A DAMA DO ELEVADOR
V I I
“Oi”.
Não
precisou nem checar no visor do celular. Inconfundível, a sua voz quente.
“Oi.
Tava pensando em ti.”
“ ‘Cê
tá onde ?”
“No
trabalho.”
“Tou
atrapalhando ?”
“Que
é isso... Como o meu amor pode atrapalhar?...”
Ele
deixa Yvone falar. Algo lhe dizia que ela tinha recado para passar. Sem saber
por que, não tem bom pressentimento.
“ ‘Cê
sabe?...uma loucura o que fizemos...”
“Que
nada, amor...”
“Foi... foi, sim.”
“E
daí?”
“Imagine se lá estivesse alguém ligado cê sabe a quem ? ‘magina o horror
que seria ?...”
“Isso é bobagem, meu amor... Por favor, não esquenta...”
Mas
ela não sossega. Até parece que tenha prazer em se mortificar, ruminando
cenários terríveis.
Daí, Albano resolve virar o jogo.
“Quando é que a gente se encontra?”
“Vou ter que desligar, meu amor. Tão batendo na porta...”
*
Suspeitava que a súbita interrupção da chamada não passara de truque.
Para ele, Yvone inventou a campaínha, que sequer ouvira. Supunha que cortasse a
conversa, por tomar um rumo que não seria de seu gosto...
O
corte na chamada não estava programado. Ele o deixa confuso. Num repente, joga
para o lado o celular, como quem descarta algo inútil.
“Vejo que não ficou muito satisfeito...”
Só
naquele momento dá-se conta que Zilah, a baranga fofoqueira, o observa de
perto. Se lhe irrita o jeito confiado da vizinha de mesa, acha melhor
disfarçar.
“Que
bobagem...”
A
outra dá aquele risinho típico de quem não está convencida da desculpa.
E
Albano, uma vez mais, se compenetra da necessidade de ser discreto. Toda a vez
que Yvone o chame, precisa tomar a ligação longe da abelhuda companheira de
trabalho.
V I I I
No dia seguinte, não
aguentou mais. Esperou hora segura, em
que o marido estaria no trabalho e a chama no celular. Ouve, descorçoado, um
sem fim de toques e já pensa na vinda inexorável da caixa postal, quando ela,
com voz abafada, atende.
“Agora, não vai dar. Quando puder, eu te retorno...”
“Só um
instante! Por favor...”
“Tá
bem! mas que não passe de minuto!”
Eurípedes por vezes chamava pelo celular, sem motivo aparente. Se desse
com aparelho ocupado, ficava desconfiado.
“Quero saber se a viagem dele
tá confirmada...”
“Quando souber das datas, pode deixar que te aviso.”
A
ansiedade era compreensível. Foi quase por acaso que se inteirara do
afastamento do marido. Coisa de dois ou três dias, e ligada ao trabalho.
Entretanto, a despeito das trocas de mensagem, nada sabia acerca das
datas. Se Eurípedes faz segredo de tantas coisinhas, o mistério a cercar suas
ausências é mais do que compreensível. Assim, só na véspera ele avisa da
partida. Quanto ao regresso, a moita costuma ser quase total. E se Yvone vier a
demonstrar curiosidade, cresce a
desconfiança do infeliz.
Como
ele viajava de ônibus, só se conseguisse saber das paradas – em geral por
motivos ligados aos negócios, eram mais de uma – que ela podia fazer ideia do
tempo em que estaria fora.
E a
mulher não nutria dúvidas sobre a motivação de tanto segredo. Só podia ser o
ciúme e a correspondente insegurança.
*
Pela
voz, intuíu que a notícia era boa.
“Soube
ontem que ele viaja amanhã. Já comprou as passagens, mas não deu pra vê-las.”
“Vai
longe?”
“Só sei que a São Paulo e Minas.”
“Quanto tempo fica fora?”
“Só
Deus sabe. No palpite, entre três e cinco dias.”
“É
pouco, pro que ele faz.”
“O
tempo depende de três coisas.”
“Três? quais são?”
“A
montagem das tratativas, a loja por conta do encarregado, e eu.”
“Então, quando partir, me avisa que eu venho logo...”
“Nem
pensar! De saída, precisamos de muito juízo...”
Como tentasse dissuadi-la, tratou de
chamá-lo à realidade.
“Não
tenho a menor intenção de ser personagem da crônica policial...”
E sem
dizer mais nada, cortou a ligação.
I X
“Ele viajou.”
Albano estava na repartição, quando tomou a chamada. Vendo de onde
vinha, e notando que a baranga tinha as orelhas acesas, levantou-se
incontinente e como quem vai ao banheiro, não se apressou em respondê-la com a
presteza que desejava.
“Oi,
minha querida.”
Já
dentro do fétido sanitário, por primeira vez não sentia o desconforto habitual
em adentrar o espaço onde a má-educação e o menosprezo pelos que vinham depois sempre
o fizera pensar duas vezes antes de submeter-se àquele retrato sem retoque da
educação dos companheiros de trabalho.
“E
não imagina a nossa sorte! Num
descuido dele, deu pra ver os bilhetes. Volta daqui a uma semana!”
“Como é que nos organizamos?”
“Calma, amor! Vou aguardar a chamada dele, que é a regra, pra então
combinarmos.”
“E
esta chamada, quando vem?”
“Em
geral, ele me chama da primeira parada do roteiro. Mas como é de lua, pode
variar...”
“Então, fico esperando que você me chame...”
“Nem
pensar! ‘cê me espera, que sou eu quem vai ao teu apê.”
Tenta desencavar mais detalhes. Debalde. Nervosa, ela não está para muita
conversa. E logo desliga.
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