A fácil vitória do oligarca Petro O. Poroshenko, com
cerca de 55% das indicações de boca de urna não terá surpreendido, eis que as
prévias já o indicavam. O seu contendor mais próximo, a ex-Primeiro Ministro
Yulia Timoshenko nunca o ameaçara, e os seus totais perfazem apenas 13%.
Por isso, Poroshenko pôde declarar-se
vencedor ao cabo do fechamento das seções eleitorais. Fala-se muito em que
houve grande abstenção no Leste, de idioma russo. Como foi amplamente verificado,
tal se deveu ao fechamento manu militari
de inúmeras seções na região oriental. Ao invés do sublinhado por alguns
‘enviados especiais’ – pelos perigos envolvidos por franco atiradores, como o
que matou o jornalista italiano, a mor
parte deles, se pisou solo ucraniano, não foi muito além da Praça Maidan, em
Kiev – a baixa votação nos distritos orientais, notadamente na chamada bacia do
Don, representa na verdade uma fraqueza da facção pró-russa.
Com efeito, e artigos anteriores já o
tinham demonstrado, muitos eleitores no Leste se abstiveram pela
impossibilidade física de sufragarem com o seu voto os concorrentes para o
pleito. Se os partidários de Putin tiveram de recorrer a métodos de intimidação
ou força bruta, essa postura indica mais fraqueza política do que outra coisa.
Assinalam-se, outrossim, em relação a
Poroshenko mudanças oportunistas no reino de gospodin Vladimir Putin. A fábrica de chocolates que o milionário
indústrial possui na Rússia voltou a ser autorizada a funcionar. Por outro
lado, segundo se indica, o seu chocolate deixou de ser carcinogênico.
Poroshenko, como bom político, fez
elogios ao presidente de todas as Rússias, recordando-se da boa experiência em
negociar com Vladimir Putin, em anos anteriores (como referido antes,
Poroshenko foi ministro do exterior sob Yushchenko, e do comércio e
desenvolvimento econômico, sob Yanukovych). Pouca importa, no contexto, que
Putin, em termos de capacidade de representação, tenha reservado seus maiores
encômios para a rival Yulia Timoshenko, a quem ele respeitara como único homem da Ucrânia com quem
negociara.
Assim, não restará dúvida que o Silas
e Caribdes no caminho do novel presidente se situam no Kremlin. Dito pro-ocidental pela mídia – se chegou inclusive a
aventar a possibilidade de pleitear associação com a NATO -, na verdade a senda
de Poroshenko lhe testará a destreza política e a capacidade de compor-se com a
Rússia.
Como salva inicial da sua eleição,
o governo Putin – que há pouco reafirmara reputar o decaído Viktor Yanukovych
como o legítimo presidente da Ucrânia
– de saída reclama o pagamento dos
atrasados comerciais, derivados sobretudo do consumo energético do gás russo.
As dívidas de Kiev são altas e não
carece ser experto em finanças para alvitrar que o caminho das pedras estaria
em uma consolidação dos débitos pendentes (que montariam a US$ 35 bilhões).
Muita habilidade se exige do novel
Presidente. Tem o apoio do Ocidente – o vice americano, Joe Biden, como enviado do Presidente Barack Obama o tem confirmado
in loco, embora reste determinar o
que, trocado em miúdos, na hora da onça beber água, significa realmente tal
prometido suporte.
A outra carta ocidental é a de
Bruxelas, e foi por conta da súbita ruptura com a U.E., às vésperas da
assinatura do Acordo, que a casa caíu para Yanukovych (claramente obrigado por
Moscou a mudar de lado).
Como não se pode atribuir boa fé a gospodin Putin, tampouco será cabível
presumir que Moscou esteja disposto a realmente abandonar a sua agressiva
política imperialista.
Depois de empanturrado com o festim
da Criméia, muitos vêem no urso russo desígnios nada compatíveis com o bom
relacionamento entre vizinhos. Pelo seu tamanho, a Ucrânia não é exatamente um
cordeiro preparado para o espeto, mas tampouco seria realista de sua parte
esperar que o governo Putin lhe facilite as coisas.
Os homenzinhos com o uniforme
cinzento descaracterizado podem voltar a adentrar as províncias do Leste, agora,
quem sabe, na bacia do Don, para ressuscitar a natimorta república da bacia do
Don (uma das regiões mais ricas da Ucrânia). Por ora, isso é somente uma
hipótese de trabalho. Em meu blog de 23 de maio corrente, me reportei no
contexto da muito falada república de Donetsk, que constitui na verdade
tentativa de reexumar a antiga República de Donetsk-Krivoy Rog, a qual em
fevereiro de 1918 declarara a independência da Ucrânia e que veio a durar seis
semanas...
Como vizinho, Poroshenko poderia
aspirar melhores e mais bem intencionados do que a Rússia. A despeito de haver sido rebaixado –
nas palavras de Obama – a potência regional, aparenta muito apetite e já
criou situações difíceis para o anterior presidente americano, nas questões da
Geórgia do Sul e da Moldava.
O novo presidente ucraniano tem
pela frente, portanto, um senhor desafio para arrostar. Não lhe darão muito
tempo para consolidar o respectivo poder.
Dadas as condições prevalentes,
ele vai carecer nesse transe de grande habilidade, sobretudo a diplomática, na
linha se possível do paradigma do ofício, Charles-Maurice de Talleyrand[1]. Boa sorte!
(Fontes: The New York Review, The New Yorker, The New
York Times, Folha de S. Paulo, O Globo)
[1] Talleyrand,
Charles-Maurice de (1754-1838). Bispo
de Autun, Presidente da Assembléia Nacional, Ministro dos Negócios Estrangeiros
do Diretório e depois do Consulado e do Império, sob Napoleão I, e mais tarde,
partidário da Restauração dos Bourbon, quando atuou de forma brilhante no Congresso
de Viena, e por fim Embaixador de Luís Filipe, em Londres.
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