidade e de
consequente satisfação na realização plena dos fins da reunião.
O que está acontecendo com o
Itamaraty é uma decorrência da atitude de Dilma Rousseff diante da diplomacia.
Agravou disfunções já existentes, como no caso dos Terceiros Secretários, mas
se reflete igualmente em uma mal disfarçada rejeição no que tange a diversos
aspectos institucionais. E é nesse aspecto que o problema se agrava e se torna
inaceitável, porque o Brasil é potência emergente, membro dos BRIC e perene
candidato a um assento permanente no Conselho de Segurança. A chefe de estado
tem papel insubstituível em nossas relações externas.
O Brasil não pode prescindir
de um ministério das relações exteriores bem aparelhado. É inaceitável – e o
que é ainda mais grave – e inviável um ministério que tenha um orçamento de
1,12 bilhão de reais, que o coloca junto a ministérios periféricos, enquanto
cabe ao Itamaraty custear todas as missões diplomáticas e repartições consulares
espalhadas pelo mundo afora. Tenha-se presente que o orçamento médio anterior
oscilava no período do poder petista entre 2,53 bilhões e 1,95 (2009-ano de
crise ), mantendo-se em geral entre 2,51 bilhões e 2,31 bilhões.
Entre os compromissos
permanentes de nossa Chancelaria, está a manutenção das embaixadas no exterior
(residência e chancelaria), repartições consulares, contribuições a organismos
internacionais, vencimentos dos diplomatas no Brasil e no exterior, remuneração
do pessoal administrativo e local, entre outras obrigações.
Cortar o seu orçamento para 1,12 bilhão é
condená-lo a diversos vexames nacionais e internacionais, além de contrair
dívidas que não podem ser varridas para baixo do tapete.
A carta assinada por 342
terceiros-secretários reflete um problema criado pela chamada ‘turma dos
quatrocentos’, que corresponde ao ingresso maciço na carreira de novos
diplomatas, que vinham prover os quadros do ministério para integrar as cerca
de 150 missões necessárias para o projeto ‘assento permanente no Conselho de
Segurança’, o que em tese requereria abertura de relações com todos os países
representados na Assembleia Geral das Nações Unidas.
Para tanto, o Ministério
ainda no período do Presidente Lula cuidou de rebaixar as exigências em matéria linguística, o que, na prática,
implicou no ingresso de Terceiros que sequer dominavam os rudimentos do inglês
e do francês. A considerável inchação dos quadros provocou demora no acesso a
promoção. É o problema que motiva a reclamação presente. Se não se proceder a
uma outra ‘reforma’ (aumento do número dos quadros das classes superiores),
mais de trezentos diplomatas correm o risco de não ter progressão funcional,
sacrificando assim as pretensões profissionais de cerca de um quarto do pessoal
de carreira do Itamaraty.
Forçoso será reconhecer
que com as levas de novos diplomatas do período Lula se criou a situação que
motiva a carta dos 342 Terceirões. Com o gigantismo para o qual o Itamaraty não
estava preparado o antecessor da Presidenta contribuíu e muito para criar este
senhor problema.
No entanto, a fluidez na carrière sempre foi desejada, mas
raramente era obtida, salvo mediante reformas (aumento de quadros diplomáticos)
salvadoras. Fui nomeado pelo Presidente Juscelino Kubitschek Cônsul ‘K’ – na época
o equivalente a Terceiro Secretário. Na época da minha nomeação – feita após o
término do curso de dois anos no Instituto Rio Branco - como fui primeiro de turma, a primeira vaga
era minha. Sobraram mais três, que foram destinados aos meus colegas, de acordo
com a sua colocação na turma do Rio Branco. Para que se tenha ideia de como as
nomeações eram lentas, o último aprovado da turma só seria nomeado cerca de
catorze meses depois da minha nomeação.
Dada a dificuldade de
vagas, as promoções eram difíceis. É conhecida a minha admiração pelo
Presidente Juscelino Kubischek, mas talvez pela concorrência acirrada, os
critérios políticos eram muito usados na sua administração no que tange à Casa
de Rio Branco. Por isso, recordo-me que não deixou boa impressão na Casa que Marcílio Marques Moreira tenha sido
promovido por antiguidade de Terceiro para Segundo, a despeito de já dispor de
ótimo renome, como de resto o confirmaria depois em sua bela carreira.
Como se vê, se na época
inexistia o complicador ‘Dilma’, as dificuldades de acesso no Itamaraty sempre
existiram. Agora com as levas excessivas de um projeto ambicioso, mas eivado de
falhas – e não foi a menor delas a priorização da quantidade em detrimento da qualidade
– a velha Casa de Rio Branco se viu a braços com um antigo problema, só que complicado
pelos adendos do presente.
( Fontes: Folha de S. Paulo, O Globo )
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