Vladimir Vladimirovich Putin não é
um democrata. Nada na sua formação na KGB (a polícia secreta da URSS) há de ter
contribuído para que tenha apreço pela democracia e pela liberdade.
Como um
quadro da KGB, tem uma cultura corporativa, em que privilegia não só o segredo
de estado, mas também a capacidade de instrumentalizar a realidade.
Foi um
grande infortúnio para a Rússia que o desgoverno de Boris Ieltsin, sobretudo em
sua última fase, com o aumento da dipsomania – nem descer da aeronave especial
podia, com o consequente vexame da espera inútil dos dignitários no tarmac do
aeroporto – a ponto de o grupo de seus próximos tenha sido forçado a montar
operação de salvação (sobretudo da própria pele) para trazer o homo
novus salvador para a ponte de comando da nave russa.
Quis o fado
cruel que essa salvação in extremis tenha
sido realizada por alguém que não crê na democracia, mas sim no domínio do
estado. Criado na cultura autoritária da União Soviética, e ainda por cima
empregado na KGB, somente os tolos (e os oportunistas dentre os milionários da
curriola de Ieltsin) que se deixaram embalar na cantiga de ninar de que gospodin Vladimir Putin seria administrável e manejável.
Com Putin,
a mãe Rússia recebe um tratamento similar, em termos políticos, do estado
autoritário, vestido com trajes do guarda-roupa constitucional. Zhao Ziyang
passou os últimos anos de sua vida em prisão domiciliar, porque com Li Peng
venceu a ditadura comunista, que hoje vemos flamante nas diversas e rituais
presidências da camarilha conservadora, que prefere governar com regime burocrático
e corrupto, do que correr o risco daquele que Churchill designou como o pior
regime (com a exceção de todos os demais).
Assim
na China, como na Rússia, se examinarmos de forma detida os mecanismos e
sobretudo se atentarmos para a atmosfera reinante, veremos que no Império do
Meio, a democracia está em prisão domiciliar mesmo depois da morte de Zhao
Ziyang, e que na Federação Russa se acha no regime suspensivo da liberdade sob
eterna vigilância. Não há muito diferença da tirania do velho império dos
Tzares, com as suas prisões na Sibéria. Agora, sob Putin, a esquelética
liberdade tem aparições formais no
Parlamento e em simulacros dos institutos ocidentais. O controle estatal paira
na opressa atmosfera, em que até a manifestação de uma única pessoa carece de autorização dos
mastins do Kremlin.
Depois
da rápida – mas obscena – anexação da Crimeia - e a diplomacia de dona Dilma, com os seus
trajes rotos pela negação de verbas para atuar, compareceu com a vergonha de
aprovar um ato de conquista, contra o direito internacional público e o princípio dos
pacta sunt servanda, Vladimir Putin – talvez sob a inspiração de sua doutrina
eurasiana, que se alimenta até dos mananciais do nazismo – resolveu inventar
outro conflito (por ora de baixa intensidade) ainda contra a vizinha Ucrânia,
na sua região oriental.
As
guerras têm um problema. É que ainda o presidente Putin não inventou uma
modalidade sem mortes (de nacionais russos é claro). Os body-bags (os sacos com
mortos) e os caixões trazem jovens vítimas de balas ucranianas. O exército de
Kiev por ora ainda não é lá essas coisas, mas as guerras, desde a antiguidade
bárbara, sempre tiveram essa característica nada popular para as mães e as
famílias dos soldados e guerreiros.
Ao
enterrar os filhos, os pais e aqueles de
quem dependia o sustento de famílias, além do luto e da tristeza, pode vir
também a revolta por uma morte gratuita, causada não para a defesa da pátria,
mas para servir a um imperialismo tão cúpido, quão fora de propósito.
Por
isso, o retrato de manifestante solitário com um cartaz rudimentar com o Não
à Guerra. Por esse crime de lesa-majestade – fazer manifestação na Rússia só
com a autorização do poder, mesmo se se tratar apenas de um solitário protesto - o indivíduo pode ser jogado em fétido cárcere.
As
ditaduras costumam ser cruéis, corruptas e estúpidas. Por isso têm medo pânico
da liberdade e da revolta que vêem fermentar em cada gesto de coragem mesmo
solitária.
Sabem o quanto ela é perigosa. Tentam sempre sufocá-la. A história é
longa e se a reação nos decepciona a maior parte do tempo, bastará a
consciência de um instante para derrubar enfim o velho castelo de cartas. Mas
como dona Liberdade se faz esperar !
(Fonte subsidiária: O
Globo)
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