Mais uma vez a Presidenta Dilma Rousseff mostrou que a
diplomacia não é seu forte. À vista d’olhos, falta-lhe sensibilidade, respeito
e conhecimento nessa função. Por isso, costuma ou meter os pés pelas mãos, ou
desconhecer as práticas usuais nesse mister, e o que é corolário dessa atitude,
ignorar na prática as sugestões[1] de
seu Ministério de Relações Exteriores. O que me leva a afirmar isto, é a
circunstância de não ser crível que o Itamaraty não a informe de o que seria o
procedimento usual e recomendável nos diversos casos em tela.
Com o presidente Lula da Silva, abandonou-se a diplomacia de estado, para abraçarmos
a de partido. Tal se viu no caso do Paraguai, quando concedemos ao então
presidente guarani, Fernando Lugo,
uma compensação absurda ao Tratado de Itaipu, como se já não houvéssemos
concedido vantagens além da medida a Assunção. Mais tarde, em 2012, a
presidente Dilma se valeu do pretexto do impeachment
de Lugo, pelo Congresso paraguaio, decretado na forma da lei (ainda que com
grande desenvoltura), para suspender o Paraguai do Mercosul – medida que implementou quase manu militari junto a
colegas recalcitrantes.
A manobra, na verdade, visava a favorecer
a Venezuela
de Hugo Chávez, eis que o Paraguai era o único membro do Tratado de
Assunção a opor-se à adesão de Caracas. A violência da medida – em que a
diplomacia de partido se sobrepunha à de Estado – prejudicaria as nossas
relações com Assunção. Por outro lado, nas condições da economia venezuelana –
pioradas ulteriormente sob Nicolás Maduro
– caberia perguntar a quem aproveita o ingresso da Venezuela no Mercosul, se já
lidamos com o contrapeso do peronismo kirchnerista na Argentina ?
Essa atitude dos governos do PT, se
evidenciada com Lula de Silva (e a
sua aceitação do procedimento ilegal de Evo
Morales). A sucursal da Petrobrás na
Bolívia lá estava por acordo internacional, e não de forma irregular. Isto
pressagiava duas tendências do lulo-petismo: (a) não só passar a mão na cabeça dos ‘irmãos’ do esquerdismo
sindical sul-americano, (b) senão
prejudicar a maior empresa pública nacional, como o presente o demonstra com
excesso de agravos.
Lula, no entanto, pela simpatia
natural, gozou de certa liderança internacional, assim como facilidades de
trânsito, inclusive com o republicano George
W. Bush. No entanto, por questão de
temperamento, Dilma não logrou ocupar posição similar à Lula.
Limitar-me-ei a assinalar três episódios
que sublinham o seu viés anti-diplomático: asilo do senador boliviano Roger Pinto na embaixada do Brasil;
invasão da privacidade pelos programas da NSA e deterioração nas relações com
Washington; reação acomodatícia diante da ilegal anexação da Crimeia pela
Rússia. Como cereja neste bolo, o peculiar discurso com viés eleitoreiro, uma peça de política interna lançada no grão-salão dedicado às questões da diplomacia mundial.
No asilo de Roger Pinto, além de
mantê-lo em compartimento inadequado para a sua saúde sem a necessária
exposição solar, o Brasil de Dilma foi fraco em não exigir o salvo-conduto, que
é condição sine qua non do término do
asilo diplomático pela sua passagem a asilo territorial em outro país. E foi
ainda mais fraco ao consentir em transmitir ao asilado a possibilidade de sua
renúncia ao dito asilo. É inaceitável que Evo Morales tenha desrespeitado a
soberania brasileira, chegando mesmo a mandar revistar aeronave de Ministro de
Estado brasileiro, de passagem por La Paz. Diante disso tudo, a atitude
corajosa do Ministro Eduardo Saboia, então Encarregado de Negócios, é a
decorrência dessa desídia de Brasília. Saboia não hesitou em por em risco a
própria vida ao transportar, por vinte horas, em viatura da Embaixada, o
asilado Roger Pinto – cujo principal crime era ser desafeto do homem forte da
Bolívia – para a segurança do território brasileiro.
Quanto à invasão pela National
Security Agency dos Estados Unidos das comunicações oficiais e privadas da
Presidente Dilma, trata-se de atitude indefensável e reprovável por todos os
títulos. Dilma estava convidada para recepção presidencial em sua honra, com o
mesmo alto grau honorífico da que fora prestada a Fernando Henrique Cardoso por
Bill Clinton, na Casa Branca.
Insegura em diplomacia, a minha
impressão é de que utilizou mal as cartas de que dispunha. Não há negar de que
a Presidente Dilma Rousseff, como a parte ofendida, estava plenamente
justificada em formular juízo bastante negativo do episódio. A sua reação, no
entanto, caíu na areia movediça de quem
tem demasiada razão e, por conseguinte, carece de modular a própria resposta de
modo a paradoxalmente não pôr tudo a perder.
Nesse contexto, semelha interessante
comparar -lhe a sua reação com a da Chanceler Angela
Merkel. Também invadida na sua privacidade, a Chefe de Governo alemão soube
dosar a própria atitude de forma a sublinhar o respectivo desagrado, mas de
forma a não comprometer de todo as relações necessárias para que ulteriormente
o diálogo fosse mantido em nível em que a sua dignidade fosse respeitada. Essa
diplomacia nada tinha de subserviente. A despeito do agravo, dada a importância
das relações bilaterais, a parte ofendida dosaria a respectiva resposta,
atendendo a duas premissas básicas: o restabelecimento do respeito mútuo, como
condição sine qua non, do desenvolvimento da relação oficial; e o avanço
gradual nessa linha de concessões pré-estabelecidas, sempre em boa fé, a ser
mantida sobretudo pela parte antes transgressora. E, por fim, a regra básica: a
altercação, nesse nível, deve proceder de forma secreta, sem qualquer
vazamento. A publicidade nesta questão de Estado teria efeito deletério.
Outro grave erro diplomático, de
responsabilidade da Presidenta Dilma Rousseff, foi o de haver associado o nome
do Brasil àqueles países que não se opunham, em votação da Assembleia Geral das
Nações Unidas ao ato de força da Rússia, apossando-se manu militari da Crimeia. Tal
província no Mar Negro integrava a Ucrânia desde 1954, por determinação do
então Primeiro Secretário do PCUS, Nikita
Kruchev. Esse ato de força da
Federação Russa foi ‘confirmado’ por referendo feito de afogadilho, e sem
qualquer cuidado voltado para uma votação livre e regrada dos habitantes da
região. Por preceito de nossa Constituição de 5 de outubro de l988, o Brasil
democrático e respeitador das liberdades não poderia ter associado o seu nome à
coonestação desse desrespeito flagrante do presidente Vladimir V. Putin ao Direito Internacional Público. O Barão
do Rio Branco, patrono de nossa Diplomacia, e o Embaixador Hildebrando Accioly, o nosso maior publicista, pedem
vênia para dissociar-se de tal contrassenso.
Essa singular desenvoltura da
Presidente Dilma Rousseff no que tange à diplomacia,– em contraditória
ambiguidade em que a depreciação se dá as mãos à valorização – o Itamaraty, na
sanha presidencial de poupar o dinheiro do Tesouro para o mais desvairado
assistencialismo, é vítima de um corte absurdo dos respectivos fundos, a ponto
de não ter dinheiro para exercer as respectivas funções básicas.
Não se vá pedir, no entanto, à
Presidenta que falte à abertura ritual do debate na Assembléia Geral das Nações
Unidas. Como se sabe, cabe ao Brasil esta honra desde o início dos trabalhos –
marcada para a segunda quinzena de setembro – de pronunciar o discurso
inaugural (a que se sucede o dos Estados Unidos). Em consequência desta
contiguidade – e estando em New York – é muito raro que as palavras do Chefe da
Delegação do Brasil sejam citadas pelo New
York Times, que é desde muito o principal periódico americano.
No início das Nações Unidas –
tenhamos presente que naquele tempo pós-guerra o número de países-membros era
de 55 – a tradição do Brasil abrir
os trabalhos da AGNU cabia ao chefe da delegação brasileira junto às Nações
Unidas. Depois, este honroso cargo passou ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores. Somente com a Constituição de 1988, Fernando Henrique Cardoso aí discursou (falando em inglês), e uma
vez descoberto a nova oportunidade, Luis
Inacio Lula da Silva e Dilma
Rousseff. O fato de falar em português por vezes como no caso do monoglota
Lula é inevitável, mas a preferência do inglês, se o discurso for de boa
qualidade, ajudaria na sua maior difusão.
Muita coisa já ocorreu naquela
tribuna famosa (talvez a palma esteja com o Primeiro Secretário Nikita
Krushev, que retirou o respectivo sapato para enfatizar os próprios
argumentos quanto a substituir o Secretário-Geral por uma troika). No entanto, a alocução da Presidenta, com o seu viés local
e eleitoreiro, tocou em tecla pouquíssimo utilizada. Já diz o velho ditado que ‘elogio
em boca própria é vitupério’. Ionesco,
no seu teatro do absurdo, lamentaria não haver pensado em tal probabilidade,
mas não discutiria de quanto poderia aproveitar o ridículo e o farsesco dessa
ideia.
Destacar feitos do PT a dez
dias da eleição – João Santana
decerto providenciará um filmete (posto que preferisse fazer um com as usuais
mentiras sobre Marina Silva) – é dar
prova de total falta de mancômetro
(releve-me o leitor a eventual baixaria, mas convenhamos que é para melhor
integrar-se ao discurso da Presidenta). O imortal Henfil também gostaria de estar presente com seu Gastão, o vomitador – que infelizmente
seria retirado por motivos de saúde pública da Aula augusta da ONU, pelo
respectivo serviço de segurança...
O mais penoso das brincadeiras
é quando elas recobrem, com o diáfano véu da fantasia, uma constrangedora
realidade.
(Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo, Tratado de
Direito Internacional Público, de Hildebrando Accioly)
[1] Malgrado os meus cinquenta
anos de serviço diplomático, dada a minha situação de inativo, não me valho de
quaisquer indicações internas, não só pela circunstância de não mais
recebê-las, mas também pela impositiva discrição que o ofício me ensinou.
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