quinta-feira, 1 de maio de 2014

Getúlio

                                                  

         O filme de João Jardim impressiona por vários aspectos. As interpretações são primorosas e Tony Ramos, como o Presidente, e Drica Moraes, como Alzira, a secretária e a familiar mais próxima da figura paterna, avultam não só pelas características do roteiro, mas também por refletir o complexo relacionamento entre a atitude em geral reservada do pai e as atenções sempre apropriadas e inteligentes da filha.

         Getúlio é película que prende o espectador do começo ao fim. Fundado em roteiro de alta qualidade, e em acurada reconstituição de época, o ritmo do filme vai num crescendo, integrando complexa trama, em que os diversos personagens parecem peças de um mecanismo infernal, que não pode ser propiciado, tendo dinâmica própria, a exemplo da tragédia grega. Assim, desde que espouca na plácida rua Toneleros de então o disparo do sicário assassino, nasce a crise que vai levar de roldão a maior figura política no cenário brasileiro.

        Alexandre Borges nos traz a figura do tribuno Carlos Lacerda, a um tempo amado e odiado, que vê no sangue do Major Rubem Vaz o magno sinal da tragédia anunciada. Na sua fúria, tão premonitória quanto oportunista, ele não faz rodeios e obedecendo ao instinto primevo responsabiliza diretamente ao Presidente.

        As figuras da trama são prisioneiras de um contexto, em muitos casos decorrentes de seus próprios erros e limitações, enquanto há outras empenhadas em salvar o que não sabem já estar condenado. Na farda, o leal chefe da Casa Militar, General Caiado, é interpretado com a conhecida proficiência de Leonardo Medeiros. Mas há diversos outros personagens, como o Ministro da Guerra Zenóbio da Costa (Adriano Garib), que são presas do oportunismo. A própria figura de Gregório (Thiago Justino), chefe da guarda, com as suas limitações, lançara a operação fatídica, o erro (hamartia na tragédia clássica) que ninguém mais pode deter e que vai levá-lo de roldão com a sua corrupção. O próprio irmão Benjamin confessa a Getúlio que, de  certa forma, induzira Gregório a investir contra Lacerda. O comentário do Presidente é lapidar: com parentes como tu, não preciso de inimigos.

        Outro aspecto a relevar do filme de João Jardim está na cuidada reconstituição histórica e a particular atenção dada à parecença dos personagens com as personalidades retratadas, como o Vice-presidente Café Filho, interpretado por Jackson Antunes. Mas há muitas outras imagens, como a do discurso do líder da UDN, Afonso Arinos (Daniel Dantas), em que este pede a renúncia de Vargas, com jeito meio fátuo (depois Arinos se arrependeria da intervenção, em que se disse levado pela atmosfera do debate parlamentar). Outra cena do filme, em que Jardim capta o espírito foi a da última reunião do ministério, na noite de 23 de agosto, com a traição do general Zenóbio, no quadro do golpe militar iminente.

       Igualmente oportuna a inserção no final de cenas documentais do velório do Presidente no Catete, assim como da enorme multidão que acompanhara o féretro na avenida Beira Mar e o aeroporto Santos Dumont, na última viagem para São Borja.

        Lançado no dia primeiro de maio, em todo o território nacional, Getúlio faz jus a tal amplitude, sendo de augurar-se que colha a atenção e o sucesso de público e crítica que faz amplamente por merecer.




(Fonte subsidiária:  O  Globo)

Nenhum comentário: