segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Imperialismo pode custar caro


                             

         Vladimir Vladimirovich Putin não é um democrata. Nada na sua formação na KGB (a polícia secreta da URSS) há de ter contribuído para que tenha apreço pela democracia e pela liberdade.

          Como um quadro da KGB, tem uma cultura corporativa, em que privilegia não só o segredo de estado, mas também a capacidade de instrumentalizar a realidade.

           Foi um grande infortúnio para a Rússia que o desgoverno de Boris Ieltsin, sobretudo em sua última fase, com o aumento da dipsomania – nem descer da aeronave especial podia, com o consequente vexame da espera inútil dos dignitários no tarmac do aeroporto – a ponto de o grupo de seus próximos tenha sido forçado a montar operação de salvação (sobretudo da própria pele) para trazer  o homo novus salvador para a ponte de comando da nave russa.

           Quis o fado cruel que essa salvação in extremis tenha sido realizada por alguém que não crê na democracia, mas sim no domínio do estado. Criado na cultura autoritária da União Soviética, e ainda por cima empregado na KGB, somente os tolos (e os oportunistas dentre os milionários da curriola de Ieltsin) que se deixaram embalar na cantiga de ninar de que gospodin Vladimir Putin seria administrável e manejável.

            Com Putin, a mãe Rússia recebe um tratamento similar, em termos políticos, do estado autoritário, vestido com trajes do guarda-roupa constitucional. Zhao Ziyang passou os últimos anos de sua vida em prisão domiciliar, porque com Li Peng venceu a ditadura comunista, que hoje vemos flamante nas diversas e rituais presidências da camarilha conservadora, que prefere governar com regime burocrático e corrupto, do que correr o risco daquele que Churchill designou como o pior regime (com a exceção de todos os demais).

               Assim na China, como na Rússia, se examinarmos de forma detida os mecanismos e sobretudo se atentarmos para a atmosfera reinante, veremos que no Império do Meio, a democracia está em prisão domiciliar mesmo depois da morte de Zhao Ziyang, e que na Federação Russa se acha no regime suspensivo da liberdade sob eterna vigilância. Não há muito diferença da tirania do velho império dos Tzares, com as suas prisões na Sibéria. Agora, sob Putin, a esquelética liberdade  tem aparições formais no Parlamento e em simulacros dos institutos ocidentais. O controle estatal paira na opressa atmosfera, em que até a manifestação de  uma única pessoa carece de autorização dos mastins do Kremlin.

               Depois da rápida – mas obscena – anexação da Crimeia  - e a diplomacia de dona Dilma, com os seus trajes rotos pela negação de verbas para atuar, compareceu com a vergonha de aprovar um ato de conquista, contra o direito internacional público e o princípio dos pacta sunt servanda, Vladimir Putin – talvez sob a inspiração de sua doutrina eurasiana, que se alimenta até dos mananciais do nazismo – resolveu inventar outro conflito (por ora de baixa intensidade) ainda contra a vizinha Ucrânia, na sua região oriental.

               As guerras têm um problema. É que ainda o presidente Putin não inventou uma modalidade sem mortes (de nacionais russos é claro). Os body-bags (os sacos com mortos) e os caixões trazem jovens vítimas de balas ucranianas. O exército de Kiev por ora ainda não é lá essas coisas, mas as guerras, desde a antiguidade bárbara, sempre tiveram essa característica nada popular para as mães e as famílias dos soldados e guerreiros.

                 Ao enterrar os filhos, os pais  e aqueles de quem dependia o sustento de famílias, além do luto e da tristeza, pode vir também a revolta por uma morte gratuita, causada não para a defesa da pátria, mas para servir a um imperialismo tão cúpido, quão fora de propósito.

                  Por isso, o retrato de manifestante solitário com um cartaz rudimentar com o Não à Guerra. Por esse crime de lesa-majestade – fazer manifestação na Rússia só com a autorização do poder, mesmo se se tratar apenas de um solitário protesto - o indivíduo pode ser jogado em fétido cárcere.
                   As ditaduras costumam ser cruéis, corruptas e estúpidas. Por isso têm medo pânico da liberdade e da revolta que vêem fermentar em cada gesto de coragem mesmo solitária.

                    Sabem o quanto ela é perigosa. Tentam sempre sufocá-la. A história é longa e se a reação nos decepciona a maior parte do tempo, bastará a consciência de um instante para derrubar enfim o velho castelo de cartas. Mas como dona Liberdade se faz esperar !

 

(Fonte subsidiária: O Globo)       

Nenhum comentário: