segunda-feira, 26 de maio de 2014

A Vitória de Poroshenko


                               

      A fácil vitória do oligarca Petro O. Poroshenko, com cerca de 55% das indicações de boca de urna não terá surpreendido, eis que as prévias já o indicavam. O seu contendor mais próximo, a ex-Primeiro Ministro Yulia Timoshenko nunca o ameaçara, e os seus totais perfazem apenas 13%.

       Por isso, Poroshenko pôde declarar-se vencedor ao cabo do fechamento das seções eleitorais. Fala-se muito em que houve grande abstenção no Leste, de idioma russo. Como foi amplamente verificado, tal se deveu ao fechamento manu militari de inúmeras seções na região oriental. Ao invés do sublinhado por alguns ‘enviados especiais’ – pelos perigos envolvidos por franco atiradores, como o que matou o jornalista italiano,  a mor parte deles, se pisou solo ucraniano, não foi muito além da Praça Maidan, em Kiev – a baixa votação nos distritos orientais, notadamente na chamada bacia do Don, representa na verdade uma fraqueza da facção pró-russa.

        Com efeito, e artigos anteriores já o tinham demonstrado, muitos eleitores no Leste se abstiveram pela impossibilidade física de sufragarem com o seu voto os concorrentes para o pleito. Se os partidários de Putin tiveram de recorrer a métodos de intimidação ou força bruta, essa postura indica mais fraqueza política do que outra coisa.

        Assinalam-se, outrossim, em relação a Poroshenko mudanças oportunistas no reino de gospodin Vladimir Putin. A fábrica de chocolates que o milionário indústrial possui na Rússia voltou a ser autorizada a funcionar. Por outro lado, segundo se indica, o seu chocolate deixou de ser carcinogênico.

        Poroshenko, como bom político, fez elogios ao presidente de todas as Rússias, recordando-se da boa experiência em negociar com Vladimir Putin, em anos anteriores (como referido antes, Poroshenko foi ministro do exterior sob Yushchenko, e do comércio e desenvolvimento econômico, sob Yanukovych). Pouca importa, no contexto, que Putin, em termos de capacidade de representação, tenha reservado seus maiores encômios para a rival Yulia Timoshenko, a quem ele respeitara como único homem da Ucrânia com quem negociara.

         Assim, não restará dúvida que o Silas e Caribdes no caminho do novel presidente se situam no Kremlin. Dito pro-ocidental pela mídia – se chegou inclusive a aventar a possibilidade de pleitear associação com a NATO -, na verdade a senda de Poroshenko lhe testará a destreza política e a capacidade de compor-se com a Rússia.

            Como salva inicial da sua eleição, o governo Putin – que há pouco reafirmara reputar o decaído Viktor Yanukovych como o legítimo presidente da Ucrânia – de saída  reclama o pagamento dos atrasados comerciais, derivados sobretudo do consumo energético do gás russo. As  dívidas de Kiev são altas e não carece ser experto em finanças para alvitrar que o caminho das pedras estaria em uma consolidação dos débitos pendentes (que montariam a US$ 35 bilhões).

            Muita habilidade se exige do novel Presidente. Tem o apoio do Ocidente – o vice americano, Joe Biden, como enviado do Presidente Barack Obama o tem confirmado in loco, embora reste determinar o que, trocado em miúdos, na hora da onça beber água, significa realmente tal prometido suporte.

            A outra carta ocidental é a de Bruxelas, e foi por conta da súbita ruptura com a U.E., às vésperas da assinatura do Acordo, que a casa caíu para Yanukovych (claramente obrigado por Moscou a mudar de lado).

            Como não se pode atribuir boa fé a gospodin Putin, tampouco será cabível presumir que Moscou esteja disposto a realmente abandonar a sua agressiva política imperialista.

            Depois de empanturrado com o festim da Criméia, muitos vêem no urso russo desígnios nada compatíveis com o bom relacionamento entre vizinhos. Pelo seu tamanho, a Ucrânia não é exatamente um cordeiro preparado para o espeto, mas tampouco seria realista de sua parte esperar que o governo Putin lhe facilite as coisas.

            Os homenzinhos com o uniforme cinzento descaracterizado podem voltar a adentrar as províncias do Leste, agora, quem sabe, na bacia do Don, para ressuscitar a natimorta república da bacia do Don (uma das regiões mais ricas da Ucrânia). Por ora, isso é somente uma hipótese de trabalho. Em meu blog de 23 de maio corrente, me reportei no contexto da muito falada república de Donetsk, que constitui na verdade tentativa de reexumar a antiga República de Donetsk-Krivoy Rog, a qual em fevereiro de 1918 declarara a independência da Ucrânia e que veio a durar seis semanas...

              Como vizinho, Poroshenko poderia aspirar melhores e mais bem intencionados do que a Rússia. A despeito de haver sido rebaixado – nas palavras de Obama – a potência regional, aparenta muito apetite e já criou situações difíceis para o anterior presidente americano, nas questões da Geórgia do Sul e da Moldava.

              O novo presidente ucraniano tem pela frente, portanto, um senhor desafio para arrostar. Não lhe darão muito tempo para consolidar o respectivo poder.

               Dadas as condições prevalentes, ele vai carecer nesse transe de grande habilidade, sobretudo a diplomática, na linha se possível do paradigma do ofício, Charles-Maurice de Talleyrand[1].  Boa sorte!

 

 

(Fontes:  The New York Review, The New Yorker, The New York Times, Folha de S. Paulo, O Globo)




[1] Talleyrand, Charles-Maurice de   (1754-1838). Bispo de Autun, Presidente da Assembléia Nacional, Ministro dos Negócios Estrangeiros do Diretório e depois do Consulado e do Império, sob Napoleão I, e mais tarde, partidário da Restauração dos Bourbon, quando atuou de forma brilhante no Congresso de Viena, e por fim Embaixador de Luís Filipe, em Londres.

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