O front
ucraniano é objeto de reportagem de Tim
Judah, correspondente do Economist, que
escreve também para The New York Review. Apesar
da defasagem inevitável em artigos para revistas, dada a pausa interveniente,
devido provavelmente à eleição presidencial de domingo, 25 de maio, há muitos
tópicos que mantêm atualidade.
Na cautelosa observação de Judah,
há elementos, posto que notórios, que ganham acrescida confirmação. O braço
russo no extremo leste da Ucrânia é muito óbvio para ser desmentido.
Interessante, nesse contexto, a sinalização de que a República de Donetsk, com a sua bandeira preta, azul e vermelha é
uma reexumação da República Soviética de
Donetsk-Krivoy Rog – que em fevereiro
de l918 declarara sua independência da Ucrânia e que durou ... seis semanas.
Com a queda do corrupto presidente Viktor
Yanukovych, eleito pelo Partido das Regiões, na descrição de Judah, o poder
central de Kiev na região oriental teria simplesmente evaporado. Há muitas
razões para explicar a débil reação das autoridades federais para
contra-arrestar a onda separatista naquela área. Além da ínsita fraqueza de governo
interino, o escopo de ganhar tempo até as eleições do próximo domingo estaria
entre essas razões, notadamente depois da brutal anexação da Crimeia, um golpe
do século dezenove transplantado para o que seria cenário do século XXI. O
cinismo de toda a operação, como se o direito internacional público fosse uma
ficção ocidental, terá traumatizado ulteriormente a liderança ucraniana.
Por outro lado, como facilmente se
depreende do mapa que acompanha o
artigo, não foi decerto por acaso o surgimento das rebeliões pró-Russia no
leste ucraniano. Todas as localidades são conexões da estrada de ferro que
provém de Belgorod na Rússia, onde
está força de cerca de quarenta mil homens do exército da Federação Russa. Não
é por acaso que esse exército está debruçado sobre a extremidade oriental da
Ucrânia, a começar por Kharkiv, passando por Sloviansk, Luhansk, Gorlovka, e
Donetsk, para chegar, nas margens do mar de Azov a Mariupol. Como se vê, a
relação acima é um roteiro das ‘espontâneas’ agitações pró-Russia e das
ocasionais tomadas das sedes dos serviços de segurança.
Há muitos interesses em jogo,
dentre os quais os famosos oligarcas. Conquanto as motivações desses magnatas
no leste não sejam as mesmas de Putin, Judah cita um analista da universidade
de Donetsk, Yuriy Temirov, que acredita estarem alguns oligarcas financiando a
organização rebelde, posto que haja outros que favorecem a causa ucraniana.
Dentre esses plutocratas, o filho do ex-presidente, Oleksandr Yanukovych, antes dentista, e agora homem riquíssimo (por
força da acessão do pai ao poder) se
empenha para ‘fazer o trabalho sujo do Kremlin’.
Dessa maneira, as coisas no
Leste da Ucrânia não são tão unidimensionais quanto apareçam no noticiário.
Assim, em 17 de abril cerca de duas mil pessoas se reuniram em um comício
pró-Ucrânia em Donetsk. Segundo Judah
assinala, os partícipes dizem que o afluxo era bom, eis que muitos não tinham
vindo, atemorizados por eventuais ataques de partidários pró-Rússia, como
acontecera em comício em março.
Na opinião do articulista, as
tendências refletiriam o respectivo poder aquisitivo: assim, a classe média em
Donetsk tende a apoiar a unidade da Ucrânia, enquanto a classe operária tende
por ressentimento a engrossar as fileiras de Moscou, pela perda de status, segurança e nível de vida no
estado pós-soviético.
Como é habitual nesse tipo de
análise, depois de consultar uns tantos ucranianos, dos quais alguns não estão
dispostos a revelar o sobrenome, o articulista chega a conclusões que estão,
pelo menos, sujeitas à duvida.
Assim, o movimento libertário da
praça Maidan – que em última análise
determinou a queda do presidente Yanukovych
- teria origens neo-fascistas, notadamente do partido Svoboda (liberdade). Essa relativização
não parece crível, dada a força do movimento, que configurou em muitos aspectos
revolta libertária nos moldes do século XIX e suas barricadas de rua (de que
Paris constituiria um exemplo até as obras
de urbanização do barão de Haussman, sob Napoleão III).
Outro ponto questionável de Tim
Judah seria a caracterização de Yulia
Timoshenko como ‘oligarca’. Mantida
presa por cerca de três anos, por um juiz dócil às ordens de Yanukovych, não
resta dúvida que o seu juízo fora politicamente motivado, como a própria Corte
Européia de Direitos Humanos, em
Estrasburgo, o determinou em sentença.
Como se sabe, os dois principais
candidatos para as eleições presidenciais deste domingo – um deles é Petro Poroshenko, bilionário que apoiou
o movimento de Maidan (mas também foi ministro de Yanukovych), e que tem como
principal rival a própria Yulia
Timoshenko.
Esta última tem experiência
governamental – foi primeiro-ministro com o Presidente
Viktor Yuschenko - e por suas negociações com Vladimir Putin, que a considerou como o único homem no governo da Ucrânia, supostamente por sua firmeza na
defesa dos interesses ucranianos. Esse respeito de gospodin Putin pela mulher da trança camponesa não se traduziu,
porém, em qualquer vislumbre de eventual apoio, quando de sua detenção e
consequente prisão, segundo as ordens de um dócil juiz, sob o Presidente (e
contendor eleitoral) Viktor Yanukovych.
Fonte: ‘Ucrânia: a Falsa Guerra ?’, de Tim Judah, em
The New York Review (22 de Maio – 4 de Junho de 2014)
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