domingo, 28 de setembro de 2014

Dilma e os Diplomatas

                           
          O leitor perdoará que volte a ocupar-me de diplomacia em espaço tão breve de tempo[1].  No entanto, o problema existe e é notória a sua causa. Nunca dentro de um período de tempo determinado – e me refiro ao século XX e aos catorze anos do XXI – nenhum chefe de governo terá tido uma atitude tão negativa no que tange ao Ministério das Relações Exteriores e à atividade diplomática.

           Qualquer personagem político terá direito aos respectivos preconceitos – e seria hipocrisia negar eventuais prevenções contra diplomatas – mas no caso da Presidente Dilma Rousseff essa atitude é pessoal. Dada a relevância da personagem no quadro institucional, infelizmente tal característica vai muito além das possíveis implicâncias e idiossincrasias.

            Embora aprecie viajar – e para tanto dispõe de aeronave moderna e confortável – e de fruir dos confortos e entretenimentos que as idas ao exterior podem proporcionar, Dilma não parece sentir-se à vontade nos encontros com seus pares. Dado o êxito de Lula da Silva nesse particular – o próprio Obama chamou-o de ‘o cara’ – traça um paralelo com a sua sucessora, que se me afigura demasiado cruel aprofundar.

             Por alguma razão que desconheço a presidenta não tem a mesma naturalidade nos seus contatos com os respectivos pares. Nessas reuniões de chefes de estado e governo, em princípio todos são iguais, mas na verdade, em qualquer grupo haverá sempre personagens que são mais iguais do que os demais, e fruem de maior atenção do conjunto, e por conseguinte da própria mídia.

               Todo diplomata é um observador nato. Está no sangue. No Brasil, tive a oportunidade, quando a minha carreira se encaminhava para o fim, de receber o Presidente Lula e sua esposa, D. Marisa. A sua atenção, que lhe vinha com naturalidade, facilitava o meu trabalho. O mesmo, eu e minha esposa, podemos dizer da Primeira Dama. Tais atitudes só contribuem para criação de atmosfera de cordialidade e de consequente satisfação na realização plena dos fins da reunião.

                O que está acontecendo com o Itamaraty é uma decorrência da atitude de Dilma Rousseff diante da diplomacia. Agravou disfunções já existentes, como no caso dos Terceiros Secretários, mas se reflete igualmente em uma mal disfarçada rejeição no que tange a diversos aspectos institucionais. E é nesse aspecto que o problema se agrava e se torna inaceitável, porque o Brasil é potência emergente, membro dos BRIC e perene candidato a um assento permanente no Conselho de Segurança. A chefe de estado tem papel insubstituível em nossas relações externas.

                  O Brasil não pode prescindir de um ministério das relações exteriores bem aparelhado. É inaceitável – e o que é ainda mais grave – e inviável um ministério que tenha um orçamento de 1,12 bilhão de reais, que o coloca junto a ministérios periféricos, enquanto cabe ao Itamaraty custear todas as missões diplomáticas e repartições consulares espalhadas pelo mundo afora. Tenha-se presente que o orçamento médio anterior oscilava no período do poder petista entre 2,53 bilhões e 1,95 (2009-ano de crise ), mantendo-se em geral entre 2,51 bilhões e 2,31 bilhões.

                    Entre os compromissos permanentes de nossa Chancelaria, está a manutenção das embaixadas no exterior (residência e chancelaria), repartições consulares, contribuições a organismos internacionais, vencimentos dos diplomatas no Brasil e no exterior, remuneração do pessoal administrativo e local, entre outras obrigações.

                    Cortar o seu orçamento para 1,12 bilhão é condená-lo a diversos vexames nacionais e internacionais, além de contrair dívidas que não podem ser varridas para baixo do tapete.

                    A carta assinada por 342 terceiros-secretários reflete um problema criado pela chamada ‘turma dos quatrocentos’, que corresponde ao ingresso maciço na carreira de novos diplomatas, que vinham prover os quadros do ministério para integrar as cerca de 150 missões necessárias para o projeto ‘assento permanente no Conselho de Segurança’, o que em tese requereria abertura de relações com todos os países representados na Assembleia Geral das Nações Unidas.

                    Para tanto, o Ministério ainda no período do Presidente Lula  cuidou de rebaixar as exigências  em matéria linguística, o que, na prática, implicou no ingresso de Terceiros que sequer dominavam os rudimentos do inglês e do francês. A considerável inchação dos quadros provocou demora no acesso a promoção. É o problema que motiva a reclamação presente. Se não se proceder a uma outra ‘reforma’ (aumento do número dos quadros das classes superiores), mais de trezentos diplomatas correm o risco de não ter progressão funcional, sacrificando assim as pretensões profissionais de cerca de um quarto do pessoal de carreira do Itamaraty.

                     Forçoso será reconhecer que com as levas de novos diplomatas do período Lula se criou a situação que motiva a carta dos 342 Terceirões. Com o gigantismo para o qual o Itamaraty não estava preparado o antecessor da Presidenta contribuíu e muito para criar este senhor problema.

                    No entanto, a fluidez na carrière sempre foi desejada, mas raramente era obtida, salvo mediante reformas (aumento de quadros diplomáticos) salvadoras. Fui nomeado pelo Presidente Juscelino Kubitschek Cônsul ‘K’ – na época o equivalente a Terceiro Secretário. Na época da minha nomeação – feita após o término do curso de dois anos no Instituto Rio Branco  - como fui primeiro de turma, a primeira vaga era minha. Sobraram mais três, que foram destinados aos meus colegas, de acordo com a sua colocação na turma do Rio Branco. Para que se tenha ideia de como as nomeações eram lentas, o último aprovado da turma só seria nomeado cerca de catorze meses depois da minha nomeação.

                      Dada a dificuldade de vagas, as promoções eram difíceis. É conhecida a minha admiração pelo Presidente Juscelino Kubischek, mas talvez pela concorrência acirrada, os critérios políticos eram muito usados na sua administração no que tange à Casa de Rio Branco. Por isso, recordo-me que não deixou boa impressão na Casa  que Marcílio Marques Moreira tenha sido promovido por antiguidade de Terceiro para Segundo, a despeito de já dispor de ótimo renome, como de resto o confirmaria depois em sua bela carreira.     

                       Como se vê, se na época inexistia o complicador ‘Dilma’, as dificuldades de acesso no Itamaraty sempre existiram. Agora com as levas excessivas de um projeto ambicioso, mas eivado de falhas – e não foi a menor delas a priorização da quantidade em detrimento da qualidade – a velha Casa de Rio Branco se viu a braços  com um antigo problema, só que complicado pelos adendos do presente.

 

( Fontes: Folha de S. Paulo, O Globo )



[1] Há várias matérias nos blogs da última semana sobre a antidiplomacia de Dilma Roussef.

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