segunda-feira, 1 de setembro de 2014

A Guerra não-declarada de Putin

                                  

          Segundo todas as aparências o Presidente Vladimir Putin julga possível seguir  adiante, como se nada fora.

           Por um lado, incentiva a reunião em Minsk, na Bielo-Rússia, em que procura desenvolver uma via diplomática para o alegado contencioso. No entanto, mesmo nesse âmbito propõe negociações entre as partes – Kiev e as milícias pró-Rússia, para a concessão àquelas províncias de ‘statehood’. O termo inglês é propositalmente ambíguo, pois não esclarece se se trata de maior autonomia provincial, ou de um novo Estado naquela área.

            Por ora, o presidente Petro Poroshenko tem empregado uma linguagem elíptica, em uma tentativa de não carregar nas tintas ou talvez, se vem aferrando a uma tática negacionista da realidade, como se o fato de não reconhece-la contribuiria a afastá-la.

            No entanto, essa postura reflete uma atitude de fraqueza. A linguagem diplomática, se é concebida para não acirrar os ânimos, não deve ser usada contra a realidade, o que na prática a equivaleria a uma postura de avestruz.

            Para a Chanceler Angela Merkel – que tem sido frequente interlocutora do presidente russo – o que está acontecendo naquele país “não é um conflito dentro da Ucrânia, mas um conflito entre a Rússia e a Ucrânia”.

            Por conseguinte, para a Chanceler da Alemanha, não é uma opção aceitar o comportamento da Rússia.

            Nesse sentido, o governo alemão junto com Bruxelas estuda novas sanções pontuais para a Federação Russa. Isso será feito, segundo afiançou, ainda que as ulteriores sanções europeias terão impacto sobre as companhias alemãs que exportam para a Rússia.

             Empregando linguagem mais forte – e que poderia ser imitada do outro lado do Atlântico – a Chanceler observou que também existe impacto quando alguém se permite mexer com as fronteiras na Europa e atacar outros países com suas tropas.

             É uma descrição do comportamento fora-da-lei de Vladimir Putin. Tem praticado com intensidade crescente – desde a cínica anexação da Crimeia – uma política de gato e rato no que tange às relações  entre Moscou e Kiev. Depois da queda de Yanukovych e a retomada das negociações com a U.E., Putin vem incentivando a desestabilização da Ucrânia oriental. Para tanto, através da infiltração pelas porosas fronteiras orientais, foram criados ou apoiados grupos separatistas pró-Rússia. A região visada, que é na maioria de fala russa, constitui o principal centro siderúrgico da Ucrânia (bacia de Donetsk).

               Foram tentados, como no modelo da Crimeia, referendos para legalizar a cessão branca da região à Rússia. Como por falta de apoio local – continua majoritária, segundo as aparências, a aspiração de continuar na Ucrânia, posto que com mais autonomia – essas consultas pela sua ilegalidade e pela falta de um mínimo de respeito à livre expressão das populações envolvidas perderam qualquer credibilidade. 

               O autoritarismo de Putin, se, por ora, lhe rendeu a anexação da Crimeia, em ambiente de flagrante desrespeito a qualquer liberdade de expressar o dissenso – e valha como parêntese que a diplomacia de Dona Dilma forneceu um triste espetáculo de o Brasil subscrever uma flagrante infração ao direito internacional – tem, por outro lado, contribuído para a volta em caixões para o solo de Mãe Rússia de muitos voluntários.

              Esse tipo de retorno – mesmo para um governante autoritário e admirador do ditador italiano Benito Mussolini – pode não ajudar-lhe em termos de avaliação de opinião pública. Decerto não é nada popular engajar soldados e aventureiros em missões estrangeiras, para acabar deixando famílias acéfalas, sobretudo se se trata de uma empresa imperialista (não é de crer-se que a Rússia careça de mais terras). Por outro lado, essa aventura imperialista, com desenvoltura do século XIX, de gospodin Putin nos traz um fait-divers[1] : Lev Shlosberg, legislador do distrito de Pskov, no oeste russo, sofreu sevícias nesta última sexta-feira por causa de sua denúncia na mídia quanto a mortes de paraquedistas russos empenhados na campanha da Ucrânia. O grupo que o atacou, no entanto, foi de desconhecidos, que não tiveram sequer a fineza de deixar o cartão...

            Compreende-se, outrossim, que o novel Presidente ucraniano esteja ficando pessimista quanto às perspectivas desse contencioso.  Na cidade de Bruxelas, após reunião com líderes europeus, Poroshenko declarou que “Estamos muito perto de um ponto sem volta.  O ponto sem volta é a guerra total, o que já aconteceu no território controlado pelos separatistas”.

            Até o presente, no entanto, o que se observa é a desenvolta invasão das fronteiras ucranianas nas áreas sul e leste. Os blindados russos  estão entrando para desafogar os seus aliados rebeldes separatistas. Assim, as forças da Ucrânia tiveram de recuar do aeroporto de Luhansk, pelo ingresso de um batalhão de tanques russos.

            Os embates tem crescido em volume e importância: quatro batalhões blindados, com quatrocentos homens cada um invadiram a Ucrânia. As forças locais destruíram sete tanques.

            Em visita a Kiev, o Senador americano Robert Menendez  (Dem.-NJ) sublinhou a necessidade de fornecer armamento defensivo para Kiev. O exército ucraniano está mal-equipado, não dispondo inclusive de aparelhos de visão noturna.

          

(Fontes:  Folha de S. Paulo, The New York Times )     



[1] Notícia policial

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