O filme de João Jardim impressiona
por vários aspectos. As interpretações são primorosas e Tony Ramos, como o Presidente, e Drica Moraes, como Alzira, a secretária e a familiar mais próxima
da figura paterna, avultam não só pelas características do roteiro, mas também
por refletir o complexo relacionamento entre a atitude em geral reservada do
pai e as atenções sempre apropriadas e inteligentes da filha.
Getúlio
é película que prende o espectador do começo ao fim. Fundado em roteiro de alta
qualidade, e em acurada reconstituição de época, o ritmo do filme vai num
crescendo, integrando complexa trama, em que os diversos personagens parecem
peças de um mecanismo infernal, que não pode ser propiciado, tendo dinâmica
própria, a exemplo da tragédia grega. Assim, desde que espouca na plácida rua
Toneleros de então o disparo do sicário assassino, nasce a crise que vai levar
de roldão a maior figura política no cenário brasileiro.
Alexandre
Borges nos traz a figura do tribuno Carlos
Lacerda, a um tempo amado e odiado, que vê no sangue do Major Rubem Vaz o
magno sinal da tragédia anunciada. Na sua fúria, tão premonitória quanto
oportunista, ele não faz rodeios e obedecendo ao instinto primevo
responsabiliza diretamente ao Presidente.
As figuras da
trama são prisioneiras de um contexto, em muitos casos decorrentes de seus
próprios erros e limitações, enquanto há outras empenhadas em salvar o que não
sabem já estar condenado. Na farda, o leal chefe da Casa Militar, General
Caiado, é interpretado com a conhecida proficiência de Leonardo Medeiros. Mas há diversos outros personagens, como o
Ministro da Guerra Zenóbio da Costa (Adriano Garib), que são presas do
oportunismo. A própria figura de Gregório (Thiago
Justino), chefe da guarda, com as suas limitações, lançara a operação
fatídica, o erro (hamartia na
tragédia clássica) que ninguém mais pode deter e que vai levá-lo de roldão com
a sua corrupção. O próprio irmão Benjamin confessa a Getúlio que, de certa forma, induzira Gregório a investir
contra Lacerda. O comentário do Presidente é lapidar: com parentes como tu, não
preciso de inimigos.
Outro aspecto
a relevar do filme de João Jardim está na cuidada reconstituição histórica e a
particular atenção dada à parecença dos personagens com as personalidades
retratadas, como o Vice-presidente Café Filho, interpretado por Jackson
Antunes. Mas há muitas outras imagens, como a do discurso do líder da UDN,
Afonso Arinos (Daniel Dantas), em que este pede a renúncia de Vargas, com jeito
meio fátuo (depois Arinos se arrependeria da intervenção, em que se disse
levado pela atmosfera do debate parlamentar). Outra cena do filme, em que
Jardim capta o espírito foi a da última reunião do ministério, na noite de 23
de agosto, com a traição do general Zenóbio, no quadro do golpe militar
iminente.
Igualmente
oportuna a inserção no final de cenas documentais do velório do Presidente no
Catete, assim como da enorme multidão que acompanhara o féretro na avenida
Beira Mar e o aeroporto Santos Dumont, na última viagem para São Borja.
Lançado no dia
primeiro de maio, em todo o território nacional, Getúlio faz jus a tal amplitude, sendo de augurar-se que colha a
atenção e o sucesso de público e crítica que faz amplamente por merecer.
(Fonte
subsidiária: O Globo)
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